19.11.21

Aumentos maiores na função pública só se inflação disparar para 3%

Sérgio Aníbal e Raquel Martins, in Público on-line

Governo vai prever um mecanismo que proteja os salário de desvios significativo na inflação, mas sindicatos dizem que é insuficiente e que o resultado é “estagnação salarial”.

O Governo vai prever, no diploma que determina os aumentos da função pública para 2022, um mecanismo de correcção para responder a eventuais desvios da inflação e garantir que os funcionários públicos mantêm o poder de compra face a este ano. Porém, e tendo em conta as premissas avançadas pelo Governo, só se a inflação homóloga de Novembro disparar para 3% é que haverá aumentos acima de 0,9%.

A forma como este mecanismo de salvaguarda se irá aplicar foi explicada na quarta-feira ao final do dia pela ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão. “Se, à data da aprovação do diploma [relativo à actualização salarial], que será posterior a 30 de Novembro, a inflação média anual dos últimos doze meses, calculada a 30 de Novembro, for superior àquela que conduz à actualização dos 0,9%, o Governo acompanhará esse aumento”, afirmou, citada pela Lusa.

Há, contudo, uma ressalva. Segundo a ministra, a proposta de 0,9% foi calculada “subtraindo da inflação expectável nos 12 meses os 0,1% de deflação que se verificaram em 2020”. Essa lógica vai manter-se, o que significa que ao valor da inflação anual apurada no final de Novembro será descontado 0,1%.

No final de Outubro, a taxa de inflação média dos últimos doze meses encontrava-se, de acordo com os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, em 0,9%. No entanto, basta que a inflação homóloga do mês de Novembro permaneça em 1,8% (valor registado em Outubro) e a taxa de inflação média subirá, no final desse mês, para 1%. Para chegar aos 1,1%, seria necessário que a inflação homóloga de Novembro disparasse para 3%.

No entanto, a probabilidade de a inflação média ser superior a 1% no total de 2021 é bastante mais elevada. Basta que que a taxa de inflação homóloga se mantenha em 1,8% em Novembro e Dezembro para que tal aconteça. O problema, neste caso, é que esses valores apenas serão oficiais no final do mês de Dezembro e, pelas declarações de Alexandra Leitão, o mês a ter em conta será o de Novembro.

Na prática, isto significa que, para que os funcionários públicos tenham um aumento acima do que foi anunciado, será preciso que a inflação do mês de Novembro fique muito acima do que foi registado em Outubro, permitindo que a inflação média anual chega a 1,1%. Descontando a este valor os 0,1%, o aumento salarial seria de 1%.

Uma subida de 0,9% num salário de 703 euros (a primeira posição remuneratória da carreira de assistente técnico e a quinta posição da carreira de assistente operacional) traduz-se em mais 6,3 euros por mês. Se o aumento fosse de 1%, os trabalhadores passariam a receber mais sete euros por mês, ou seja, setenta cêntimos de diferença.

Seja qual for o aumento, ele será aplicado a todos os salários, e os que ficarem abaixo do valor do salário mínimo terão um ajustamento para chegarem aos 705 euros mensais.

O PÚBLICO questionou o gabinete de Alexandra Leitão sobre a forma como o aumento de 0,9% foi apurado, mas não teve resposta em tempo útil. Nas posições públicas assumidas até agora pelo Governo, ficava subjacente que este aumento estava em linha com a inflação esperada para 2021 no momento em que o Orçamento do Estado para 2022 foi apresentado e que apontava no sentido de uma aceleração dos preços de 0,9%. Agora, e tendo em conta a explicação da ministra, terá havido uma alteração da metodologia e ao valor da inflação média anual apurado no final de Novembro serão descontados 0,1%.
Sindicatos criticam estagnação salarial

“A actualização de 0,9% era a inflação que se esperava quando começámos a negociar. O poder de compra já se perdeu e actualizar os salários em linha com a inflação não permite recuperar nada. E mesmo os 90 euros que pedíamos não repõem o que perdemos”, destaca o coordenador da Frente Comum, Sebastião Santana, mostrando-se surpreendido com a ideia de descontar a deflação de 2020 ao aumento de 2022.

Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), considera que a solução apresentada pelo Governo, embora positiva, é “insuficiente”, por não permitir recuperar rendimento.

Para José Abraão, líder da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), a cláusula de salvaguarda que o Governo aceitou colocar no diploma dos aumentos continua a não responder às expectativas dos trabalhadores. “A montanha pariu um rato: o aumento vai ser de 0,9%. Sempre dissemos que 0,9% era insuficiente e 1% seria igualmente insuficiente”, afirmou ao PÚBLICO.

Abraão nota que a solução abre precedentes “preocupantes” porque aponta no sentido da estagnação: “Nós queremos aumentos, não queremos estagnação dos salários”.

“Na prática, teremos assistentes operacionais a auferirem os 705 euros referentes ao salário mínimo, e assistentes técnicos e assistentes operacionais, muitos deles com mais de 30 anos de carreira, a auferirem apenas mais 4,46 euros do que o salário mínimo”, acrescentou.