19.4.22

Impacto do aumento de preços ainda não se reflecte nos pedidos de ajuda alimentar

Daniela Carmo, in Público on-line

“Temos tido muitas queixas de que está cada vez mais difícil, mas não registamos crescimento no número de pedidos de ajuda directa das pessoas. Contudo, penso que isso ainda virá”, acredita Isabel Jonet, do Banco Alimentar.

O aumento dos preços e do custo de vida em Portugal ainda não se reflecte nos pedidos de ajuda a instituições de apoio como o Banco Alimentar ou a Cáritas Portuguesa. Ao PÚBLICO, as presidentes das duas direcções garantem que apesar de ainda não ter existido um aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade a ter de recorrer a programas de ajuda alimentar é de esperar que a procura suba.

Rita Valadas, presidente da Cáritas, explica que apesar de o custo de vida estar a aumentar, o impacto ainda é algo recente. “Acho que ninguém pode ter estes números ainda, só tivemos três meses do ano e só vamos poder contabilizar reflexos mais à frente porque a factura está a aumentar agora”, desenvolve.

Também Isabel Jonet, do Banco Alimentar contra a Fome, diz que “ainda não houve um aumento dos pedidos de ajuda”. “Temos tido muitas queixas de que está cada vez mais difícil, mas não registamos crescimento no número de pedidos de ajuda directa das pessoas. Contudo, penso que isso ainda virá”, acrescenta. A presidente do Banco Alimentar lembra ainda a medida do Governo de atribuir o apoio extraordinário de 60 euros para mitigar o aumento dos preços dos alimentos como uma das possíveis razões para que ainda não haja um reflexo visível.

Para Rita Valadas, os portugueses vão começar a sentir estes efeitos, provavelmente, só no fim deste mês. “Recorrem ao apoio quando têm a falência do primeiro mês e isso ainda não teve tempo para acontecer.”

A dirigente da Cáritas traça ainda um cenário “preocupante” que se verifica no país: “O que era claro para nós é que estaria estimado um decréscimo do número de famílias que apoiamos vítimas da pandemia, porque haveria alguma retoma. Mas isso não aconteceu, as famílias continuam a precisar de apoio”.

Esta realidade é, por isso, preocupante na medida em que a pandemia de covid-19 fez com que cerca de 22 mil pessoas, que não eram apoiadas pela Cáritas, tivessem de recorrer ao apoio da rede. E não saíram. Isso significa que juntar a este número acrescido de apoios novos pedidos de ajuda pode representar um factor de pressão para a associação.

“Não há um alívio das situações que vinham da pandemia e aquilo que nós tememos é que se juntem estas situações às que vão começar a sentir [um aumento] na sua factura mensal.”

Apoio depende da solidariedade de todos

Até onde se pode, então, esticar? Rita Valadas não se compromete com um número e recorda que o trabalho da Cáritas depende da solidariedade de todos. “Obviamente que, se for necessário, se virmos que não temos recursos, utilizaremos a nossa ferramenta habitual que é fazer uma campanha explicando às pessoas para que é que ela é. Entre isto e as almofadas que o Estado terá certamente que equacionar para estas pessoas, havemos de ser capazes”, completa.

Até ao momento, aquilo que tanto a presidente da Cáritas como Isabel Jonet reportam são as queixas, quase desabafos, de pessoas assustadas e com medo. “As pessoas estão muito conscientes da crise que está a acontecer e que vai acontecer e têm muito receio disso. Procuram-nos para conversar, para saber o que podem fazer, muito mais do que já a pedir ajuda por ausência de recursos”, reitera Rita Valadas.

Para Isabel Jonet, os pedidos de ajuda não se comparam ao aumento que foi registado com a pandemia. “Não é significativo, não tem nada a ver com a altura da ‘covid’. Neste momento também temos algumas instituições que estão a apoiar ucranianos mas o aumento de pedidos não é significativo.”
Banco alimentar com 21 balcões

O Banco Alimentar tem 21 balcões em todo o país e apoia 2600 instituições que chegam a 400 mil pessoas todos os dias. “Sabemos exactamente quem são as pessoas que apoiamos e sabemos também que em Portugal há um milhão de pessoas que vivem com menos de 250 euros por mês, a maioria das quais são idosos com baixas pensões de reforma”, sublinha Isabel Jonet.

Já a Cáritas ressalva que os números “são sempre menos do que a realidade” e que este tipo de instituições não resolve os problemas das vidas destas pessoas, mas que actuam, antes, “apenas ao nível básico, no sustento de vida diário”. E aí, Rita Valadas tem a esperança de fazer cumprir a missão nestes tempos mais críticos. Por ano, a associação chega, em média, a 120 mil pessoas e com a pandemia chegaram mais 22 mil pedidos de ajuda.

Contactadas pelo PÚBLICO, também a Comunidade Vida e Paz e a Rede Europeia Anti-Pobreza reportaram ainda não notar uma subida nos apoios que prestam. O PÚBLICO questionou também o Governo sobre qual a evolução dos auxílios prestados pelo Programa Operacional de Apoio Às Pessoas Mais Carenciadas e pela Rede de Emergência Alimentar durante este ano, mas não obteve uma resposta em tempo útil.