Andreia Sanches, in Jornal Público
Famílias de diferentes países debatem em Lisboa o acesso aos serviços que trabalham com pessoas com deficiência
Tinha três anos de idade e tardava em falar. Os pais começaram a ficar preocupados. A pediatra fazia exames, mas não havia respostas. No infantário alguém dava, entretanto, o alerta. "A coordenadora do colégio disse-nos: "Acho que há alguma coisa com este menino e que ele deve ser avaliado"", conta Maria João Ferreira, mãe de Humberto. E uma equipa de um Serviço de Intervenção Precoce, em Mira Sintra, entrou em cena. Apesar de não haver um diagnóstico definitivo, técnicos e infantário traçaram uma estratégia para trabalhar com o menino. "Foi crucial."
Maria João recorda esses tempos: "Nenhum pai está preparado." O diagnóstico mais conclusivo só surgiu cerca de um ano depois. "Disseram-nos que ele era autista."
"Se não se tivesse entretanto iniciado um trabalho com ele, tínhamos perdido mais de um ano, o que nestes casos pode fazer muita diferença", explica Maria João. Foi a primeira de muitas coisas que correram bem. "Ao longo desse tempo, uma vez por semana, assistíamos ao trabalho dos técnicos com o Humberto e aprendíamos. Creio que esse ano foi fundamental, por exemplo, para que ele chegasse ao 1.º ciclo, como chegou, e conseguisse manter-se na sala de aula."
Na quinta-feira tem início em Lisboa a conferência internacional Walking with families. Famílias de vários países vão falar da relação que têm com os serviços que trabalham com as pessoas com deficiência e de como o seu envolvimento contribui para respostas mais adequadas. Maria João falará de Humberto.
O menino tem hoje 12 anos, gosta de Geografia, é escuteiro, costuma acampar com os colegas, escreve sem erros. Para ele é essencial saber o que é suposto fazer e a escola aprendeu a lidar com isso. Até em coisas tão simples como isto: basta que o professor escreva sempre no quadro o sumário do que vai ser ensinado para que ele se sinta mais tranquilo.
Técnicos cinco estrelas
Este ano, Humberto entrou para o 5.º ano e estranhou a mudança - "são muitas disciplinas, vários professores" -, mas a escola voltou a chamar a família e a procurar respostas. Humberto passou a frequentar só metade das disciplinas. "Tenho-me cruzado com técnicos que são cinco estrelas, mesmo com educadores e professores do ensino público normal, que não têm formação específica nenhuma, mas que têm uma grande capacidade de investir nestas crianças e de as abraçar como seus alunos. Acho que tivemos sorte."
Mas não foi só isso. Os pais de Humberto - Maria João, farmacêutica, e Humberto Ferreira, docente universitário - mergulharam num tema que até então não dominavam, pesquisaram, procuraram respostas. Quando chegou a altura de Humberto entrar no 1.º ciclo, tinham ouvido falar de uma metodologia que já era aplicada com sucesso nalgumas escolas - as salas TEACCH, uma espécie de salas de retaguarda para acompanhamento de alunos autistas.
"Fiz telefonemas para o Ministério da Educação, procurei saber que escola teria condições para ter este tipo de salas... a Escola Básica n.º 1 de Algés abriu as portas." Seis crianças autistas beneficiaram. Já na associação de pais, Maria João escreveu a mecenas, pediu apoios. "Conseguimos material tão bom que os alunos do ensino regular passaram também a usufruir dele."
Daí o repto de Maria João aos pais de crianças com deficiência mental: "Envolvam-se. Tentem pôr-se ao lado de quem está a trabalhar com as crianças dizendo: "Tenho uma criança com necessidades educativas especiais, o que posso fazer, como posso ajudar?"" E tentem ser a ponte entre os diferentes serviços, porque isto só resulta se houver parcerias.
Não é fácil, reconhece, num país onde "ainda não há a cultura de os pais irem à escola e a escola chamar os pais". Mas é possível.