Por Andrea Cunha Freitas, in Jornal Público
Fernando Araújo não se conforma com o facto de dez por cento da população da Região Norte não ter médico. Ainda são 400 mil utentes
O presidente da Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) defende mais descentralização do poder central para dar mais autonomia de gestão a quem está próximo da população - do Ministério da Saúde para a ARSN e desta para os agrupamentos. Para quem duvida do progresso, Fernando Araújo apresenta números que considera provarem que muita coisa melhorou. Também fala dos problemas. Da falta de recursos, das aposentações, dos médicos que não querem sair da cidade, dos utentes sem médico de família. Mas o futuro também se constrói com projectos. Como o Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), o Hospital Joaquim Urbano e outras mudanças no ordenamento da rede hospitalar.
O que lhe dava mais satisfação conseguir no final deste mandato?
Quero ter todos os utentes da região com médico de família. Esse é o grande objectivo. O segundo era tempos de espera semelhantes a qualquer país europeu, uma média de um mês para uma consulta externa e dois meses para uma cirurgia. Do ponto de vista pessoal, há projectos que envolveram muito esforço que gostaria de ver concretizados como o CMIN e, também em termos de construções novas, os hospitais de Lamego, Amarante e o Centro de Reabilitação do Norte.
Mas ainda temos centros de saúde com pessoas de madrugada à porta, para conseguirem uma consulta...
Não devíamos ter. Apesar de tudo, ainda temos cerca de 10 por cento da população da Região Norte, 400 mil utentes, sem médico de família.
É a pior região do país nessa matéria. Como se resolve isto?
É também a região que tem mais internos em formação. Houve uma aposta muito grande e os especialistas estão a começar a sair. Mas coloca-se o problema das aposentações. Com as novas leis, o número de pedidos de aposentação nestes dois meses de 2010 foi igual ao que tivemos no ano passado. Mais de 80 em Fevereiro, por exemplo.
Há pontos críticos?
Paredes, Penafiel, Amarante, Marco de Canaveses... É uma zona muito complicada. Temos muita dificuldade em convencer colegas a irem para lá.
E a estratégia de sedução que tinha anunciado que consistia em pagar mais a quem aceita sair da cidade?
Já está em prática. Mas mesmo assim muitos preferem não ir.
É um incentivo de que valor?
Cerca de 750 euros. Mas com urgências e horas extras os médicos têm capacidade para ir buscar esse dinheiro, se ficarem na cidade.
Como então podemos acabar com as esperas de madrugada?
Temos de levar projectos para os sítios, por exemplo. Ou seja, criar Unidades de Saúde Familiar.
Isso chega?
Temos feito alguns acordos de prestação de serviços com médicos aposentados também. Mas não é uma coisa que defenda. Porque, independentemente do valor e competência que têm, é importante que as pessoas se sintam parte de um projecto, de um futuro. Não é para fazer lá meia dúzia de horas e consultas. Tínhamos tudo previsto para em 2013 não termos utentes sem médico de família.
Mas...
A questão da aposentação, e das novas regras, veio mudar isto. A ministra e o Governo estarão a reflectir se no caso dos médicos se pode mudar as regras... Vamos ver.
As listas de espera melhoraram?
Melhoraram. Só não baixámos mais porque, à medida que fizemos mais consultas externas, gerámos mais doentes para cirurgia. E ainda vamos aumentar mais.
Esta redução de lista de espera não se deve em muito à cirurgia de ambulatório?
Sem dúvida. A cirurgia convencional até desceu cerca de 15 por cento entre 2006 e 2009, enquanto a cirurgia de ambulatório aumentou 96 por cento. É o resultado de uma mudança de abordagem e da melhor gestão dos próprios blocos.
Há outros problemas a resolver, como o da acessibilidade. Tivemos melhorias nas primeiras consultas. Em 2006 éramos a região com menor acessibilidade. Em 2009 ultrapassámos Lisboa e em 2010, seguramente, iremos ultrapassar o Centro.
As propostas do estudo de reordenamento da rede hospitalar já estão a ser aplicadas?
Estamos a implementar algumas coisas, mas temos de ter cuidado, precaução e equilíbrio, para que as medidas tragam benefícios e sejam articuladas. A população da Maia já passou a ser referenciada para o Hospital de S. João (HSJ). Temos tido reacções muito favoráveis.
Em Gondomar, concelho referenciado para o Hospital Geral de Santo António (HGSA), houve confusão...
Houve queixas sobre a urgência, que estava entupida. Mas isso foi em Outubro-Novembro, que também foi o pico da gripe. Estavam muitos hospitais entupidos. Antes disto, na parte materno-infantil, a maior parte da população de Gondomar já ia ao Centro Hospitalar do Porto (à Maternidade Júlio Dinis e ao Hospital Maria Pia). Nos adultos, mais de um terço já ia ao HGSA.
Foi isso que fundamentou a decisão?
Não só. A urgência do HGSA é a única acreditada a nível hospitalar, é a urgência que tem o índice de satisfação de utentes mais elevado. E a acessibilidade era muito superior, as listas de espera para a consulta externa no HGSA eram cerca de metade das do S. João.
Eram?
Em Fevereiro de 2010, o tempo de espera do CHP está perto de 50 dias e no HSJ está em mais de 90 dias. Esse é um factor importantíssimo.
Então, podia ter sido pior?
Não. Foi o melhor. Gondomar mudou, tem mais acessibilidade a nível de consulta externa e cirurgia, que era o que queríamos. Os números de Janeiro e Fevereiro de 2010 mostram que, com estas mudanças todas, as urgências do HGSA tiveram menos dez doentes por dia do que em 2009. Como o HGSA tem obras e menos espaço, acaba por haver alguma demora. Mas em menos de um mês as obras acabam e os tempos de espera baixam.
Há mais mudanças em curso?
Sim. No Tâmega e Sousa já há mudanças. Em Oliveira de Azeméis foi criado um grupo de trabalho para fazer o programa funcional para o novo hospital.
E no Hospital Joaquim Urbano (HJU)?
Queremos alterar a sua gestão este ano. Também o faremos em Valongo. Queremos ver se os agregamos a hospitais maiores que possam tirar maior partido das suas potencialidades.
O Joaquim Urbano ficará no CHP?
No período de discussão do estudo, a direcção do HJU escreveu-nos a dizer que o hospital preferia ficar sozinho, mas que, a ficar com alguém, preferia ficar unido ao HGSA. A alternativa era o novo hospital de Gaia. Justificou que os doentes eram mais daquela área e com as ligações históricas ao HGSA.
A administração do HJU esperava que isso não acontecesse tão cedo...
Não tenho dúvidas. Mas vamos voltar à discussão. E será em breve. O HJU tem perdido doentes e não é possível cativar novos especialistas, porque o âmbito de actuação é muito limitado. A área das doenças infecciosas precisa de uma urgência. Não pode estar limitado à sida e tuberculose.
Será uma unidade de cuidados continuados para estas patologias?
Diria cuidados diferenciados para patologias específicas que necessitam de internamentos mais longos. O HJU terá um papel regional nas infecciosas, mas precisa de uma gestão diferente.


