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Coordenadora da obra adiantou que livro pretende dar ferramentas de análise para entendimento mais contextualizado e informado historicamente de como é que o racismo é reproduzido
O racismo em Portugal está enraizado nas instituições e nas políticas públicas e falta um debate que retire o país do estado de negação, defendeu a investigadora Silvia Rodríguez Maeso, coordenadora do livro “O Estado do Racismo em Portugal”.
O livro, editado pela Tinta da China, é apresentado no Museu do Aljube, em Lisboa, mas, em entrevista à agência Lusa, a coordenadora da obra adiantou que o livro não pretende ser uma compilação de casos de racismo em Portugal, mas antes dar ferramentas de análise para um entendimento mais contextualizado e mais informado historicamente de como é que o racismo é reproduzido.
“[O racismo] é reproduzido nas estruturas do Estado, nas instituições e também na legislação”, apontou a investigadora do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, explicando que o próprio título pretende fazer um jogo com o duplo significado da palavra, entre o estado da questão, e o foco no Estado.
De acordo com Silvia Rodríguez Maeso, “as políticas públicas continuam a reproduzir o racismo”, seja no âmbito da habitação, educação ou segurança interna e, dentro desta última, nas políticas de policiamento.
“Acaba por haver processos que são contraditórios porque há uma lei e quando algo acontece é muito comum dizer-se ‘então denuncia’, mas como é que vais denunciar quando a relação de muitas pessoas, afrodescendentes, Roma/ciganos, com as instituições do Estado é uma relação de violência, sentem-se desprotegidas”, questionou.
Silvia Rodríguez Maeso acrescentou que as políticas públicas “ao longo das últimas décadas têm sido reprodutoras de processos de criminalização e de racialização” e afirmou estar descrente na existência de uma vontade política para um “debate a sério sobre essas políticas públicas”.
No entanto, sublinhou, o país mantém-se em negação quanto ao fenómeno, sustentado na construção de uma narrativa sobre um projeto colonial que foi “benevolente” ou envolto no imaginário dos descobrimentos.
“Isso faz parte de uma cultura política na qual está estruturada a identidade portuguesa e não se quer confrontar essa narrativa e portanto, no debate, estamos sempre como que a ir contra uma parede de negação”, disse a investigadora.
Deu como outro exemplo, o facto de “durante décadas” o país ter negado a força da extrema-direita em Portugal.
“E agora a realidade devolve-nos algo que se calhar não nasceu nos últimos anos e se calhar já há uma história bem forte da extrema-direita em Portugal que sempre se quis negar [porque] negando isso, negava-se o racismo”, defendeu.
A investigadora apontou que “não há uma receita única” para acabar com o problema, mas voltou a sublinhar que “obviamente isto requer um debate público”, apontando que “o facto de o racismo estar nas instituições demonstra que não há uma receita e que a via legal não é a solução”.