3.11.07

IRRADICAÇÃO DA POBREZA TEM QUE SER UM DESÍGNIO - Dois milhões de pobres, são consequência da má qualidade da nossa democracia e causa maior dos males

José Vitorino, in Diário da Região Sul

No essencial, que nos dizem os dados da Rede Europeia Anti-Pobreza? Que Portugal está nos últimos lugares (ou nos primeiros), quanto à taxa de pobreza, desigualdade na distribuição do rendimento e abandono escolar.

Em Portugal há efectivamente cerca de 2 milhões de pobres (20% da população), pessoas que, segundo os indicadores, não dispõem das condições mínimas de subsistência. Porém, inquiridos os portugueses, 47% consideram-se pobres, enquanto 39% dizem ter dificuldades financeiras. Refira-se estimar-se que no Algarve e em Faro em particular essa percentagem ainda possa ser maior. Por outro lado, a relacção entre 20% da população mais pobre e os 20% mais ricos é de um para oito, enquanto no conjunto da União Europeia é de um para cinco e nos países mais desenvolvidos de um para três. Em Portugal, apenas 20% da população é responsável por 80% da riqueza, cavando-se um fosso cada vez mais fundo entre os muito ricos e os muito pobres, e com a classe média a desaparecer.

Em termos de indicadores da vida social, podiam acrescentar-se: a saúde, reformas, salários versus custo de vida, fome, carga fiscal, falta de saídas profissionais para os jovens, 600.000 desempregados, pessoal a trabalhar a recibo verde, percentagem da população em condições degradantes de habitação, falta de Creches, jardins de Infância, Centros de Dia e Lares, baixos níveis de poupança, elevado endividamento das famílias, baixo subsídio de desemprego e salário mínimo, etc.

Tudo isto é muito grave e quantificável, mas as pessoas não são simples números. Cada pessoa (família) é uma realidade muito complexa, com elevados níveis de sofrimento incomensuráveis.

Para cada um o seu drama que, frequentemente, é escondido envergonhadamente pelos próprios, ou tende a ser subestimado pelos mais ricos mas, também pelos menos pobres. São um enorme “exército” sem força e sem meios para fazer ouvir o seu clamor, ficando à margem da sociedade de consumo que inebria uns, ofusca outros e até ilude alguns pobres… É o silêncio dos marginalizados, entregues a si próprios que normalmente, ficam fora das prioridades públicas porque não votam ou não incomodam os poderes.

Este segundo drama (ignorância ou esquecimento) é tão ou mais grave do que a pobreza em si mesma, desde logo porque é uma das principais causas desta. E isto está de tal forma interiorizado pela sociedade que cerca de 30% da população considera que a pobreza é da responsabilidade dos próprios, porque não querem trabalhar e outros 30% encolhem os ombros com indiferença, sendo de opinião que os afectados tiveram “azar” ou que é inevitável. Todavia, verificamos que não têm razão esses conceitos ou preconceitos. De facto, dos 2 milhões de pobres apenas cerca de um terço são desempregados, enquanto os outros cerca de 1,2 milhões são reformados ou têm emprego, sendo em ambos os casos os rendimentos insuficientes.

É certo que há uma percentagem de pessoas que podiam ter mais iniciativa e fazer mais pela vida, mas mesmo assim antes de apontar o dedo justicialista condenatório é indispensável avaliar, caso a caso, as condicionantes de natureza cultural, formativa, psicológica, mental, nervosa, etc. Por mim, considero que se está perante uma pobreza com causas estruturais, cuja responsabilidade maior é do Estado. Honre-se e louve-se o papel fundamental das IPSS, Igrejas, Escuteiros e Associações diversas, que evitam males maiores, mas são impotentes para travar a força da fonte(s) donde emana o caudal dos desventurados.

O ataque à pobreza é premente, exigindo medidas de fundo e políticas integradas, em vez de paliativos pontuais. O elevado nível de pobreza é um grave sintoma da má qualidade da democracia (é urgente melhorá-la) e será um vírus fatal para a democracia e sociedade do futuro. A pobreza é geradora de descrença, marginalidade, insegurança, violência, abandono escolar, agravamento do consumo de drogas e outros vícios, etc.

Em síntese, a pobreza é um terrível mal por resolver, consequência da incapacidade dos poderes públicos e causa dos principais males da sociedade. Ao comemorar-se o Dia Mundial da sua Irradicação, tem que se promover tal objectivo a um DESIGNIO nacional, regional e Concelhio!