5.11.21

Teletrabalho vai passar a ter novas regras

Raquel Martins, in Público on-line

Diploma que deverá ser aprovado nesta sexta-feira no Parlamento esclarece que o empregador tem de pagar o acréscimo de despesas com o teletrabalho, incluindo a energia e Internet, e estabelece, pela primeira vez, o dever de o empregador se abster de contactar o trabalhador no seu tempo de descanso.

A utilização expressiva do teletrabalho durante a pandemia veio mostrar que as normas, previstas na lei laboral desde 2003, não respondiam aos problemas que entretanto surgiram. O Parlamento deverá viabilizar nesta sexta-feira um diploma com novas regras.

O que se entende por teletrabalho?

O projecto de lei aprovado pelos deputados mantém a noção de teletrabalho actualmente prevista no Código do Trabalho. Assim, considera-se teletrabalho a prestação laboral com subordinação jurídica habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação. Isto significa que nem todo o trabalho no domicílio é considerado teletrabalho.


A novidade introduzida agora é o facto de algumas disposições, como o pagamento das despesas ou as matérias de saúde e segurança, se aplicarem ao trabalho à distância quando estão em causa pessoas sem subordinação jurídica, mas em regime de dependência económica.

O teletrabalho pode ser imposto pelo empregador?

Não. O teletrabalho pressupõe sempre a existência de um acordo escrito. Esse acordo pode constar do contrato inicial ou ser autónomo.

Se a proposta de acordo de teletrabalho partir da empresa, o trabalhador pode recusar?

Sim, o trabalhador pode opor-se e não tem de justificar essa decisão. Além disso, a recusa não pode constituir causa de despedimento ou servir de pretexto para a aplicação de qualquer sanção.

E se for o trabalhador a propor o acordo, a empresa pode não aceitar?

Se a actividade desenvolvida pelo trabalhador for compatível com a prática de teletrabalho, o empregador só pode recusar por escrito e terá de justificar essa decisão.

A empresa pode definir no regulamento interno as actividades e as condições em que a adopção do teletrabalho poderá ser aceite.

Há situações em que a empresa tem de aceitar o teletrabalho?

Sim, há. A lei já prevê que têm direito a exercer actividade em teletrabalho os trabalhadores vítimas de violência doméstica, assim como os que têm filhos até três anos, desde que este regime seja compatível com a actividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito.

O projecto aprovado pelos deputados alarga o direito ao teletrabalho a quem tem filhos até aos oito anos, desde que haja partilha entre os dois progenitores e estejam em causa empresas com 10 ou mais trabalhadores. Este direito abrange famílias monoparentais e as situações em que apenas um dos progenitores tem um emprego compatível com o teletrabalho. Nestes casos, o empregador não pode recusar o pedido dos trabalhadores.

Também os trabalhadores a quem tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal têm direito a exercer a actividade em regime de teletrabalho, pelo período máximo de quatro anos seguidos ou interpolados. Mas, neste caso, o projecto prevê que o empregador pode recusar o pedido do trabalhador, invocando “exigências imperiosas do funcionamento da empresa”.

Os trabalhadores de microempresas são abrangidos por esta norma?

Não. O alargamento do direito ao teletrabalho para pais de crianças entre os quatro e os oito anos e para cuidadores informais não se aplica às empresas que têm até dez trabalhadores.

O que deve constar do acordo do teletrabalho?

Além da identificação das partes, o acordo define o local onde o trabalhador realizará habitualmente o seu trabalho (que pode ser alterado pelo trabalhador mediante acordo escrito com o empregador); o período normal de trabalho diário e semanal; o horário; a actividade contratada; a retribuição a que o trabalhador terá direito, incluindo prestações complementares e acessórias; a propriedade dos instrumentos de trabalho; assim como a periodicidade e modo de concretização dos contactos presenciais.

A lei estipula que o trabalhador tem direito a subsídio de refeição?

O PS não aceitou a proposta do BE que previa que esse direito ficasse consagrado de forma expressa no regime do teletrabalho. Porém, os socialistas defendem que o subsídio de refeição faz parte das prestações complementares e acessórias que devem constar do acordo do teletrabalho.

O acordo de teletrabalho tem prazo?

O acordo pode ter duração determinada ou indeterminada e em qualquer dos casos as partes podem denunciá-lo nos primeiros 30 dias.

No caso de ter uma duração determinada, ela não pode exceder seis meses e renova-se automaticamente por iguais períodos. As partes podem comunicar, com 15 dias de antecedência que não querem renovar o acordo.

Se a duração for indeterminada, as partes podem fazê-lo cessar com 60 dias de antecedência.

E o que acontece quando o acordo termina?

O trabalhador tem o direito de retomar a actividade em regime presencial.

É possível haver um regime híbrido que mistura trabalho presencial e teletrabalho?

Sim, o acordo de teletrabalho pode definir essa alternância entre trabalho presencial e à distância.

As despesas com o teletrabalho têm de ser pagas pelo empregador?

Passa a estar previsto na lei que são “integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte […], incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como os de manutenção dos equipamentos e sistemas”.

Como é feito o cálculo das despesas?

As despesas são “as correspondentes à aquisição de bens e/ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes [de ter iniciado o teletrabalho], assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo”. O trabalhador terá de apresentar ao patrão prova de que tem despesas que não existiam antes do acordo do teletrabalho ou que elas são mais elevadas.

As despesas são consideradas um custo para as empresas?

Sim, as despesas pagas pela empresa relacionadas com o teletrabalho são consideradas, para efeitos fiscais, um custo e não constituem rendimentos para o trabalhador.

Estão previstas medidas para evitar o isolamento dos trabalhadores?

Sim. A empresa terá de promover com “a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho” ou, em caso de omissão, “com intervalos não superiores a dois meses” contactos presenciais do trabalhador com as chefias e com os restantes trabalhadores.

O trabalhador pode ser convocado para se deslocar às instalações da empresa e tem de ir?

Desde que seja convocado com 24 horas de antecedência, o trabalhador é obrigado a comparecer nas instalações da empresa ou noutro local indicado pelo empregador para reuniões, acções de formação ou outras situações que exijam presença física.

Como é que a empresa pode controlar a prestação do trabalho?

A lei diz que esse controlo pode ser feito através de equipamentos e sistemas de comunicação e informação afectos à actividade do trabalhador, mas os procedimentos têm de ser do seu conhecimento e têm de respeitar a sua privacidade. Além disso, devem ser proporcionais e transparentes., sendo proibido impor a conexão permanente durante o dia de trabalho por meio de imagem ou som.

A lei consagra, como foi inicialmente anunciado, o direito a desligar?

Não. A norma, proposta pelo PS, que previa que o trabalhador teria direito a, fora do seu horário de trabalho, desligar todos os sistemas de comunicação de serviço com o empregador não foi viabilizada.

Mas há algum dever de o empregador de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso?

Sim. Pela primeira vez a lei portuguesa cria uma norma que coloca no empregador o ónus de respeitar os tempos de descanso do trabalhador. O artigo 199.º-A aprovado pelos deputados estipula que “o empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior”, prevendo que a violação desta regra constitui uma contra-ordenação grave.

Esta norma aplica-se a todos os trabalhadores, quer estejam em regime presencial ou em teletrabalho.

Há normas específicas para respeitar a privacidade no regime do teletrabalho?

Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho por parte da empresa apenas pode visar o controlo da actividade e requer um aviso prévio de 24 horas e a concordância do trabalhador.