Catarina Gomes, in Jornal Público
Inquérito do Instituto da Droga e Toxidependência mostra que metade dos consumidores nunca fizeram teste para o HIV. Maioria tem familiares que também consomem drogas
Quase 40 por cento dos toxicodependentes em situação de marginalização, que consomem droga há pelo menos dez anos, nunca fizeram tratamento, constatou um estudo de caracterização do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) que analisou uma amostra desta população que é acompanhada por equipas de rua de todo o país.
Dezanove das 26 equipas financiadas pelo IDT para dar apoio a toxicodependentes em situação de marginalização ajudaram a traçar um retrato parcial das cerca de 14 a 15 mil pessoas com quem as equipas contactam no espaço de um ano. O estudo é deste ano, mas a fotografia foi tirada com dados de 2004 e toma como amostra 1216 consumidores problemáticos.
Os dados analisados, a que o PÚBLICO teve acesso, demonstram que são 37 por cento os que nunca fizeram tratamento para deixar a dependência. Tal não implica que não tenham tentado, na maioria das vezes por sua conta e risco, desabituações (88,9 por cento já o fizeram). A responsável pelo Núcleo de Redução de Danos do IDT, Paula Andrade, explica que a maioria tenta esta primeira fase de desabituação física, que no caso da heroína dura de sete a dez dias, mas muitos não passam ao tratamento. Estas tentativas são, na maioria, feitas em casa (62,4 por cento), nalguns casos com ajuda de medicação prescrita, por exemplo, pelo médico de família.
Os que foram além deste primeiro passo e optaram pelo tratamento pelo menos uma vez na vida são 62,9 por cento da amostra analisada; a grande maioria recorreu a um Centro de Atendimento a Toxicodependentes, logo seguido de comunidades terapêuticas e do hospital. Neste universo, a maioria tentou de uma a três vezes deixar a dependência.
A redução dos riscos de contágio de doenças é um dos objectivos das equipas de rua, que também têm como função encaminhar para rastreio e tratamento de enfermidades. O estudo constata que 33 por cento já partilharam algum tipo de material de consumo, na maioria pedido emprestado ou, em menos situações, encontrado na rua. Entre os que partilham, o recipiente ou colher é o material mais partilhado, logo seguido da seringa.
Outra prática de risco é a relação sexual desprotegida - de entre os 63 por cento que têm parceiro, cerca de metade pratica sexo sem protecção. Apesar da exposição a riscos, constata-se que quase metade nunca foram rastreados para o HIV (48,8 por cento) e para a hepatite B (55,3 por cento) e C (46,4 por cento). Apenas 35,7 por cento dos utentes foram rastreados para a tuberculose. De entre os utentes rastreados, a doença mais frequente é a hepatite C, com 65,3 por cento dos utentes a ter diagnóstico positivo, seguido do HIV, com 38,1 por cento.
Confirmando que a via injectada traz muito mais riscos de infecção do que a via fumada, o estudo constata que, entre os consumidores que foram rastreados, os que fumam heroína estão menos afectados pelo HIV: 41,1 por cento, em contraste com 88,8 por cento de seropositivos entre os consumidores da substância por via endovenosa.
As 26 equipas de rua financiadas pelo IDT contactam com uma média de 14 a 15 mil consumidores por ano.