Entre 4 e 10 de Abril, Leiria acolhe Semana da Interculturalidade
Sayeeda, Yulyia e Lada são três mulheres que fizeram de Portugal o seu lar. Por acasos do destino e da guerra, escolheram Leiria para morar.
Entre 4 e 10 de Abril, farão parte dos protagonistas da Semana da Interculturalidade, que acontece em vários locais do concelho, com acções como programas de rádio, exposições e a campanha de sensibilização “O discurso do ódio não é argumento”.
Quando Sayeeda Nayibi chegou a Portugal, em Novembro de 2021, diz que constatou a existência de várias semelhanças com a terra-natal. Vinda de Cabul, no Afeganistão, a jovem de 28 anos encontrou um refúgio em Leiria e aponta a natureza e as “pessoas hospitaleiras, gentis e acolhedoras”.
“São ambas nações antigas, porém, a maior diferença é que os portugueses valorizam as artes. Mas, no Afeganistão, antes da chegada dos talibãs, quando alguém queria trabalhar no cinema, no teatro ou na música, desmotivavam-no, especialmente, se fosse mulher. Agora, com os talibãs, nem podemos sair de casa. As mulheres apenas podem casar e ter filhos.”
A jovem trabalhava num projecto do Migration Policy Centre, da União Europeia, que ajudou 3.500 mulheres afegãs a trabalhar e a entrar em órgãos de governo local.
Quando os talibãs chegaram para “purificar” o país em nome de uma interpretação enviesada do Islão, pessoas com cargos em instituições estrangeiras foram das primeiras a serem perseguidas.
Sayeeda deixou tudo para trás, até três irmãos que tenta, diariamente, ajudar a sair do Afeganistão.
Lada e Yuliya afirmam que Portugal e Ucrânia partilham os mesmos valores universais
"O oceano não é como o Mar Negro"
Já Yuliya Hryhoryeva chegou a Leiria há quase 20 anos, vinda de Lviv, na Ucrânia, e diz que o maior choque foi perceber que, afinal, o país e as pessoas eram semelhantes ao que deixara para trás.
O marido, engenheiro electrónico, tinha intenção de emigrar para os EUA, mas acabou por se fixar na região e, pouco tempo depois, a mulher e os filhos seguiram-lhe os passos.
“Era tudo quase igual. A grande diferença é que o oceano não é como o Mar Negro. É mais veloz e tem mais ondas. Como povos, somos mais parecidos do que pensamos. Até comemos as mesmas coisas ao pequeno-almoço! A diferença é a língua!”, diz, de sorriso franco.
O nome e a língua dos heróis
Para que os filhos dos imigrantes ucranianos aprendam a língua dos pais e o seu legado cultural, a cuidadora criou, em 2007, um projecto na Escola Amarela, em Leiria, onde os mais novos tinham aulas de ucraniano. A pandemia complicou a missão, mas Yuliya Hryhoryeva está optimista e pretende recomeçar as aulas, para ensinar aos filhos dos imigrantes, que já nasceram em Portugal, o nome e a língua dos heróis ucranianos
Salienta que os valores humanos são universais. “Encontra-se inveja e bondade em todo o mundo.” E Yuliya esforça-se para ajudar o próximo. É cuidadora e, como porta- -voz da comunidade ucraniana em Leiria, tem ajudado no esforço de apoio à população da Ucrânia, na sequência da invasão da Rússia. Para explicar o seu sentimento e o de muitos conterrâneos sobre Portugal, recita Dois Amores, da poetisa Maria Ozeryanska.
Dois Amores "Tenho dois amores no meu coração; A minha Ucrânia e o vosso Portugal; As duas línguas tão diferentes, na minha, viter [вітер], na vossa, vento; O abraço dele é tão igual, como na minha Ucrânia, aqui em Portugal; Pelos vistos, não somos tão diferentes, ambos temos corações bastantes quentes; As nossas vidas vão continuar; Na minha Ucrânia e no vosso Portugal"
Maria Ozeryanska
"Portugueses gostam de aproveitar a vida e de sorrir, tal como os ucranianos"
Ao seu lado, está Lada Sydorenko, que é natural de Donetsk e chegou há oito anos. É também voluntária no esforço de apoio à Ucrânia. “A mentalidade aqui e na Ucrânia, são semelhantes. Não é como a alemã, francesa ou espanhola.”
O que achou mais curioso foram os dias da semana, todos terminados em “feira”.... “E depois sábado e domingo! Os portugueses gostam de aproveitar a vida e de sorrir, tal como os ucranianos.”
Em tempos difíceis, assegura esta mestre em Psicologia e Gestalt-terapeuta, há também muito carinho. E Lada sentiu-o recentemente, quando, há dez dias, os filhos chegaram da Ucrânia e foram acolhidos “com amor”.
Deixei três irmãos para trás, mas quero tirá-los do Afeganistão
Sayeeda Nayibi saiu de Cabul, no Afeganistão em Outubro, quando os talibãs tomaram o poder no país, após uma caótica e acelerada saída das forças norte-americanas que deixou até os aliados da NATO para trás.
Durante 20 anos, os EUA tentaram, e falharam, a criação de um Estado sólido que garantisse direitos aos cidadãos e liberdade às mulheres.
A jovem refugiada explica, em inglês, que trabalhava num projecto do Migration Policy Centre (MPC), agência da União Europeia que ajudou 3500 mulheres afegãs a trabalhar e a entrar em órgãos de governo local.
Porque pessoas como ela, com cargos semelhantes em instituições estrangeiras, foram das primeiras a serem perseguidas até à morte pelos talibãs, foram também das primeiras a sair da capital do Afeganistão.
Após uma passagem pelo Paquistão, Sayeeda, os pais, um irmão e três irmãs menores, chegaram a Lisboa, sob o estatuto de refugiados da UE. Há dois meses fez de Leiria a sua nova casa, mas, em Cabul, deixou tudo. A casa, os amigos, a carreira e a família.
Para trás, ficaram um irmão, activista dos Direitos Humanos, e duas irmãs, uma delas, jornalista. Como eram maiores, não puderam usufruir do apoio da agência da UE e acompanhar Sayeeda.
"As minhas irmãs estão proibidas de sair do país porque as mulheres têm de ser acompanhadas por um homem. Nem podem trabalhar. Estão fechados em casa, devido às ameaças que enfrentam", explica.
A jovem adianta que está a fazer o possível para conseguir reunir a família. Diz que só precisa de vistos e autorizações de permanência para eles e que não precisa de ajuda monetária do Governo de Portugal para os resgatar.
"Ontem, consegui falar com uma das minhas irmãs e ela contou-me que os talibãs foram a casa a querer saber por que razão vivia sozinha, onde estavam os pais e por que não se casava."
Entretanto, Sayeeda está à procura de um emprego, na área do apoio humanitário, onde a língua portuguesa não seja uma barreira. Se conseguir, acredita que poderá ajudar mais facilmente os irmãos e restante família.
"Quero continuar a trabalhar e terminar os meus estudos. Estava a iniciar um mestrado em Gestão e Liderança, na universidade, em Cabul".
Espera poder voltar a Cabul, quando o país estiver livre do domínio talibã, e ajudar mulheres e jovens raparigas a conhecer os seus direitos e a trabalhar.
"Tenho a esperança de que, um dia, o Afeganistão seja um país seguro como Portugal. Quando os talibãs não estavam no poder, apesar de todas as dificuldades e imposições da sociedade e mesmo da família, comecei a trabalhar e a estudar."
E a tarefa não era fácil. O acto de, sendo mulher, ir de casa para o trabalho era já um risco. "As pessoas olhavam e apontavam-nos. Aqui em Portugal, as pessoas podem fazer e trabalhar onde quiserem."
Agora, a jovem refugiada pondera escrever um relato daquilo que viveu. Avalia se deverá manter um registo online ou se deve colocar tudo em papel. Já escreveu alguns episódios no computador.
Esclarece ser também uma forma de lidar contra a ansiedade e com a preocupação com a família, amigos e mesmo com os colegas do MPC, que ficaram, perseguidos e sem forma de subsistir. "Espero também conseguir ajudá-los de alguma forma", diz, de olhos grandes, enormes, de quem já passou por muito, apesar da jovem idade.
DESCARREGUE AQUI O PROGRAMA DA SEMANA DA INTERCULTURALIDADE
O JORNAL DE LEIRIA, parceiro da iniciativa, ouviu os seus relatos e descrições das primeiras impressões de Portugal, no âmbito desta semana organizada pela EAPN Portugal, Alto Comissariado para as Migrações e autarquia de Leiria.
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"O oceano não é como o Mar Negro"
Já Yuliya Hryhoryeva chegou a Leiria há quase 20 anos, vinda de Lviv, na Ucrânia, e diz que o maior choque foi perceber que, afinal, o país e as pessoas eram semelhantes ao que deixara para trás.
O marido, engenheiro electrónico, tinha intenção de emigrar para os EUA, mas acabou por se fixar na região e, pouco tempo depois, a mulher e os filhos seguiram-lhe os passos.
“Era tudo quase igual. A grande diferença é que o oceano não é como o Mar Negro. É mais veloz e tem mais ondas. Como povos, somos mais parecidos do que pensamos. Até comemos as mesmas coisas ao pequeno-almoço! A diferença é a língua!”, diz, de sorriso franco.
O nome e a língua dos heróis
Para que os filhos dos imigrantes ucranianos aprendam a língua dos pais e o seu legado cultural, a cuidadora criou, em 2007, um projecto na Escola Amarela, em Leiria, onde os mais novos tinham aulas de ucraniano. A pandemia complicou a missão, mas Yuliya Hryhoryeva está optimista e pretende recomeçar as aulas, para ensinar aos filhos dos imigrantes, que já nasceram em Portugal, o nome e a língua dos heróis ucranianos
Salienta que os valores humanos são universais. “Encontra-se inveja e bondade em todo o mundo.” E Yuliya esforça-se para ajudar o próximo. É cuidadora e, como porta- -voz da comunidade ucraniana em Leiria, tem ajudado no esforço de apoio à população da Ucrânia, na sequência da invasão da Rússia. Para explicar o seu sentimento e o de muitos conterrâneos sobre Portugal, recita Dois Amores, da poetisa Maria Ozeryanska.
Dois Amores "Tenho dois amores no meu coração; A minha Ucrânia e o vosso Portugal; As duas línguas tão diferentes, na minha, viter [вітер], na vossa, vento; O abraço dele é tão igual, como na minha Ucrânia, aqui em Portugal; Pelos vistos, não somos tão diferentes, ambos temos corações bastantes quentes; As nossas vidas vão continuar; Na minha Ucrânia e no vosso Portugal"
Maria Ozeryanska
"Portugueses gostam de aproveitar a vida e de sorrir, tal como os ucranianos"
Ao seu lado, está Lada Sydorenko, que é natural de Donetsk e chegou há oito anos. É também voluntária no esforço de apoio à Ucrânia. “A mentalidade aqui e na Ucrânia, são semelhantes. Não é como a alemã, francesa ou espanhola.”
O que achou mais curioso foram os dias da semana, todos terminados em “feira”.... “E depois sábado e domingo! Os portugueses gostam de aproveitar a vida e de sorrir, tal como os ucranianos.”
Em tempos difíceis, assegura esta mestre em Psicologia e Gestalt-terapeuta, há também muito carinho. E Lada sentiu-o recentemente, quando, há dez dias, os filhos chegaram da Ucrânia e foram acolhidos “com amor”.
Deixei três irmãos para trás, mas quero tirá-los do Afeganistão
Sayeeda Nayibi saiu de Cabul, no Afeganistão em Outubro, quando os talibãs tomaram o poder no país, após uma caótica e acelerada saída das forças norte-americanas que deixou até os aliados da NATO para trás.
Durante 20 anos, os EUA tentaram, e falharam, a criação de um Estado sólido que garantisse direitos aos cidadãos e liberdade às mulheres.
A jovem refugiada explica, em inglês, que trabalhava num projecto do Migration Policy Centre (MPC), agência da União Europeia que ajudou 3500 mulheres afegãs a trabalhar e a entrar em órgãos de governo local.
Porque pessoas como ela, com cargos semelhantes em instituições estrangeiras, foram das primeiras a serem perseguidas até à morte pelos talibãs, foram também das primeiras a sair da capital do Afeganistão.
Após uma passagem pelo Paquistão, Sayeeda, os pais, um irmão e três irmãs menores, chegaram a Lisboa, sob o estatuto de refugiados da UE. Há dois meses fez de Leiria a sua nova casa, mas, em Cabul, deixou tudo. A casa, os amigos, a carreira e a família.
Para trás, ficaram um irmão, activista dos Direitos Humanos, e duas irmãs, uma delas, jornalista. Como eram maiores, não puderam usufruir do apoio da agência da UE e acompanhar Sayeeda.
"As minhas irmãs estão proibidas de sair do país porque as mulheres têm de ser acompanhadas por um homem. Nem podem trabalhar. Estão fechados em casa, devido às ameaças que enfrentam", explica.
A jovem adianta que está a fazer o possível para conseguir reunir a família. Diz que só precisa de vistos e autorizações de permanência para eles e que não precisa de ajuda monetária do Governo de Portugal para os resgatar.
"Ontem, consegui falar com uma das minhas irmãs e ela contou-me que os talibãs foram a casa a querer saber por que razão vivia sozinha, onde estavam os pais e por que não se casava."
Entretanto, Sayeeda está à procura de um emprego, na área do apoio humanitário, onde a língua portuguesa não seja uma barreira. Se conseguir, acredita que poderá ajudar mais facilmente os irmãos e restante família.
"Quero continuar a trabalhar e terminar os meus estudos. Estava a iniciar um mestrado em Gestão e Liderança, na universidade, em Cabul".
Espera poder voltar a Cabul, quando o país estiver livre do domínio talibã, e ajudar mulheres e jovens raparigas a conhecer os seus direitos e a trabalhar.
"Tenho a esperança de que, um dia, o Afeganistão seja um país seguro como Portugal. Quando os talibãs não estavam no poder, apesar de todas as dificuldades e imposições da sociedade e mesmo da família, comecei a trabalhar e a estudar."
E a tarefa não era fácil. O acto de, sendo mulher, ir de casa para o trabalho era já um risco. "As pessoas olhavam e apontavam-nos. Aqui em Portugal, as pessoas podem fazer e trabalhar onde quiserem."
Agora, a jovem refugiada pondera escrever um relato daquilo que viveu. Avalia se deverá manter um registo online ou se deve colocar tudo em papel. Já escreveu alguns episódios no computador.
Esclarece ser também uma forma de lidar contra a ansiedade e com a preocupação com a família, amigos e mesmo com os colegas do MPC, que ficaram, perseguidos e sem forma de subsistir. "Espero também conseguir ajudá-los de alguma forma", diz, de olhos grandes, enormes, de quem já passou por muito, apesar da jovem idade.
DESCARREGUE AQUI O PROGRAMA DA SEMANA DA INTERCULTURALIDADE
O JORNAL DE LEIRIA, parceiro da iniciativa, ouviu os seus relatos e descrições das primeiras impressões de Portugal, no âmbito desta semana organizada pela EAPN Portugal, Alto Comissariado para as Migrações e autarquia de Leiria.
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