4.11.21

Ana Cristina Pereira, in Público

Fosso salarial entre homens e mulheres: 85% do diferencial não tem explicação

Só 15% da discrepância salarial se pode justificar com idade, antiguidade, regime de duração de trabalho, profissão, sector de actividade, nível de qualificação. Contrabalançavam, a favor das mulheres, o nível de escolaridade, o tipo de contrato, a dimensão da empresa e a região do país.

Já se sabia que muito ficava por explicar na disparidade salarial entre homens e mulheres. O que o projecto “Os benefícios sociais e económicos da igualdade salarial entre mulheres e homens”​, apresentado nesta quarta-feira, vem dizer é que 85% do diferencial simplesmente não tem justificação.

O projecto pega em dois indicadores: a disparidade salarial simples e a ajustada (2019). A primeira, que diz respeito à diferença entre os ganhos médios por hora, é de 15,55% e 16,63%, consoante se tenha em conta apenas quem trabalha a tempo inteiro ou toda a gente. A segunda, que expurga o efeito da idade, do nível de escolaridade e da antiguidade, é de 20,27% e 19,61%, respectivamente.

Já se sabia que grande parte do diferencial no ganho entre mulheres e homens não tem critérios objectivos. Procurando entender a disparidade no ganho mensal, estudos mais antigos têm apontado para uma componente não explicável de 60%. Os investigadores chegaram agora ao mesmo valor (60,38%), o que quer dizer que, apesar de o fosso ter diminuído nos últimos anos, a parte inexplicável manteve-se inalterada.

Tudo piora quando se analisa a remuneração por hora, um indicador que permite uma análise mais fina, já que não está contaminada pelo horário que cada um faz. Só 15% da disparidade se pode justificar em função da idade (0,25%), da antiguidade (0,38%), do regime de duração de trabalho (2,12%), da profissão (10,02%), do sector de actividade económica (24,61%), do nível de qualificação (6,93%). Contrabalançavam, a favor das mulheres, o nível de escolaridade (-19,77%), o tipo de contrato (-0,47%), a dimensão da empresa (-6,44%), e a região do país (-1,37%).

No resumo preparado para a imprensa, os investigadores chamam a atenção para o contributo positivo da educação na diminuição do fosso, uma vez que as mulheres possuem, em média, um nível de escolaridade superior. E para o papel oposto desempenhado pela segregação por sexo nas profissões e nos sectores de actividade.

Calculam que o fosso diminuiria 35% se a distribuição por ramos de actividade e profissão fosse (mais) simétrica. Não é por acaso, lembra Isabel Proença, uma das autoras, que há um esforço para atrair mais mulheres para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, em inglês). Esse sector, onde os homens estão sobrerrepresentados, é muito bem pago. Já os sectores onde as mulheres estão sobrerrepresentadas (como a educação, o serviço social, a saúde, a prestação de cuidados, o atendimento ao público) tendem a praticar salários mais baixos.

Que pensar sobre a parte não explicável? “É aquilo que a literatura sugere que pode ser discriminação em função do género”, esclarece a coordenadora do projecto, Sara Falcão Casaca, do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. “É preciso mobilizar outros estudos que permitam perceber se há ou não enviesamento, se, por exemplo, a avaliação de desempenho não penaliza as mulheres por razões que se prendem com estereótipos associados ao género, à assistência à família. A própria lei recomenda às empresas que adoptem uma metodologia de avaliação dos postos de trabalho que permita perceber se a determinação salarial está a ter em conta apenas factores objectivos.”

Não é um assunto que diga respeito apenas às pessoas directamente afectadas. Os investigadores tiram ilações sobre as consequências na pobreza. E no crescimento económico.

Analisando apenas os rendimentos de quem trabalha por conta de outrem (2006, 2012 e 2018), considerando a escolaridade e outras características específicas, as mulheres teriam um rendimento 35% maior. Receberiam, em média, cerca de 10,14 euros por hora (não 7,36). Com tais valores, a incidência da pobreza ancorada, que em 2018 se situava nos 12,2%, cairia 4 e 5 pontos percentuais, passando para 8,8%.

Atendendo aos conhecidos factores de vulnerabilidade, os investigadores debruçaram-se sobre vários subgrupos. O que mais beneficiaria seria o das famílias monoparentais, nos quais a incidência de pobreza ancorada cairia de 25,05% (em 2018) para 15,02%.

Também realçam ganhos a nível macroeconómico: por cada ponto percentual de redução na disparidade no rendimento, “o PIB/per capita cresceria 1,4%, o que corresponde a um aumento de 2,70 mil milhões de euros, supondo constante a dimensão da população”.

O projecto — financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu 2014-2021, EEA Grant: Small Grant Scheme #1, proposto pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) — é uma parceria com o Centro de Matemática Aplicada à Previsão Decisão Económica (Cemapre) e o Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), através da investigadora Heloísa Perista. Os resultados foram trabalhados por Amélia Bastos, Isabel Proença, Maria Francisca Amaro e João Cruz.