3.11.07

HIV e tuberculose, a ligação mortal que ameaça África

Andréia Azevedo Soares, in Jornal Público

A tuberculose e a sida trabalham bem em equipa - juntas são responsáveis por uma "preocupante" epidemia "dois em um" que se está a alastrar por toda a África subsariana. O alerta foi dado ontem por cientistas do Fórum Colaborativo para a Investigação do HIV. "Quase metade dos novos casos de tuberculose na região corresponde a pessoas infectadas pelo HIV", afirmou Veronica Miller, directora deste painel de especialistas, citada pela BBC.

O grupo de investigadores acredita que as autoridades de saúde locais não são capazes de deter o avanço desta dupla epidemia. Assim descrevem o cenário de emergência actual: verifica-se o aumento do número de casos de tuberculose multirresistente (o que quer dizer que as drogas, pelo menos as que circulam no mercado, já não são capazes de matar o bacilo responsável pela doença) precisamente nos locais onde há maior prevalência do vírus HIV.

O pneumologista português Agostinho Marques explicou ao PÚBLICO que a tuberculose em portadores de HIV "é curável", embora o tratamento seja "mais difícil e longo", podendo levar mais de nove meses. Ao contrário dos medicamentos da sida, caros e protegidos por patentes de propriedade intelectual, os fármacos para a tuberculose "são extremamente baratos" e distribuídos com alguma regularidade pelas organizações de ajuda humanitária.

"O problema é que África não dispõe de serviços de saúde organizados que permitam levar um tratamento destes até ao fim. Se não se trata estes doentes, a tuberculose pode provocar a morte em semanas", afirma o director do serviço de pneumologia do Hospital de S. João, no Porto. Calcula-se que aproximadamente 90 por cento dos doentes sucumbem à epidemia dupla, se não forem atempadamente tratados. Ambas as doenças podem ser tratadas simultaneamente, mas, não sendo possível, a tuberculose deve ser a prioridade nos cuidados de saúde.

O vírus HIV destrói gradualmente o sistema imunitário dos seus portadores, abrindo assim caminho para que o bacilo da tuberculose seja fatal. "Muitas pessoas são portadoras do bacilo da tuberculose e curam naturalmente a doença. Quando as suas defesas ficam enfraquecidas pelo HIV, aí sim, podem desenvolver a tuberculose e contagiar outras pessoas", esclarece Agostinho Marques.

O Fórum Colaborativo para a Investigação do HIV estima que 20 por cento da população mundial é portadora do bacilo da tuberculose, sendo que a maior parte jamais desenvolverá a doença. A epidemia da sida, contudo, veio escancarar a porta do organismo humano para agentes patogénicos que, em condições normais, não se revelariam fatais.

No caso africano, estão em causa também as más condições de habitação: "nos bairros pobres, as pessoas vivem amontoadas em cabanas", o que favorece a propagação da doença dentro das famílias e entre aldeias. Numa comunidade da Cidade do Cabo, por exemplo, verificou-se que os menores eram cem vezes mais susceptíveis de desenvolver tuberculose do que as crianças europeias.

90% dos doentes sucumbem à dupla epidemia do HIV e da tuberculose, se não forem tratados a tempo