5.11.21

Pandemia deixou os idosos mais sós. Apenas 8% mantiveram visitas a familiares com a mesma regularidade

Ana Maia, in Público on-line

Grupo de investigadores portugueses procurou avaliar os efeitos da covid-19 nas pessoas com 60 e mais anos durante Junho e Agosto de 2020. Houve um forte impacto na saúde, segundo os resultados do trabalho publicado na revista Acta Médica Portuguesa.

A pandemia teve “um impacto significativo” junto dos mais velhos, concluiu um grupo de investigadores portugueses que procurou avaliar os efeitos da covid-19 nas pessoas com 60 e mais anos entre Junho e Agosto do ano passado. Ficaram mais sozinhos e isolados: 16% dos inquiridos disseram não ter saído de casa e mais de 80% deixaram de visitar familiares ou passaram a fazê-lo com menos regularidade.

Segundo o artigo Impacto da covid-19 na População Idosa em Portugal: Resultados do Survey of Health, Ageing and Retirement, publicado na revista Acta Médica Portuguesa, houve uma “diminuição da socialização e na deterioração de hábitos de vida” das pessoas mais velhas, com impacto na saúde mental.

Lembram os investigadores do Centro Hospitalar Lisboa Norte, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho que “aos mais velhos foi pedida especial cautela, muitas vezes com os bens essenciais levados a suas casas”, o que se traduziu “num confinamento importante e grande alteração das suas rotinas, com um pano de fundo de incerteza”.

Para este estudo transversal, que abarcou o período entre Junho e Agosto de 2020, utilizaram-se dados de uma amostra representativa da população portuguesa não institucionalizada e com mais de 60 anos, provenientes da Survey of Health, Ageing and Health (SHARE). Dos 1080 participantes, 55% tinham entre os 60 e os 69 anos, 27% estavam entre os 70 e os 79 anos, 15% entre os 80 e os 89 anos e 3% tinham mais de 90 anos. Aos mesmos foi feito um inquérito no qual se perguntou sobre a percepção do seu estado de saúde desde o início da pandemia, se saíram de casa, se sentiam mais ansiedade e solidão.

Segundo os resultados, 16% dos inquiridos disseram não ter saído de casa desde o início da pandemia e “só 23% mantiveram os mesmos hábitos de sair de casa para fazer uma caminhada, tal como antes da pandemia”. Também foi possível apurar que 29% não voltaram a sair para fazer uma caminhada e 35% reduziram estes hábitos. “Apenas 8% dos inquiridos mantiveram as visitas a familiares com a mesma regularidade e mais de 80% deixaram de visitar ou visitaram familiares com menos regularidade”, lê-se no artigo. Também 31% dos participantes referiram sentir-se mais sós desde o início da pandemia.

O retrato que resulta é também o de um importante impacto na saúde mental: 80% dos inquiridos referiram um aumento da ansiedade ou nervosismo desde o início da pandemia, 73% disseram sentir-se mais tristes ou deprimidos e 30% consideraram que o sono piorou. “Sabe-se que existe uma associação importante entre o sedentarismo e a depressão nos mais velhos, sendo a actividade física uma estratégia preventiva e também curativa da depressão nos idosos”, lembram os investigadores no artigo.
Atrasos nos tratamentos

“É importante ter também em consideração que 22% daqueles que estavam empregados perderam o trabalho devido à pandemia, e que mais de metade referiu dificuldades em continuar a pagar as suas despesas até ao final do mês, o que logicamente pode contribuir para o aumento de sintomas depressivos e ansiosos”, refere o artigo.

Numa comparação entre sexos, concluíram que “as mulheres referiram mais frequentemente o agravamento do seu estado de saúde, tal como terem ficado mais em casa desde o início da pandemia, abandonarem mais frequentemente as consultas ou tratamentos em curso e terem sentido mais dificuldades em conseguir que os seus rendimentos fossem suficientes para cobrir as despesas até ao final do mês”.

O estudo faz também uma avaliação à percepção relativa aos cuidados médicos. Durante o período analisado, 12% dos inquiridos “desistiram de algum cuidado médico por medo de serem infectados”, 56% “referiram que houve um atraso nos seus tratamentos devido à pandemia” e “em 8% dos casos esses tratamentos terão sido mesmo negados”. Mas ainda assim, mais de 80% das pessoas consideraram que o seu estado de saúde não se alterou.

“Sendo certo que está descrito na literatura internacional que o atraso no tratamento de diversas patologias, incluindo tratamentos urgentes, teve repercussão na mortalidade, esse impacto pode ser diferido no tempo e, portanto, não percepcionado de forma imediata pela nossa amostra à data da resposta ao inquérito”, referem os investigadores, que sugerem a realização de novos estudos para avaliar o impacto a longo prazo da covid-19 nesta faixa etária.