7.10.20

Construção resistiu e limitou dimensão da recessão este ano

Sérgio Aníbal, in Público on-line

Nas primeiras previsões apresentadas por Mário Centeno, o Banco de Portugal aproximou as suas estimativas para a economia portuguesa das que estão a ser feitas pelo Governo.

A forma como o investimento, principalmente aquele que está relacionado com a construção, resistiu à crise surpreendeu o Banco de Portugal, que, nesta terça-feira, nas primeiras projecções realizadas com Mário Centeno na liderança, reviu em alta a sua estimativa para a variação do PIB.

A queda do PIB em 2020 continua a ser histórica, mas, mesmo assim, em vez dos 9,5% previstos em Junho, o banco central antecipa uma diminuição de 8,1%, em linha com o resto da zona euro.

Como explicou Mário Centeno na conferência de imprensa de apresentação do boletim económico de Outubro – uma novidade trazida pelo novo governador, já que com Carlos Costa as previsões do Banco de Portugal não eram acompanhadas por declarações públicas dos seus responsáveis –, a revisão em alta da projecção para a economia deve-se essencialmente “a um segundo trimestre substancialmente melhor do que estava previsto”.

Usar a palavra “melhor” para caracterizar aquele que foi o trimestre com o pior resultado de sempre para a economia portuguesa pode parecer estranho, mas a verdade é que a contracção do PIB histórica de 16,3% face ao período homólogo acabou por ficar aquém daquilo que a uma certa altura se esperava, e que era uma queda que poderia ultrapassar a barreira dos 20%.

Uma surpresa positiva no meio de um cenário muito negativo e que aconteceu, assinala o Banco de Portugal, devido a um comportamento mais resiliente da generalidade dos indicadores, mas com um claramente a destacar-se: o investimento. É verdade que o investimento registou uma quebra na primeira metade do ano, no entanto a variação negativa registada – 6,4% em termos homólogos – ficou muito abaixo daquilo que o Banco de Portugal previa para o total do ano, que era uma queda de 11,1%.

Isto aconteceu porque na construção o investimento parece não ter sido afectado pela pandemia e continuou a crescer, registando uma variação de 0,3% no primeiro semestre e mesmo uma aceleração no segundo trimestre, no auge do confinamento.

O Banco de Portugal assinala que este desempenho positivo do sector da construção e em particular do investimento aí realizado contrasta com aquilo que aconteceu “em vários países da área do euro, onde o sector foi muito afectado pela pandemia”. “Para esta evolução diferenciada contribuiu o facto de as medidas do estado de emergência em Portugal não terem imposto a suspensão de obras”, explica a autoridade monetária.

Contas feitas, em vez da previsão de queda do investimento de 11,1% em 2020 que tinha em Junho, o Banco de Portugal espera agora uma contracção de “apenas” 4,7%.

Nos outros indicadores, as revisões em alta, embora menos acentuadas, também foram significativas: a previsão de queda do consumo privado passou de 8,9% para 6,2% e a estimativa de variação negativa das exportações deixou de ser de 25,3% para passar a ser de 19,5%.


Tudo junto, o PIB cairá 8,1% em vez dos 9,5% antes previstos e a taxa de desemprego, que o Banco de Portugal antes previa poder ultrapassar os 10,1%, ficará nos 7,5%, estima agora a autoridade monetária.

Antes ministro, agora governador

Com a sua nova previsão de contracção do PIB em 2020 de 8,1%, o Banco de Portugal aproxima-se de forma clara daquilo que o Governo está a antecipar para a economia.

Até agora, a diferença das previsões dos dois órgãos era grande: recessão de 9,5%, dizia o Banco de Portugal, 7%, dizia o Governo. Mas nesta terça-feira, ao mesmo tempo que o Banco de Portugal revelou o seu menor pessimismo, o executivo caminhou no sentido contrário, assumindo que a queda do PIB este ano poderá afinal rondar os 8%, sendo que para 2021 a expectativa é a de um crescimento de 5,5%.

Para o próximo ano, o Banco de Portugal não apresentou, neste boletim, novas previsões. Ainda assim, Centeno mostrou alguma confiança em relação à capacidade da economia portuguesa em garantir uma retoma relativamente rápida. O governador assinalou que, “à queda abrupta, seguiu-se uma recuperação quase imediata”, e esteve perto de caracterizar a evolução da economia como um V. “Não arrisco dizer que a recuperação é em V porque ainda há uma grande incerteza”, disse, acrescentando contudo que a forma como resistiu o investimento “diz muito da confiança e da forma como podemos projectar a evolução da economia nos próximos trimestres”.

Esta aproximação de previsões entre Governo e Banco de Portugal, ocorrida na primeira vez em que Mário Centeno (até Junho ministro das Finanças) é o responsável máximo pelas projecções do banco central, foi um dos temas em que o agora governador se viu forçado, esta terça-feira, a pronunciar sobre matérias em que desempenhou um papel importante como ministro das Finanças.

Na conferência de imprensa de apresentação do boletim, Mário Centeno começou por, na sua intervenção inicial, usar a primeira pessoa do plural para descrever as medidas tomadas em Portugal no início da crise (quando era ministro das Finanças) para limitar os danos na economia e no mercado de trabalho. E depois, em relação à melhoria das previsões, sentiu necessidade de garantir que “a avaliação agora feita à economia é congruente com a avaliação que o Banco de Portugal fez ao longo dos últimos meses e anos”.

Já no que diz respeito à condução das finanças públicas em vésperas de apresentação pelo Governo da proposta de OE2021, Mário Centeno tentou não dizer muito, socorrendo-se de uma citação de Mario Draghi para defender que, nesta fase, uma subida da dívida pública não representa só por si uma política errada. “Mesmo os níveis de dívida mais elevados são sustentáveis, se tomarmos as decisões de consumo e investimento certas”, disse.

Ainda assim, Mário Centeno ainda arriscou deixar alguns conselhos ao Governo, que abandonou há poucos meses. Em relação às medidas anticrise, disse que “é necessário manter o foco na protecção do emprego e começar a ter um foco na criação de novo emprego”. E no que diz respeito ao Novo Banco, alertou que “todas as decisões que ponham em causa a estabilidade do sistema financeiro são de evitar”, defendendo que, por isso, deve ser acautelado “o cumprimento das obrigações que o Estado português assumiu em nome da estabilidade financeira”.