Por Ana Rute Silva, in Jornal Público
A crise abalou a confiança dos gestores portugueses, que mudaram com a recessão. A crise fez disparar os despedimentos em muitas empresas
Apesar dos impactos da crise financeira, não deixa de ser surpreendente como, em apenas três anos, a percepção dos executivos sobre o tecido empresarial português pode mudar tanto.
De acordo com um estudo da AESE, Escola de Direcção de Negócios, coordenado pelo professor Manuel Dias Ferreira, de 2006 para 2008 a maioria dos inquiridos acreditava que a competitividade das empresas tinha melhorado no mercado interno (a percentagem chegou mesmo a atingir os 42 por cento em 2007). Chegados ao ano da recessão, a opinião muda. Para 35 por cento dos gestores, estamos pior nesta matéria e há apenas 25 por cento de resistentes optimistas.
Quando a pergunta incide sobre a competitividade no mercado externo, a mudança de opinião é ainda maior. Passa-se "de um aumento de optimismo relativamente a 2006 de 28 por cento, para um aumento de pessimismo de 32 por cento", escreve Manuel Dias Ferreira na apresentação do estudo Gestão empresarial em 2009.
Tendo em conta as respostas das mais de três centenas de executivos, o que se pode dizer sobre os gestores portugueses? "São optimistas quando as coisas correm bem e pessimistas quando correm mal. Dito de outra maneira, se as suas empresas estão a ter bons resultados tendem a sobrevalorizar os aspectos internos, que controlam, e portanto a ser optimistas em relação ao futuro. Se os resultados são maus sobrevalorizam os aspectos externos, que não controlam, e daí o pessimismo", responde o professor de Política Comercial e Marketing.
Uma tendência parece ser clara. "Infelizmente, também em tempos difíceis tendem a focar-se no curto prazo", analisa, salientando que, por outro lado, "é verdade que não haverá futuro se não houver presente".
As empresas portuguesas estão mais vulneráveis a recessões globais do que a média internacional, dizem 58 por cento dos inquiridos. Mas nem tudo é negro. Apenas sete por cento consideram que a crise actual é uma séria ameaça à sobrevivência da sua empresa e 50 por cento dizem mesmo que pode ser uma "oportunidade para melhorar a sua posição".
Tal como em 2006, hoje os gestores continuam a achar que o investimento no estrangeiro é insuficiente, sobretudo na China e na Índia. Essa "insuficiência" é também mais notória nos sectores da saúde e no agro-alimentar em África e nos países de Leste e no ensino e cultura na América Latina. Quanto às áreas onde vislumbram um futuro mais promissor, apontam o turismo e a restauração, em oposição às actividades do sector primário (agricultura, pecuária ou indústrias extractivas). "Há uma clara ideia de inevitabilidade de terciarização do país", aponta Manuel Dias Ferreira. O coordenador do estudo salienta que a aposta no Tturismo e na restauração não significa que tenha havido uma "desistência" de áreas como a energia. Contudo, "quer historicamente, quer em qualquer projecção que se faça é o sector com mais futuro, até pelas condições do país, e sobretudo o maior gerador de emprego por euro investido".
Questionados sobre os aspectos que vão ter mais importância no futuro, os gestores deram respostas menos expressivas das de 2006, ano em que a produtividade era identificada por 69 por cento dos indivíduos como fulcral para as empresas. Em 2007, a percentagem caiu para 58 por cento e em 2008-2009 foi de 60 por cento. A Investigação e Desenvolvimento (I&D) também já não tem a mesma importância, hoje, do que em 2007. Ainda assim, são dois dos aspectos mais determinantes para o futuro. Reflexo da crise: o financiamento passa a ser importante para 48 por cento dos inquiridos (em 2006 apenas nove por cento e em 2007, 25 por cento).
Há ainda respostas contraditórias. Ao mesmo tempo que destacam a produtividade e a I&D como aspectos importantes, o número de gestores que incluem na lista das prioridades a qualificação do pessoal diminui (de 59 por cento entre 2006 e 2007, para 42 por cento). Como se explica? "Muito dificilmente. Talvez não seja tanto uma queda da importância da qualificação do pessoal, mas, dado que é uma avaliação relativa, antes uma perda em relação à grande valorização actual do financiamento", sustenta Manuel Dias Ferreira.
No futuro, a comunicação, as relações laborais, a associação com empresas estrangeiras, a responsabilidade social e o meio ambiente terão cada vez menos importância, diz a maioria dos inquiridos.
A desvalorização das relações laborais "é lógica", diz o estudo. "Em Portugal tem havido uma sobrevalorização deste aspecto que agora obviamente vem diminuindo. É muito estranho, no entanto, que a comunicação seja também considerada como de menor importância para o futuro por 59 por cento dos inquiridos", lê-se no documento.
Manuel Dias Ferreira não ficou surpreendido com a generalidade das respostas, mas a "enorme variação da importância do financiamento" deixou-o espantado pela negativa: demonstra "uma vulnerabilidade exagerada em relação aos capitais alheios". Pela positiva, surpreendeu-se "com a convicção da maioria dos empresários de que uma crise pode ser uma oportunidade de clarificação de um sector pelo desaparecimento das empresas mal geridas".


