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17.5.22

Só 10% dos filhos de famílias pobres e com poucas qualificações chegam ao ensino superior

Samuel Silva, in Público

O filho de um finlandês com o equivalente ao 9.º ano e pobre tem mais probabilidades de ter um diploma universitário do que um português rico, mas com o mesmo nível de estudos, aponta o Banco de Portugal, a partir de uma análise de estatísticas europeias.

Apenas um em cada dez filhos das famílias pobres e nas quais as qualificações dos pais não vão além do 9.º ano consegue concluir o ensino superior. Esta evidência é sublinhada pelo Banco de Portugal, com base em estatísticas europeias, no Boletim Económico deste mês. Portugal sai mal na comparação internacional, ao ponto de ser mais provável o filho de um finlandês pouco qualificado e pobre ter um diploma universitário do que um português rico, mas com o mesmo nível de estudos. Apenas a Itália tem piores resultados.

O Banco de Portugal cruza dados sobre as qualificações prévias de duas gerações de famílias (pais e filhos) com indicadores sobre as condições económicas dos agregados familiares quando a pessoa que respondeu ao inquérito tinha 14 anos – ou seja, perto do momento de transição para o ensino secundário. As conclusões apontam no sentido de outros estudos, que sublinham a importância determinante do nível educativo dos pais no percurso académico da geração seguinte, mas vai mais longe ao cruzar esses indicadores com os rendimentos das famílias.

“No caso português, quando se tomam os indivíduos cujos pais tinham até ao 9.º ano, apenas 10% alcançaram o ensino superior quando a situação financeira [da família, no momento em que o filho tinha 14 anos] era má”, concluem os especialistas da instituição liderada por Mário Centeno. Mesmo quando existe uma situação financeira privilegiada, os filhos de quem não estudou para lá do 9.º ano têm baixas probabilidades de chegar ao ensino superior – pouco mais de um quarto (27%) detém um diploma universitário.

Estas conclusões surgem, numa “caixa” de três páginas incluída no Boletim Económico de Maio e têm por base dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2019, feito pelo Instituto Nacional de Estatística, e do EU Statistics on Income and Living Conditions, do Eurostat, do ano passado.

Os dados permitem, por isso, uma comparação internacional, na qual Portugal se sai mal, de acordo com o Banco de Portugal. Por exemplo, um filho de um finlandês com uma qualificação semelhante ao 9.º ano e más condições financeiras chega mais facilmente ao ensino superior (28,6% concluem esse nível de ensino) do que os portugueses que vêm de agregados familiares com situação financeira favorável e o mesmo nível de qualificações. Já os finlandeses menos qualificados, mas com boa situação financeira, conseguem que mais de dois terços (35,9%) dos seus filhos concluam o ensino superior.

“A situação financeira condiciona a progressão nos percursos escolares em todos os países”, começam por explicar os especialistas do Banco de Portugal, e a percentagem de indivíduos que consegue completar o ensino superior “é sempre maior quando a situação financeira era boa do que quando era má, para cada nível de educação dos pais”. No entanto, “Portugal é um dos países em que o impacto da situação financeira sobre os percursos escolares é mais acentuado”, é notado. Apenas a Itália está em pior situação, mostram os dados.

Aumento das qualificações

Nos escalões superiores de escolaridade dos pais “o papel da situação financeira não aparenta ser tão determinante” na definição do futuro dos filhos, sublinham os especialistas do Banco de Portugal. No Boletim Económico de Maio lembra-se a “transição educacional acentuada, com um forte aumento das qualificações” por que Portugal passou nas últimas décadas.

Os dados usados pelo Banco de Portugal “confirmam a forte transição educativa em Portugal”. “O papel da educação dos pais na obtenção de graus de qualificação superiores também surge evidente”, lê-se ainda no documento, vincando, entre outros aspectos que “a grande maioria (73,2%) dos indivíduos cujos pais tinham o ensino superior também completaram o ensino superior”. No caso dos pais que não foram além do 9.º ano, mais de metade dos filhos (55,9%) também não ultrapassou esse nível de ensino.

“A evidência de transmissão intergeracional [das qualificações] persiste nas gerações mais novas, embora em menor medida”, prossegue o Banco de Portugal. Na faixa etária dos 25 aos 34 anos, a percentagem de filhos que não consegue superar o 9.º ano de escolaridade fica-se pelos 39%, ao passo que na geração dos 45 e 59 anos essa percentagem ascendia a 67%.

“A transmissão intergeracional da educação, reforçada pela interacção com a situação financeira das famílias, tem implicações importantes nos percursos educativos, na inclusão social e no potencial de crescimento económico”, alerta o Banco de Portugal, apontando para “importância de compreender os mecanismos de transmissão intergeracional da educação, de modo a desenhar políticas públicas que potenciem as oportunidades para todos”.


11.10.21

Por causa dos filhos há mulheres que se sujeitam à violência doméstica


Filipa Ribeiro da Cruz é jurista da APAV e escreveu dois livros, o mais recente, intitulado "Chovem Cravos em Paris"

Filipa Ribeiro da Cruz é jurista da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. Em 2018 viveu uma experiência arrebatadora quando fez voluntariado num campo de refugiados na Grécia.

As mulheres vítimas de violência doméstica ainda se sujeitam a uma vida de abusos para não perderem os filhos. Além da maioria depender financeiramente do companheiro agressor, também receia que os filhos lhes sejam retirados. A opinião é de Filipa Ribeiro da Cruz, jurista da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em Lisboa.

A jovem, de 26 anos, natural de Almeirim, foi distinguida em 2019 pela APAV, na categoria Investigação, pela tese de mestrado com o tema “O papel da vítima no processo penal português”,

“Ainda existe o estigma em que a vítima pensa que se abandonar o lar e fugir do companheiro agressor ele fará qualquer coisa para lhe retirar ou afastar dos filhos. Esse é um dos principais motivos para as mulheres aceitarem anos de violência doméstica. Há cada vez mais vítimas informadas dos direitos que têm mas tem que haver um empoderamento da mulher para perder o medo e denunciar sempre que há agressões”, afirma a jurista.

15.9.20

Novas regras de desfasamento de horários: trabalhadores com filhos com menos de 12 anos protegidos

in Expresso

Novo diploma do Governo já está nos parceiros sociais e garante ainda direito de preferência a grávidas, trabalhadores menores ou com doença crónica. Horários passam a poder ser mudados em cinco dias

Os trabalhadores que tiverem filhos com menos de 12 anos estarão protegidos contra as alterações previstas no diploma sobre o desfasamento de horários. Nos termos definidos no Código do Trabalho, também poderão recusar as alterações as grávidas, puérperas e lactantes, trabalhadores menores, com capacidade reduzida, deficiência ou doença crónica. A ressalva é feita esta terça-feira pelo jornal ECO.

Os parceiros sociais já receberam o diploma sobre o desfasamento de horários. Logo no primeiro artigo, o documento dita “um regime excecional e transitório de reorganização, com vista à minimização dos riscos de transmissão da infeção por SARS-COV2 e da pandemia da doença COVID-19 no âmbito das relações laborais”. Estas disposições são obrigatórias nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto “a não ser que seja manifestamente impraticável”, detalha ainda a Renascença.

As novas regras aplicam-se nos locais de trabalho em que se verifique a prestação de trabalho em simultâneo por 50 ou mais trabalhadores: as horas de entrada, saída, pausas ou troca de turnos têm de ser organizadas de forma desfasada. Os horários poderão ser alterados pelas empresas sem acordo dos trabalhadores, e passam a ter de ser fixados com apenas cinco dias de antecedência (em condições normais, o Código do Trabalho prevê que este prazo seja de sete dias).

14.1.20

“A maior parte das mulheres sem abrigo tem filhos e sofreu violência doméstica”

Bernardo Mendonça, in Expresso

A violência e os abusos que as mulheres sofrem em casa são uma das principais razões que as levam à rua. A investigadora Ana Ferreira Martins lançou o livro “As Sem Abrigo de Lisboa – Mulheres que Sonham com uma Casa” que faz uma radiografia a esta dura realidade na capital


As mulheres sem abrigo de Lisboa são na sua maioria jovens, sem emprego, com baixa escolaridade, sem formação profissional e têm filhos. Foi esta a conclusão a que chegou Ana Ferreira Martins, diretora do departamento de ação social da Assistência Médica Internacional (AMI), depois de ter investigado esta população para a sua tese de mestrado (Prémio Madalena Barbosa 2009, da Comissão da Igualdade de Género) que acabou por dar origem ao livro “As Sem Abrigo de Lisboa – Mulheres que Sonham com uma Casa”, editado pela Chiado Editora. A autora alerta para a realidade duplamente devastadora que é para uma mulher não ter acesso a uma casa e discorda do conceito de sem abrigo do INE. Para si a tónica deve estar na habitação e não na rua.

Por norma associa-se a vida de sem abrigo aos homens e não às mulheres. Foi por isso que se interessou por estudar este grupo?

Foi de facto essa a razão. Percebi desde muito cedo que o pouco que estava escrito sobre os sem abrigo em Portugal era relacionado com os homens. De facto esta realidade é dominantemente masculina. Há mais homens na rua do que mulheres. Os estudos apontam para que existam cerca de 20 a 21% de mulheres entre o total de pessoas em situação de sem abrigo. Na amostra do meu estudo, que serviu de base para o livro, sinalizei 56 mulheres comparativamente aos 252 homens que encontrei. Claro que o número real de sem abrigo em Lisboa é bem maior. E nos estudos que li não havia nada que nos falasse das mulheres sem abrigo...
Quais as principais razões que levam estas mulheres a ficarem sem abrigo?

A violência doméstica é sem duvida um dos principais fatores que levam as mulheres a saírem de casa e ficarem sem lar. Quase todas as mulheres que entrevistei, e sobre as quais estudei as suas formas de vida, foram vítimas de abusos e violência física, além dos evidentes abusos psicológicos. E depois há os filhos. Ou seja, a maior parte das mulheres sem abrigo tem filhos e sofreu violência doméstica.
Essa situação é duplamente devastadora. Para uma mulher pode ser ainda mais desestruturante não ter casa do que para um homem?

Uma casa é algo essencial tanto para um homem como para uma mulher. Mas de facto, aquele ditado “A mulher em casa e o homem na praça” diz tudo em relação à questão de género entre os sem abrigo. A rua é muito mais masculina do que feminina. Ao longo dos séculos as culturas têm educado a mulher para uma casa, uma família, os filhos. E quando isto falta na vida de uma mulher, falta-lhes tudo. O sentido de viver. E a tal felicidade. É, de facto, duplamente penoso para uma mulher estar na rua e viver sem uma casa. E muito mais se houver filhos, porque o drama acresce.
Mas há respostas sociais para estas mulheres sem casa, mas com filhos. Não vão parar à rua…

Sim. O facto de muitas destas mulheres serem mães permite-lhes proteção enquanto os filhos são pequenos. Há mais respostas institucionais para as mulheres com filhos pequenos. E essas mulheres que são institucionalizadas com os seus filhos não fazem parte do numero do INE e das estatísticas oficiais dos sem abrigo. O que na minha opinião é errado. Essas mulheres vão parar a outro tipo de estatísticas que têm em conta as casas de abrigo e outro tipo de respostas. Não pode ser. Considero que estas mulheres com filhos, institucionalizadas, também são sem abrigo porque não têm uma casa. A tónica do que é ser ou não ser sem abrigo deve estar no ter ou não ter acesso a uma habitação.

Estas mulheres vêm de situações familiares e emocionais muito desestruturantes, imagino...
Sim, estas mulheres passaram por muitas ruturas afetivas, muitos abandonos, divórcios, têm filhos de diversos pais. E só num contexto de uma habitação e de um lar haverá condições para estas mulheres terem acesso à felicidade.

E a uma vida estruturada. Sem casa é impossível conseguir isso...
Claro. Era importante cruzar dados para para se saber quantos sem abrigos existem em Portugal. Os últimos censos do INE têm referência de um certo número de sem abrigo. O problema aqui é a definição. O que é que se entende por sem abrigo? A estratégia nacional definiu um conceito e os critérios do INE não são tão abrangentes. O conceito de sem abrigo usado nos CENSUS é diferente do conceito nacional e é também diferente daquele que usei na minha investigação, que é o mesmo conceito a nível europeu, que é mais vasto e abrange todas as situações de precariedade habitacional. Ou seja, não é especificamente só aquilo que a gente vê na rua, não são só aqueles e aquelas que vemos a dormir num carro, numa paragem de elétrico, mas são também todas as pessoas que vivem escondidas numa casa sem luz, sem água, sem esgotos. Esses e essas também são sem abrigo. Por isso insisto, a tónica deve ser posta na falta de habitação e aí é que se deve considerar se uma pessoa é ou não sem abrigo. Daí o nome do meu livro “As sem abrigo – Mulheres que sonham com uma casa”...
Este seu livro pretende ser um alerta para que surjam soluções para estas mulheres e homens? Claro. É urgente que as políticas dirigidas à pobreza e às mulheres e homens sem-abrigo contemplem medidas que resolvam de uma vez esta problemática. Porque acredito que num país europeu não se justifica que existam homens ou mulheres a viver na rua.

Este seu livro reúne uma série de testemunhos de mulheres sem abrigo. Recorda-se de um deles que a tenha marcado especialmente?
Foram tantos. E com todas usei técnicas associativas, perguntei a todas que palavras associavam determinados conceitos como “natureza”, “família”, “cidadania, ”lar”, “solidão” ou “beleza”. E, quando referi o conceito “beleza”, uma destas mulheres respondeu-me o seguinte: “Gostava de ser bonita, sei lá. Gosto de ver as minhas filhas sempre bem vestidas com roupa que me dão, não quer dizer que por ser pobre não vista as minhas filhas, agora eu não. Nunca tive roupa nova. Nem praticamente sei o que é isso. Ontem à noite uma filha disse-me ‘oh mãe, sabes que a avó ontem escondeu o leite”. O que ela faz agora já ela fazia a mim e aos outros filhos... “. É engraçada a maneira como esta mulher associou a beleza (ou a falta dela) ao leite escondido no frigorífico pela sua mãe. Até eu própria que já li estes testemunhos centenas de vezes...sempre que regresso a eles continuam a tocar-me o coração...


19.3.18

Há cada vez mais homens a cuidar sozinhos dos filhos

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Sentem as mesmas dificuldades que as mulheres na conciliação da vida laboral com a vida familiar e pessoal, mas são encarados como pessoas especiais. “Era como se valorizassem mais o facto de eu ter a dupla jornada de trabalho que quase toda a mulher tem”, diz um deles.

A primeira vez que Mariana Faria de Oliveira se viu com o período, deu um grito. O pai já lhe tinha falado naquilo, mas ela não estava à espera daquela mistura de sangue, muco e secreções vaginais. “Assustei-me. O meu pai explicou-me o que se estava a passar, disse-me que era normal, que eu não ia morrer.”

Encontra no pai o suporte financeiro, mas também afectivo e emocional. É com ele que fala sobre conquistas e derrotas, amores e desamores, anseios e receios. E depara-se com espanto sempre que alguém descobre que vive com ele. Tem 16 anos. Percebe a reacção. “Quando os pais se separam, os filhos vão viver com as mães ou ficam uma semana com um e uma semana com outro”.

Ainda que com oscilações, está a aumentar desde a década de 80 o número de famílias monoparentais, isto é, constituídas por um pai ou uma mãe e os filhos. As masculinas seguem a tendência, mas permanecem muito abaixo das femininas, o que quer dizer que ainda não mudou o regime padrão de residência (com a mãe) e de contacto (com o pai). Em 2017, havia 387.320 famílias monoparentais femininas e 52467 monoparentais masculinas.

Que homens são estes que assumem a 100% os cuidados parentais? Os últimos censos “sugerem que a monoparentalidade no masculino tende a ser mais frequente quando os filhos já são mais velhos e numa fase mais tardia do percurso de vida”, explica Sónia Vladimira Correia, docente da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração da Universidade Lusófona. Analisando o estado civil, nota que “é menor o peso relativo dos homens que entram na monoparentalidade por via de nascimentos fora da conjugalidade ou por via da ruptura de uniões de facto, sendo maior o peso relativo dos homens que entram na monoparentalidade pela viuvez”.

O processo de Mariana foi tranquilo. O actor Pedro Oliveira estava a pensar propor à ex-mulher ficar com a guarda e ela antecipou-se. “Ela tinha um trabalho instável. Mudava de casa muitas vezes. Eu moro na casa onde a Mariana sempre viveu, em Paço de Arcos. Ela podia ter um quarto, estar perto da escola, ter mais estabilidade”, conta.

Mariana não tem grandes memórias dessa mudança. “Perguntaram-me se queria viver com o meu pai. Eu disse que sim. Passado pouco tempo, estava a viver com o meu pai. Não me fez confusão. Não era muito bom viver com a minha mãe e o com o meu irmão. Era muita pressão para a minha mãe.”

Filho, Portugal é lindo e... está cheio de burocratas
Por trás dos pais sós estará uma variedade de situações: num extremo, o reconhecimento de que um pai pode cuidar tão bem de um filho ou de uma filha como uma mãe (e aí sobressairá a guarda conjunta e a residência alternada); no outro, mães consideradas inaptas para a função.

Quando o engenheiro informático José Soares se separou, sugeriu a guarda partilhada da filha de três anos. Parecia-lhe natural que continuassem ambos a ter total responsabilidade pelos cuidados a prestar e pela educação a dar. Ficou admirado quando ouviu a juíza dizer: “Não, os filhos têm de ficar com as mães.”

De repente, a ex-mulher afundou-se no consumo abusivo de drogas. “A situação estava muito deteriorada. Já não havia electricidade dentro de casa…” A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens acabou por remeter o caso para o Tribunal de Família e Menores, que decretou uma medida de emergência. José foi buscar a filha à creche. Quando a ex-mulher lá chegou já não a encontrou.

A menina, de quatro anos, perguntava-lhe pela mãe. Queria saber porque já não morava com ela. José dizia-lhe: “Tu estás só comigo porque a tua mãe está doente, ela vai ficar boa.” Não lhe parecia correcto dizer-lhe mais do que isso. “Os detalhes vão vindo com a idade, com naturalidade.”

Metade dos portugueses acha que pais sozinhos criam tão bem os filhos como casal
Os pais sós têm as mesmas dificuldades que as mães sós em conciliar a vida profissional com a vida familiar e pessoal. O maior ou menor esforço depende da rede de apoio (formal e informal) e dos recursos económicos que têm (o que permitir ampliar essa rede), como sublinha Sónia Vladimira Correia.

José não podia partilhar qualquer responsabilidade com a ex-mulher. Naquela fase, os contactos desta com a filha estavam reduzidos ao mínimo e só podiam ocorrer com a supervisão dos avós maternos. Os pais dele não lhe podiam valer (moram no Brasil), tão-pouco a irmã (que morava em Inglaterra). Teve de fazer uma gestão muitíssimo apertada do tempo e dos horários.

Mora em Matosinhos. “Tinha de começar o dia uma hora e meia ou duas horas mais cedo e de terminar o dia duas horas mais tarde”, recorda. Despertava às 5h ou 5h30. Cuidava de si. Despertava a filha, vestia-a, dava-lhe o pequeno-almoço. Saiam às 7h. “Às 8h tinha de estar na Maia à espera que a que a creche abrisse, porque tinha de voltar para Matosinhos para começar a trabalhar às 9h.” O corre-corre repetia-se ao final do dia. “Saía do trabalho às 18h em ponto. Tinha de estar na Maia antes das 19h, porque a creche fechava. Chegava a casa às 20h.”

Naquela estafa, faltava tempo para brincar. “No início, deixava a minha filha a ver desenhos animados enquanto preparava o jantar.” “Era pesado. Nem sei como conseguia”, diz. Tudo melhorou no momento em que conseguiu encontrar uma vaga num colégio privado perto de casa.

Pedro Oliveira também tem uma vida profissional muito preenchida. Além de actor, dirige uma cooperativa, colabora com uma associação. Quando se separou, Mariana tinha nove anos. Ia nos 11 quando veio viver com ele. “Tenho muito que fazer, mas conseguia gerir. Quando não conseguia, tinha o apoio do meu pai. Havia muitas noites em que o meu pai ficava com a Mariana.”
Sempre se sentiu visto como “um homem especial" por estar a criar a filha sozinho. E, num mundo em permanente mudança, sempre foi assaltado pelos receios próprios da condição de pai. Conseguiria ter uma criança a cargo sem receber apoio financeiro do outro progenitor? Estaria a educá-la bem?

José Soares também sempre se sentiu valorizado. “As pessoas elogiavam, mostravam empatia, tinham curiosidade em saber como eu fazia”, recorda. “Deve ser o tal machismo enraizado. Era como se o meu trabalho fosse uma coisa fora do normal. Era como se valorizassem mais o facto de eu ter a dupla jornada de trabalho que quase toda a mulher tem.”
A filha está muito mais autónoma. Já completou 12 anos. No princípio deste ano, a guarda tornou-se partilhada e a residência alternada. A mãe está recuperada. E o pai tem vida própria. Há dois anos, começou a viver com uma pessoa do mesmo sexo.

O pai sozinho tem de falar de tudo, incluindo sentimentos. Tem é de adequar as palavras à idade. Antes de assumir em público uma relação com outro homem, José falou com a filha: “Tenho uma coisa para te contar. Lembras-te daquele livro Ser diferente é bom, da Sónia Pessoa? É o caso do teu pai.” A menina também lhe quis contar que gosta de um menino lá da escola. “Eu achei tanta graça nela.” Parece-lhe que está a lidar bem com o assunto. “Ela também acaba por servir de exemplo na escola, na sociedade. Pode ajudar a perceber que o importante é as pessoas serem felizes.”

3.2.16

Cascais: mãe termina greve de fome depois de técnicas da Seg. Social serem afastadas

In "TVI 24"

Há novos desenvolvimentos no caso da mulher que entrou em greve de fome depois de ter perdido a guarda das filhas. Por decisão superior, as técnicas da Segurança Social que acompanhavam o caso de Ana foram afastadas do processo e vão agora existir novas avaliações.

28.10.15

Eduardo Sá: “Os bons filhos são aqueles que nos trazem problemas”

in o Observador

No novo livro, o psicólogo Eduardo Sá faz uma crítica às escolas e aos pais. Avisa que "errar é aprender" e que as crianças não devem ser educadas para se tornarem "modelos normalizados".

“Hoje não vou à escola!”, quantas vezes já ouviu o seu filho dizer isto, logo pela manhã, acabado de sair da cama? No início de mais um ano letivo, o psicólogo clínico e psicanalista Eduardo Sá lança um livro cujo título toma emprestado o protesto infantil. A ideia é explicar que as crianças saudáveis são afoitas, curiosas e que, às vezes, não têm vontade de ir às aulas. “Hoje não vou à escola!“, da editora Lua de Papel, chega esta quinta-feira às livrarias.

Porque “a família é mais importante do que a escola e brincar é, pelo menos, tão importante como aprender”, Eduardo Sá fala dos excessos cometidos no ato de educar uma criança e aponta o dedo tanto a pais como a professores. Defende que, depois de um longo dia de trabalho, é obrigatório que a criança brinque (em vez de se lançar aos trabalhos de casa ditos “XXL”). E, antes de um pai exigir boas notas, deve ensinar ao filho valores como honestidade e humildade.

A crítica às escolas é clara, ao Ministério da Educação também: “Os diversos governos, desde há vários anos — e com todo o respeito — têm gozado com os pais. Fala-se de uma educação para todos e os jardins-de-infância conseguem ser mais caros do que as universidades privadas”. Mas também destaca os longos períodos de aulas e a pouca importância que é dada a disciplinas como educação física e musical. A solução passa, pois, por criar, em conjunto, um sistema educativo onde as crianças fujam para a escola em vez de fugir dela.

Mas o também professor da Universidade de Coimbra e do ISPA, além de autor de livros virados para a saúde familiar e educação parental, deixa ficar ainda o aviso: os pais não devem viver em função da agenda social dos filhos. A consequência pode resvalar para um divórcio a prestações, até porque o mais importante na vida, diz, são as relações pessoais. “Pais mal-amados, por melhores pessoas que sejam, são sempre piores pais”.

A escola é, como diz no livro, “o mundo secreto onde os nossos filhos habitam”. O que quer dizer com isso?
Eu tenho medo que estejamos a fazer das crianças uma super produção dos pais, mais do que propriamente dar espaço para elas possam crescer. Preocupa-me, em primeiro lugar, que não tenhamos uma ideia precisa da mais-valia que representa o jardim de infância. Que os pais imaginem que se trata de uma espécie de atelier de tempos livres, das 9 às 17h, e não o vejam como instrumento indispensável a todo o crescimento: tem mais-valias a nível do corpo, da sensibilidade, da expressão… Um bom jardim-de-infância é meio caminho andado para uma escolaridade tranquila. Depois, as crianças não precisam de estar tanto tempo na escola para aprenderem. Mais tempo de escola não é, obrigatoriamente, melhor tempo. Pelo contrário, as crianças precisam de muito mais tempo de recreio. Crianças mais empanturradas em conhecimento são crianças que pensam menos. Temos de perceber o que queremos, efetivamente, da escola. Se queremos, ou não, uma linha de jovens tecnocratas de sucesso. Acho ótimo que possamos ir por aí, mas jovens assim não são pessoas singulares, são produtos normalizados. E era muito bom que as pessoas percebessem que aquilo que se fala aí pomposamente como mercado vai escolher as pessoas singulares, criativas.

Trata-se de conhecimento em detrimento do pensamento?
Continuamos a favorecer um sistema educativo que premeia fundamentalmente os miúdos que repetem aos que recriam. É um bocado esquizofrénico, quase, porque nós castigamos os que copiam e premiamos os que repetem como se as duas coisas não fossem faces de uma mesma moeda. Temos de pensar muito bem que tipo de estratégia queremos para que as crianças, ao mesmo tempo que aprendem, sejam capazes de ser afirmativas e sensíveis. Depois, é fundamental que se perceba que a família é mais importante do que a escola e que brincar é, pelo menos, tão importante como aprender.

Que equilíbrio sugere entre brincar e trabalhar?
A partir do momento em que as crianças chegam a casa, estão obrigadas a brincar. Brincar faz bem à saúde e é obrigatório brincar todos os dias. É natural que, se as crianças chegam tarde a casa, os pais queiram despachar os trabalhos e utilizem a fórmula “primeiro fazes os trabalhos de casa, depois brincas”. Devia ser ao contrário, porque assim descontraem.

Qual o papel do pai na aprendizagem de um filho?
Os pais deviam ser a verdadeira entidade reguladora das escolas. Há pais que se anulam perante algumas atitudes muito pouco sensatas de professores, seja em relação aos trabalhos de casa, a comentários ou até estratégias pedagógicas. Não gosto de pais que se intrometem de forma abusiva na vida da escola, mas também parece grave que haja aqueles que se anulem. É importante que nós assumamos que a escola tem um tempo que deve ser gerido, no essencial, pelos professores e deve ter nos pais uma entidade reguladora fantástica. Depois, é preciso fazer o resto: porque à parte de todos aqueles tempos, para além do razoável, muitas vezes as crianças chegam a casa e ainda têm não sei quantas atividades extracurriculares; muitas têm trabalhos de casa em formato XXL.

É uma crítica tanto ao professor como ao pai?
Também. Trabalhos de casa em formato XXL, que se fazem entre o banho e o jantar, já com as crianças muito cansadas…pergunto-me qual será a mais-valia ou o objetivo deles. A maior parte dos trabalhos de casa são uma forma rápida para que as crianças passem a ter um ódio de estimação pela escola. Não sou radicalmente contra os trabalhos de casa, mas era bom que o trabalho fosse ir ao supermercado com a mãe, ou com o pai, e fazer os trocos (e outras coisas do género). Ou seja, trazermos a escola da vida para dentro da escola. Acha que as crianças vão aprender com os trabalhos de casa aquilo que não aprenderam na escola?

Nestas circunstâncias, o que pode um pai exigir de um filho?
O pai deve começar por exigir que o filho seja honesto e humilde, algo que, muitas vezes, não o faz. A humildade é uma coisa que faz muito bem à saúde, porque ajuda-nos a aprender com os erros. Tenho medo que estejamos a criar um mundo francamente batoteiro, que torna as crianças debilitadas em relação à frustração. Nós, às vezes, somos poucos tolerantes para com os erros das crianças e esquecemo-nos que errar é aprender. Depois de as crianças serem honestas e humildes, acho importante que elas sejam afoitas, mas que, ainda assim, estejam autorizadas a errar. Uma criança que não erra não é um bom aluno, é uma criança que se vai fragilizando à conta de boas notas.

O que seria, então, uma escola ideal?
Não é preciso ser uma escola ideal. Uma escola onde as crianças tivessem, sobretudo, aulas de manhã, seria uma boa escola (somos animais com ritmos biológicos muito precisos e aprendemos em função deles; somos mais inteligentes de manhã do que a seguir à hora de almoço). Uma escola que tivesse, inevitavelmente, recreios maiores e onde a parte da tarde fosse preenchida com atividades que ajudem as crianças a serem expressivas, como educação física ou expressão dramática. Se as crianças não forem expressivas, não sabem pensar. É muito bom que as pessoas tenham noção disso, que vivemos num mundo estranho onde o número é mais credível do que a palavra; a nossa saúde mental depende do bom uso que fazemos da palavra.

Eu adoraria que nós fossemos capazes de, em conjunto, organizar um sistema educativo onde as crianças fugissem para a escola. Os diversos governos, desde há vários anos — e com todo o respeito — têm gozado com os pais. Fala-se de uma educação para todos e os jardins-de-infância conseguem ser mais caros do que as universidades privadas. E os livros, os livros, custarem aquilo que custam… Só governos que andam absolutamente distraídos face à realidade e que não têm noção do que é ter filhos entre os zero e os dez anos.
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Capa do livro – D.R.



Por que razão escreve que os bons filhos não são os que tiram melhores notas?
As crianças saudáveis não têm 5 a tudo. Ao contrário do que os pais pensam, as crianças saudáveis são acutilantes, curiosas, têm a vista na ponta dos dedos e perguntam “porquê”. É tão estranho que as crianças, até entrarem nas escolas, estejam constantemente na idade dos “porquê” e, assim que entram, parecem sair precipitadamente dela — a escola devia ser quem mais incentiva o “porquê”. Os pais devem, no fundo, ter a noção de que as crianças saudáveis podem não perceber de uma matéria, gostar dela ou até não gostar de um professor. Eles não podem aceitar a ideia de que crianças saudáveis são as que têm sempre um comportamento irrepreensível. Isso não é razoável, nada na vida é assim. Os bons filhos são aqueles que nos trazem problemas, porque nós aprendemos à medida que os resolvemos. Às vezes, os pais parecem criar os filhos na expetativa que estes não lhes deem problemas — crianças que não o fazem são, invariavelmente, adultos infelizes. Não tenho nada contra os alunos que tiram boas notas, mas gostava que os pais fossem igualmente exigentes. Isto é, que quisessem muito que os filhos tivessem boas notas na escola, como filhos, como colegas, irmãos, netos…

Costumo dizer, tentando ser provocatório, que tornamo-nos pais com o segundo filho. Com o primeiro mistura-se tudo: a infância que tivemos e a que queríamos ter tido. Os filhos mais velhos passam sempre muito, porque, às vezes, os pais colocam expetativas exorbitantes sobre eles — mais parecem viver confinados a um guião. Se calhar não é por acaso que os filhos mais velhos são os “certinhos oficiais” de uma família e os mais novos são os rebeldes. Preocupa-me que não se dê espaço para ser-se filho e ser-se criança. É inquietante e estúpido. Crescer é uma receita razoavelmente simples: dar o mais possível de colo, um q.b de autoridade e o mais possível de autonomia.

As crianças estão cada vez menos autónomas?
Sim, estão. E as crianças autónomas são expeditas, afoitas, sentem, pensam e fazem. Passividade e paixão não casam.

Os pais sofrem por antecipação pelo facto de os filhos irem para a escola?
Sofrem, porque eles dão mais importância à escola do que esta merece. A escola é fantástica, mas os pais têm de perceber que é fantástica por vários motivos: pelo que se aprende nas aulas, no recreio e no caminho para a escola. Há pais que, cada vez mais, preferem que os filhos entrem na escolaridade obrigatória aos sete anos para que os meninos tenham mais um ano para serem crianças; acham que a infância acaba quando os filhos entram na escola, o que diz tudo. Portanto, as crianças saudáveis são aquelas que, às vezes, se levantam e dizem “hoje não vou à escola”.

Qual a importância da vida social para uma criança?
Acho uma delícia quando os pais recomendam aos filhos (mais velhos) para ter cuidado com os namoros. Primeiro está o namoro e, depois, a escola. A vida ocupa espaço. Namorar é das coisas que ocupa mais tempo, bem como as relações de amizade; aquilo que é importante na vida são as relações pessoais. É ótimo que os pais deem importância à vida social dos filhos, mas que não se intrometam nela. É grave quando os pais, à custa da vida social dos filhos, não tenham fins de semana. Mais importante são as relações amorosas dos pais. A agenda social dos filhos ajuda a que, muitas vezes, estes se divorciem. E pais mal-amados, por melhores pessoas que sejam, são sempre piores pais.

Há pais que se anulam neste processo?
Há. Claro que a fatura vem logo a seguir. Isto é como na política, nunca há almoços grátis. Há pais que prescindem de uma vida para serem unicamente pais. É um divórcio a prestações.

Voltando à sala de aula, o que é uma criança hiperativa?
Acho que a Direção-Geral de Saúde devia fazer uma campanha pública porque parece existir uma epidemia atípica. Acho importante que constatemos as dificuldades das crianças, mas que não nos ponhamos a medicar com mão leve como se elas tivessem de ser irrepreensíveis. Uma criança com várias horas de aulas, poucas de recreio e pouca atividade física é seguramente mais distraída. Isso significa que ela tenha algum defeito ou que, na sua ingenuidade, os pais e os professores, pela má gestão que fazem, vão contribuindo para essa dificuldade? Preocupa-me muito que, em Portugal, as crianças tenham cada vez menos atividade física e preocupa-me ainda mais que haja ministros da Educação e ministérios que achem que a educação física seja uma disciplina de classe B, quando comparada com a matemática ou o português — não me choca nada que se possa reprovar o ano com negativa a educação musical e a educação física. Acho que estas pessoas não deviam ser ministros da Educação. O Ministério da Educação, nestas circunstâncias, devia fechar para balanço. As crianças que têm mais atividade física pensam melhor e são mais atentas. Há turmas em colégios de Lisboa em que se contam pelos dedos das mãos as crianças que não estão medicadas, como se isto não tivesse efeitos secundários.

Que tipo de consequências estamos a falar?
Aquilo que parece uma mais-valia, a longo prazo é uma limitação.

7.4.15

Das notas perfeitas no liceu aos problemas sérios na faculdade

por Ana Bela Ferreira, in Diário de Notícias

Pressão para os bons resultados pode acabar por ter efeitos contrários. Estudante conta como foi viver com a exigência dos pais.

Guilherme, excelente aluno no secundário, chegou ao ensino superior e viu-se confrontado com a dificuldade de manter os bons resultados que os pais sempre lhe exigiram. Sozinho numa cidade nova, o Porto, o jovem de Coimbra percebeu que não tinha métodos de estudo e nem sequer conseguia acordar cedo para ir às aulas. Em casa era a mãe que o acordava. "Precisava de ir a uma aula àquela hora, não ia, acordava e ficava frustrado comigo e já não saía de casa."

Não ir às aulas não fazia parte da forma com sempre encarou a escola. Por isso, quando, por não acompanhar a matéria, tirou um 11 ficou ainda mais isolado. "Não queria dizer algo que para os meus pais, ou para parte da família, era inadmissível que era por exemplo tirar um 11 ou uma nota mais baixa do que o normal."

O psicólogo que ajudou o estudante de engenharia a ganhar confiança e a lidar com as expectativas denuncia os efeitos negativos que a pressão excessiva dos pais pode ter na vida dos filhos. "Qual é o problema de pôr a exigência muito elevada em relação às crianças? É que se se está sempre a exigir e se acha que educar bem é exigir que faça cada vez mais e melhor. Esta criança tem uma coisa no seu quotidiano, que é "por mais que eu me esforce nunca chega, não sou suficientemente bom". Isto pode dar ao indivíduo um verdadeiro sentimento de invalidação", alerta Daniel Rijo.

2.8.13

Filhos - As novas armas de arremesso

Sofia Rijo (sapato nº39), in Expresso

Sempre achei que a arma de arremesso mais básica e rudimentar, existente ao cimo da Terra, era a fisga. Enganei-me, a mais atual e letal arma utilizada são os filhos. Pior que tudo, são eles quem mais sofre direta e indiretamente, com danos diretos e colaterais, porque os pais, infelizmente, não conseguem separá-los da frustração de uma relação que chegou ao fim. Na maior parte das vezes esquecem-se que o único elo que ainda mantêm, os filhos, fica violentamente exposto a lutas, guerras, gritos, discussões e, pior de tudo, a impossibilidade e de sociabilizar e conhecer verdadeiramente um dos seus progenitores, e de usufruir do amor de um deles.

Sinceramente, e perante as realidades a que assisto todos os dias, não sei se será pior o pai que abandona o filho, depois de separar-se da companheira, alienando-se de toda e qualquer responsabilidade, se a mãe que impede o filho de ver o pai, porque não concorda com a vida que este leva, se sente frustrada pela relação ter acabado ou por qualquer outra situação. Nada, mas mesmo nada, deveria dar-lhe o direito de impedir a criança de estar com o pai.

Situações (i)limitadas

São mais que muitas as situações, infelizmente mais do que as que deveriam existir, e são tristes, e que em nada abonam o sexo feminino. Tanto condeno um pai que abandona o seu filho, como a mãe que impede o pai de ver as suas crias. Sou mulher e também sou mãe, e acredito que não há amor maior que o nosso, ou não estivéssemos ligados àquele pequeno ser, a partilhar o mesmo corpo durante nove meses. Todavia, e acima de tudo,defendo que uma criança precisa de um pai e de uma mãe, estejam juntos ou separados.

Eles, os pais, também vivem a experiência, de forma diferente é um facto, mas vivem, e se muitos há que abandonam, ignoram os recém-nascidos e até têm medo de pegá-los ao colo com receio que estes se quebrem, outros há que são verdadeiras "mãezonas" que muitas vezes assumem as rédeas da paternidade, quando as mães passam por situações mais difíceis. Sim, a depressão pós-parto e os descontrolos hormonais existem e são violentos, mas não duram para sempre.

Sem rasto de esperança

Deixam-me infelizes casos de mães que desapareceram, sem deixar rasto, com os filhos, ou que os pais apenas conseguiram voltar a ver a sua prole quando se fizeram acompanhar da polícia, às vezes anos depois destes terem nascido. Fico revoltada quando oiço casos de mulheres que continuam a cair na triste ilusão de que um filho prende um homem a uma relação, quando o que acontece, sobretudo no primeiro ano (o grande desafio) é precisamente o contrário, e que se a relação estava pelas ruas da amargura, não será esta a solução.

Fico triste quando oiço dizer que a mãe começou a impedir o pai de ver a criança, a trocar fins-de-semana e visitas determinadas pelo tribunal, agindo de forma ilegal e ainda a utilizar a chantagem, no sentido obter pensões de alimentos exorbitantes.

Deixo aqui apenas um apelo à reflexão: saberão estes pais e estas mães que, acima de tudo, estão a fazer mal aos seus filhos? Que não os estão a proteger? Que estão a criar-lhes uma visão distorcida da vida, da sociedade e do verdadeiro sentimento que é o amor? É que deveria ser exatamente o contrário, porque aquele ser confuso que ali está, sofre e muito, quando ouve os pais aos gritos e a ofenderem-se mutuamente. Basta pensar que este nasceu e foi concebido, nem que por momentos, através de um ato de amor. Se o amor acabou entre os pais, estes não podem acabar com o amor com e pelos filhos, e isso depende de ambos!

24.4.12

Que é feito dos filhos que sobram da guerra entre os homens e as mulheres?

Por Graça Barbosa Ribeiro, in Público on-line

Com o divórcio de pais habituados a cuidar dos filhos, a tendência para o litígio pode acentuar-se. Associações alertam para fenómeno da "alienação parental", que alguns dizem não existir.

Sob a vigilância de uma funcionária, numa sala de um dos edifícios da Segurança Social em Lisboa, Luís, de 48 anos, manobra um carro telecomandado. Fá-lo seguir até ao compartimento contíguo, onde o seu filho está com a avó materna, e regressar, depois, à sala onde se encontra. Ele, Luís, não pode cruzar-se com a família da ex-companheira. Por isso pediu o carro a um sobrinho e o manobra, agora, entre uma e outra sala, a engolir as lágrimas e a humilhação. Tenta atrair Pedro, de quatro anos, que finalmente chega à ombreira da porta e, por uns segundos, levanta os olhos do carro para o pai. Nesse momento, a avó faz barulho com os sacos e o miúdo desaparece. Luís ouve: "Não vás embora, avó!". A visita terminou.

A descrição é feita com base no relato de Luís. É a sua versão de um drama cuja veracidade sustenta em documentos e estudos e relatórios e notificações do tribunal e contas de advogados – "um monte de papéis inúteis" sobre os quais chora. A relação de normalidade com o filho terminou dias antes de o bebé completar os dois anos de idade. Hoje, Pedro tem cinco anos e não voltou a estar com o pai sem a vigilância de terceiros. Luís tornou-se no retrato daquilo a que alguns chamam vítima de "alienação parental" – o termo utilizado para designar o comportamento, em casos de divórcio litigioso, do progenitor que tem a guarda física do filho e que, perante a criança, procede a uma permanente desqualificação do outro progenitor, ao mesmo tempo que procura obstar ao contacto entre ambos, com a intenção de provocar o corte dos vínculos afectivos que os unem.

Nas vésperas do dia Internacional de Consciencialização da Alienação Parental, que se assinala dia 25, o problema mobiliza várias organizações. Entre elas os dirigentes das associações Para a Igualdade Parental (APIP) e da Pais Para Sempre (APPS), que citam dados oficiais para lembrar que, só em 2010, houve 27.556 divórcios em Portugal e deram entrada nos tribunais 16.836 processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais e 11.283 processos por incumprimento do regime acordado (de contactos ou de pagamento de pensões de alimentos). "Com o divórcio dos homens da geração pós-25 de Abril, que foram educados num ambiente de partilha, com as mulheres, das tarefas domésticas e dos cuidados dos filhos, a tendência é para que cada vez mais pais reclamem a sua guarda, o que pode potenciar os conflitos", afirma Ricardo Simões, da APIP.

O conceito de alienação parental, contudo, é controverso. Aparentemente, a alienação parental existe e começa a ser reconhecida: o termo aparece cada vez com maior frequência em sentenças dos tribunais, como motivo para a inversão da guarda física das crianças. Os juízes que procuram utilizá-lo, no entanto, enfrentam a aguerrida e sistemática contestação de um grupo de especialistas, cujos rostos mais mediáticos são Clara Sottomayor e Dulce Rocha, ambas fundadoras da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a primeira professora de Direito na Universidade Católica e a segunda presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança.

Não é fácil explicar em poucas linhas o motivo da controvérsia, comum a Portugal, aos Estados Unidos, a Espanha e ao Brasil, por exemplo. De uma forma simplista, pode afirmar-se que a contestação se baseia em três factores: na designação original, que é "síndrome da alienação parental", indicando um comportamento patológico; no facto de o conceito não ser reconhecido como válido por qualquer autoridade de saúde; e por o termo ter sido criado por um psiquiatra dos EUA permissivo em relação aos contactos sexuais entre pais e filhos, Richard Gardner, cujas teorias, denuncia Clara Sottomayor, "têm uma origem sexista e pedófila".

O último aspecto é essencial, também, para Dulce Rocha, que não se limita a contestar a validade do conceito e nega mesmo a possibilidade de uma mãe tentar quebrar o vínculo entre pai e filho com outra intenção que não a da protecção da criança face a uma ameaça que pelo menos julga real. Apontando casos de erros judiciários, ambas consideram que a alegação de "alienação parental" "é usada para encobrir abusos sexuais dos filhos pelos homens" e constitui uma "discriminação das mulheres, encaradas como loucas, perversas, histéricas e manipuladoras"."Ridículo", reage Maria Saldanha, psicóloga e presidente do Instituto Português de Mediação Familiar. Pioneira no tratamento do tema da alienação parental em Portugal, defende a necessidade de, pelo contrário, proteger a relação da criança com o pai de falsas acusações de abuso sexual. A psicóloga chama-lhe "bomba atómica". "Primeiro usam-se os argumentos do quotidiano: num fim-de-semana a criança não vai ter com o outro progenitor porque tem uma festa, no outro porque está doente, depois porque precisa de estudar.... Mas, nos casos mais graves, acabam por surgir as acusações de abuso, que têm um efeito devastador", diz. Isto porque, confirmam os juízes, mediante aquela acusação ou da de violência doméstica, o tribunal interrompe as visitas ou estabelece um regime de encontros vigiados, como medida de protecção da criança.

Maria Saldanha considera que a lentidão do sistema "premeia o alienador". "Por longos períodos de tempo, a criança não se encontra com um dos progenitores ou apenas o vê uma ou duas horas por semana, com vigilância, o que dá oportunidade ao outro de consolidar o processo de alienação", acusa.

A interferência da questão do género nesta discussão é inevitável, na medida em que, no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, os tribunais continuam a atribuir a guarda física da criança à mãe, na grande maioria dos casos, pelo que são elas que mais têm o poder de alienar. A forma como o confronto entre os direitos do homem e da mulher condiciona o debate ficou evidente em Novembro, quando duas associações interpuseram uma providência cautelar no sentido de impedir que figuras do Estado patrocinassem um congresso sobre O Mito da Síndrome da Alienação Parental. Alegaram (sem êxito) que o evento estava a ser promovido por mulheres (numa aparente alusão a também Clara Sottomayor e Dulce Rocha) que, "mais do que pró-feministas", eram "anti-homem" e pretendiam "lançar um clima de suspeição" sobre todos os pais.

"Esta guerra ideológica em torno do tema da alienação parental, explorada por ambas as partes de forma demagógica e como se fosse um problema de género, tem sido extremamente prejudicial à defesa dos interesses da criança", considera Catarina Ribeiro, docente da Universidade Católica e psicóloga no Instituto Nacional de Medicina Legal. Defende que o termo "é o menos importante": "O comportamento descrito como alienação parental existe e é relevante. É verdade que em caso de litígio há acusações de abusos sexuais falsas e verdadeiras - e o que é que se faz perante isto? Não se discute como havemos de lhe chamar - estuda-se, investiga-se e criam-se condições para um despiste rápido e eficaz das falsas acusações", defende.

Em Maio de 2009, na primeira audiência para a regulação do exercício das responsabilidades parentais, Luís tomou conhecimento de que existia uma queixa-crime contra ele, por abuso sexual. Na sessão, o acordo que vigorara até a família materna ter subtraído a criança (que passava um dia com o pai, outro com a mãe) não chegou a ser equacionado. Ficou definido que as visitas passariam a ser semanais e vigiadas. Mas nem isso aconteceu – um engano numa morada fez com que Luís só voltasse a estar com o filho nove meses e meio mais tarde.

Desde aquela data, as interrupções dos contactos, por períodos mais ou menos longos, são constantes e, nos encontros, Luís percebeu que o filho passou a chamar "pai-avô" ao seu ex-sogro. Seguindo a tese de Maria Saldanha, é uma vítima típica de alienação parental. A acusação de abusos só surgiu em contexto de litígio pela guarda da criança e acabou por ser arquivada, há quatro meses. Luís espera que esse facto permita alterar o regime de visitas. Algo que, de acordo com os princípios defendidos por Dulce Rocha e Clara Sottomayor, não deve acontecer."Não ficar provado que houve abuso não significa que ele não tenha existido, pelo que o tribunal deve proteger a criança. Pior do que crescer sem pai é crescer junto de um pai abusador", afirma a professora de Direito. "Mas está o tribunal a proteger a criança ao cortar os vínculos com um dos progenitores, entregando-o a alguém que, pela mesma ordem de razões, pode ser um manipulador, um abusador emocional?", questiona António José Fialho, juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro.

Interessado na questão da alienação parental e empenhado na promoção do debate, este juiz afirma que nunca utilizou aquela expressão numa sentença, mas que já se baseou no novo artigo da Lei do Divórcio, de 2008, que determina que, ao atribuir a guarda física da criança, o tribunal deve promover decisões "que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos [os progenitores]". "Não é por falta de leis que não tomamos sempre as melhores decisões, mas por falta de recursos. Já cheguei a esperar um ano e meio por um relatório de avaliação social e, neste momento, sei de exames pedopsiquiátricos marcados para 2013", exemplifica.

No Centro de Direito da Família, em Coimbra, o procurador Rui do Carmo coordena uma equipa multidisciplinar que trabalha em várias propostas de solução para uma actuação rápida e eficaz em situações de denúncia de abuso sexual, que espera testar no terreno nos próximos meses. "Começa a cansar a permanente denúncia dos problemas, é preciso passar à acção", critica.

No que respeita à chamada alienação parental, o presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, defende que agir é "promover acções de prevenção, mas também aplicar as sanções previstas na lei". E também neste campo o ano de 2008 trouxe novidades: incorre em pena de prisão até dois anos e multa até 240 dias o progenitor que de modo repetido e injustificado não cumpra o regime estabelecido para os encontros com o outro progenitor. O crime de denúncia caluniosa – neste caso a acusação falsa de abusos sexuais – é punido com pena de prisão até três anos ou multa.

Apresentar queixa, no entanto, é algo que "não passa pela cabeça" de Luís, por exemplo: "O que eu pretendo é evitar problemas, para ter de volta o meu filho", explica. Esta semana, dizia-se esgotado: "Já não confio na Justiça, não sei a quem recorrer".

Ricardo Simões, da APIP, admite que há muitos pais e mães que não resistem ao esgotamento provocado por estes processos. "Não se trata de desistir dos nossos filhos. Eu não desisti. Mas não podia continuar a viver o processo com a mesma intensidade – era uma questão de preservação da saúde mental", diz Cristina, de 42 anos. O filho, agora com 15, escolheu viver com o pai depois de um mês de férias em sua casa, aos 13. Desde então, as relações têm vindo a deteriorar-se. "Começo a conformar-me com a ideia de que tenho de esperar que ele amadureça", diz.

A "espera", no entanto, pode não vir a ser compreendida pelos filhos. É o que diz Sara, que só em adulta soube o que se passou no tribunal, tinha ela 13 anos. "A minha mãe disse que se suicidava se lhe tirassem os filhos e eu e o meu irmão ficámos entregues a uma mulher mentalmente desequilibrada", resume. Sara culpa a mãe e não perdoa ao pai "que se tenha rendido, que não tenha lutado" por ela "até ao limite das suas forças".

Hoje com 42 anos, Sara diz que, se há algo que a define, é "a absoluta intolerância, aos erros, à negligência e à indiferença dos adultos em relação às crianças". Às vezes dá consigo "a fazer coisas que aos olhos dos outros podem parecer estranhas". Há tempos, estava num café, em Cascais, quando entrou uma mulher jovem empurrando um carrinho com um bebé recém-nascido, conta. Apesar de a criança estar a chorar, a mãe mantinha-se indiferente e Sara não se conteve. "Dirigi-me ao carrinho, peguei no bebé, coloquei-lho no colo e quando a mulher olhou para mim, horrorizada, disse-lhe: 'O seu bebé tem fome, sede, dor ou sono. Cuide do seu filho! É sua obrigação cuidar do seu filho!'". (Os nomes das pessoas que se declararam vítimas de alienação parental são fictícios).

21.2.12

Mulheres que trabalham mais têm mais filhos

Leonor Paiva Watson, in Jornal de Notícias

Os países da Europa com mais mães a trabalhar fora de casa são os que têm maiores taxas de fecundidade. A questão da natalidade deve centrar-se em políticas de apoio à família, diz Anália Torres.

A ideia de que a baixa natalidade se deve à mulher trabalhar fora de casa é completamente falsa, avança a presidente da Associação Europeia de Sociologia. Anália Torres revela que países como a Espanha, a Grécia, a Hungria, a Eslovénia ou a Polónia, onde a taxa de mães a trabalhar fora de casa é menor (entre os 35 e os 45%), são também os países da Europa com menor natalidade, isto é, com uma média de 1,3 filhos por mulher.