18.11.21

Sinais de escassez de mão-de-obra crescem, mas salários ainda não

Sérgio Aníbal, in Público on-line

Depois de uma interrupção provocada pela pandemia, a economia portuguesa está outra vez a entrar numa fase em que os sinais de escassez de mão-de-obra se estão a tornar mais evidentes. Um cenário que, à partida, aumenta a probabilidade de se vir a assistir a uma aceleração dos salários, que até agora quase só têm subido por via da actualização do salário mínimo nacional.

O baixo nível dos salários praticados em Portugal em comparação com o resto da União Europeia não é um fenómeno novo. Pelo contrário, é algo a que o país não tem conseguido escapar ao longo dos tempos. Mas, no rescaldo de um inédito chumbo da proposta de Orçamento do Estado e a dois meses e meio das próximas eleições legislativas, o tema parece estar agora a ganhar destaque no debate político nacional. Tanto à esquerda como à direita, os líderes políticos têm apresentado a subida dos salários como um dos seus objectivos principais na frente económica, divergindo, contudo, nas políticas que consideram ser as melhores para atingir essa meta – aumento do salário mínimo, subida dos vencimentos na função pública, aumento da competitividade das empresas através da redução do IRC são algumas das ideias propostas.

O destaque que está a ser dado ao tema, no entanto, ocorre precisamente numa altura em que, tudo indica, o mercado de trabalho nacional está a regressar a uma conjuntura de maior escassez de mão-de-obra disponível, criando, pelo menos na teoria, as condições para que as empresas se vejam forçadas a aumentar o nível dos salários oferecidos aos trabalhadores. São vários os indícios de que estamos perante um cenário desse tipo.

“Estamos a entrar numa fase de escassez de mão-de-obra. Isto mostra-se pela descida da taxa de desemprego, mas principalmente pelos recordes que se estão a registar no nível de emprego”, afirma João Cerejeira, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Minho, que destaca ainda o facto de, quando se olha para a estrutura etária no mercado de trabalho, se verificar que há um aumento significativo, quer do emprego mais jovem, quer do dos mais velhos, mesmo acima dos 65 anos. “É um sinal de que as empresas já estão a ter de recorrer a outro tipo de trabalhadores”, explica.

A taxa de desemprego no terceiro trimestre deste ano cifrou-se, de acordo com os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) na semana passada, em 6,1%, um valor que fica já abaixo daquele que se registava há dois anos, antes da pandemia. E a taxa de subutilização do trabalho (uma medida mais alargada de desemprego que inclui os desencorajados a procurar emprego) caiu para 11,9%, o valor mais baixo desde que este indicador começou a ser calculado, em 2011.

O número de pessoas empregadas atinge novos máximos e a taxa de emprego chegou aos 56,1%. Para encontrar um valor tão alto nas séries do emprego do INE, é necessário recuar até 2008.





Depois, outro indicador calculado pelo INE revela uma tendência de subida dos postos de trabalho por ocupar. A taxa de empregos vagos, que estima a percentagem de lugares disponíveis em estabelecimentos com um ou mais trabalhadores, subiu, no segundo trimestre de 2021, de 0,78% para 0,99%, um valor que fica muito próximo do máximo da série que se tinha registado em 2019, antes da pandemia. O valor do terceiro trimestre deste ano ainda não foi divulgado.

A apontar no mesmo sentido estão os inquéritos mensais que são feitos às empresas e onde os seus responsáveis são questionados sobre os principais entraves que sentem à evolução da sua actividade. A percentagem de empresas a referir a escassez de mão-de-obra como um entrave à produção começou a subir de forma rápida, tanto na indústria como nos serviços e na construção, desde o terceiro trimestre do ano passado e encontra-se já, no inquérito realizado em Outubro, no valor mais alto desde, pelo menos, 2008.

Ainda está longe de ser a principal razão dada pelos empresários da indústria e dos serviços, que vêem na falta de procura o motivo crucial para não produzirem mais, mas na construção é já um dos factores dominantes, com um quarto das empresas a queixarem-se deste problema.

Uma tendência europeia

Os sinais cada vez mais claros de escassez de mão-de-obra não são um exclusivo de Portugal. A tendência dos últimos meses tem sido a mesma no resto da Europa e, aliás, nos inquéritos às empresas sobre os entraves à produção, Portugal até é dos países onde a escassez de mão-de-obra menos é referida como uma preocupação (excepto no sector da construção).

De acordo com uma análise publicada pela Comissão Europeia na semana passada sobre esta questão, na grande maioria dos países da União Europeia, incluindo Portugal, está-se a assistir a um regresso dos indicadores de pressão no mercado de trabalho para níveis idênticos aos que se verificavam antes da pandemia.
 



No final de 2019, assistia-se na Europa, depois de vários anos de taxas de desemprego muito altas, ao início de um cenário em que as empresas começaram a sentir dificuldades em contratar, o que acabou por resultar no fim da quase estagnação dos salários registada durante a década anterior.

A pandemia, contudo, interrompeu essa tendência, que apenas agora, à medida que a economia recupera, parece definitivamente estar de volta.

E no rescaldo da pandemia, alguns factores extraordinários podem mesmo estar a ajudar a que as dificuldades em encontrar mão-de-obra disponível estejam a aumentar muito rapidamente. Na sua análise, a Comissão Europeia avança com algumas explicações para a crescente escassez de mão-de-obra e que incluem o efeito negativo dos apoios públicos de combate à pandemia nos incentivos para procurar emprego, a reticência de algumas pessoas em regressar ao emprego por causa de preocupações com a saúde e os desajustamentos estruturais criados no mercado de trabalho pelo processo de realocação estrutural a que estão a ser sujeitas as economias.


João Cerejeira acrescenta como possível explicação, no caso de Portugal, as restrições aos fluxos migratórios, o que pode ajudar a perceber que, em alguns sectores que ainda não regressaram aos níveis de actividade do período pré-crise, também se comecem a ouvir queixas de falta de mão-de-obra disponível para trabalhar.
E os salários sobem?

Sejam quais forem os motivos, a dúvida que se coloca é se, com mais dificuldades em contratar, as empresas vão passar realmente a oferecer salários mais elevados. E, para já, não há ainda sinais de uma aceleração acentuada dos salários, nem em Portugal nem no resto da Europa.

De acordo com os dados publicados pelo INE, depois de vários meses de oscilações significativas entre Março de 2020 e Junho de 2021, provocadas pelas circunstâncias extraordinárias criadas pela pandemia, a variação homóloga dos salários brutos em Portugal cifrou-se em 3,3% em Agosto deste ano e em 2,6% em Setembro.

São valores em linha com os registados no decorrer de 2019, antes da pandemia, o que parece apontar, para já, para um efeito relativamente limitado nos salários do maior aperto que se regista no mercado de trabalho.
 


No total da UE, a Comissão Europeia também não encontra “pressões salariais aparentes”, algo que é explicado “pelo facto que a definição dos salários tender a reagir com um intervalo de tempo relativamente à alteração de condições no mercado de trabalho”.

Em Portugal, para já, diz João Cerejeira, o aumento das remunerações médias a que se tem vindo a assistir “tem muito a ver com a actualização do salário mínimo nacional”, uma vez que é possível verificar que os aumentos são maiores no sector privado e em sectores de actividade onde há a incidência maior do salário mínimo.

No entanto, assinala o economista, se os salários aumentarem de uma forma mais generalizada, será “por uma questão de concorrência pelo trabalho”. “O valor do salário é um ponto de equilíbrio. É quando as empresas começam a sentir necessidade de concorrer umas com as outras para conseguirem contratar alguém ou manter um trabalhador na empresa que os salários sobem”, afirma.

No entanto, avisa o professor da Universidade do Minho, nem todas as empresas poderão ser capazes de fazer face a essa concorrência. “É preciso que as empresas sejam viáveis com esses salários mais altos. Se não forem, vão à falência e os empregos perdem-se”, explica.