25.7.11

'Pode a sopa ter IVA igual às jóias?'

por Ana Serafim, in Sol

Com as questões fiscais no topo da atenção – sobretudo as taxas de IVA da restauração, que o Governo já deu sinais de querer subir de 13% para 23% – o secretário-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), José Manuel Esteves, traça o retrato de um sector que vive em dificuldades.

Como espera que seja 2011?
A restauração vai ter o pior ano de sempre em 2011. Já 2010, foi o pior dos últimos 80. E a expectativa é que 2012 ainda seja pior.

É um cenário negro.
Os rumores de que o Governo se prepara para mexer na taxa do IVA da restauração estão a deixar-nos em pânico. Se avançarem há, desde logo, uma questão moral e ética: como é que uma sopa ou uma sandes podem ter o mesmo IVA do que um carro de alta cilindrada, um iate ou uma jóia? É impensável. Pelo contrário, precisamos urgentemente que se entre em concorrência com os 8% espanhóis. Se o IVA subir, as falências serão em catadupa, sobretudo na restauração. E na hotelaria também é impensável. Seria matar a galinha dos ovos de ouro porque o turismo lidera as exportações. Em 2010, o investimento da hotelaria desacelerou. E na restauração houve quebras entre 20 a 30% dependendo do subsector.

Quais foram os subsectores mais afectados?
A alta restauração, contrariamente ao que se pensa, quando se diz que nesta altura são os extremos que estão a sobreviver. A restauração rápida [fast food] atravessou 2010 com alguma estabilidade, mas também já está em queda. O turismo é líder das exportações e tem capacidade para continuar a sê-lo, mas é preciso mudar alguns paradigmas.

Quais?
As Pequenas e Médias Empresas [PME] têm de ser abordadas com outra filosofia. O sector da restauração tem maioritariamente micro-empresas, muito silenciosas nas suas dificuldades. Encerram sem ninguém as ouvir e é preocupante porque são empresas familiares, ou seja, ficam todos no desemprego. Quando o micro-empresário fecha a porta, não tem nenhum apoio. Só na área da restauração foram mais de 4.000 a encerrar em 2010. Por dia, fecharam mais de dez, segundo o INE, mas estimamos que os números sejam maiores.

Por isso criaram um gabinete de crise?
Sim. Apoia esses empresários, ajudando-os a sobreviver. Ou aconselhando-lhes sobre o melhor caminho para cessarem a sua actividade. Desde a entrada em vigor do euro, em Janeiro de 2002, a restauração só aumentou preços de venda, cumulativamente, em 6,5%. Por comparação, enfrentámos, neste período, aumentos de salários de 30% e inflações dessa grandeza, ou seja, mantivemos a competitividade do nosso produto turístico à custa do esmagamento dos preços de venda, diminuindo margens. Os empresários chegam ao limite das suas resistências, empenhando até bens pessoais.

Já afirmou que há empresários que penhoraram carros e casas.
A maioria das micro-empresas vive essa desgraça social, porque são menos preparadas e a cultura portuguesa não ajuda. Em Portugal devia perceber-se, tal como nos EUA, que falir não é uma vergonha e significa gerir correctamente o negócio, diagnosticar e verificar que não está a resultar, fechar e partir para outra. Na cultura norte-americana, um empresário que encerre um projecto é apoiado imediatamente para recomeçar. Reconhece-se que esse empresário tem vantagens competitivas pela experiência das dificuldades. Mas em Portugal, quem abre falência é visto como incapaz e um micro-empresário não se atreve. Isso tem de mudar.

O sector vai ter de subir preços? Já deu o exemplo do café.
Vai, mas é aí que estamos numa camisa com mais de onze varas. É a fiscalidade, é a pressão das matérias-primas, a energia, a inflação, tudo num mercado a perder capacidade de compra diariamente. Não podemos subir preços de venda, porque se o fizermos não temos comprador. Temos de continuar a resistir. Em Portugal, os preços de venda são 19% inferiores à média europeia e 14% abaixo dos espanhóis, segundo o Eurostat. E ainda há os custos de empregabilidade. Assistimos a esta falência da oferta de emprego no país porque a legislação retém o velho trabalhador na empresa, não gerando a competitividade, nem a qualificação dos recursos humanos. Se houvesse maior mobilidade havia concorrência no mercado de trabalho.

O que pode ser feito?
Apresentámos ao Governo uma proposta para criar 40 mil postos de trabalho no curto prazo, pedindo contrapartidas. Por exemplo, que deixem que o nosso IVA seja competitivo. Na Irlanda, que também atravessa um mau momento, baixou-se a taxa intermédia do IVA da restauração para a taxa mínima. E sugerimos aumentar as receitas fiscais com a introdução dos índices técnico-científicos, o fim do IRC para as micro e pequenas empresas e o fim do pagamento especial por conta. Se houvesse um aumento do IVA, as receitas fiscais específicas iam cair porque antes de fecharem a porta e despedir, os empresários entrariam em incumprimento fiscal. É aí que surge a nossa proposta da criação dos índices, onde só poderão funcionar as empresas que os cumpram rigorosamente.

Em que consistem?
Estes índices dizem que, em função de determinados factores – como a área do estabelecimento, número de postos de trabalho, a factura da electricidade, o número de lugares ou de camas num hotel – estabelece-se um rácio que todas as empresas abertas têm de pagar, quer ganhem muito ou pouco. Baixamos as taxas de fiscalidade em sede de pagamento especial por conta e de IRC para todas as empresas, mas o fisco tem maior receita fiscal.

Este é um sector muito acusado de fuga ao fisco.
Injustamente. Estão os cumpridores a pagar pela má imagem gerada pelos que estão a chegar. Este é um sector com oito vezes mais de rotatividade de empresas. Há quem abra um estabelecimento e ao fim de seis meses, quando percebem que têm de trabalhar sete dias por semana, 18 horas por dia, fecham. Estas entidades dão uma grande volatilidade à nossa oferta e geram concorrência desleal porque quase não chegam a entrar no sistema legal. Mas a AHRESP tem códigos de boas práticas fiscais e, com os seus associados, lançou a campanha ‘Peça a Factura’.