17.11.21

Tempo de resposta da Justiça melhorou e prisões estão menos cheias

Ana Cristina Pereira e São José Almeida, in Público on-line

Relatório Justiça 2015-2020 revela quebra acentuada de pendências nos tribunais de primeira instância, com particular efeito nos processos cíveis, incluindo execuções, falências e insolvências.

O Relatório Justiça 2015-2020, apresentado esta terça-feira, é uma espécie de balanço da governação nesta área. A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, pode dizer que o tempo de resposta da justiça melhorou e que a sobrelotação das cadeias está agora sob controlo.

Demonstrativo dessa melhoria parece-lhe ser “o tempo médio da conclusão de casos cíveis e comerciais de primeira instância até ao Supremo: Portugal está em sétimo” na média europeia.

Nos tribunais de primeira instância, houve uma descida das pendências na ordem dos 47% entre 2015 e 2020. No cível, essa queda foi de 49%. Nesses processos, destacam-se as execuções, cujas pendências registaram uma quebra de 51%. Nos processos de falências, insolvências e recuperação de empresas também a redução foi de 51%.

Van Dunem lembrou que a crise económica de 2011 fez subir estes processos até 2015 e que essa tendência não se verificou com a pandemia de covid-19. Atribui isso às medidas de apoio aprovadas pelo Governo, como o regime de layoff, e a programas como o Capitalizar, que “evitaram uma avalanche sobre os tribunais”. Na sua opinião, também ajudou haver, por parte da Justiça, “capacidade humana de responder”, já que “os efectivos mantiveram-se ou subiram”.

A redução de pendências não se esgotou nos cíveis, embora esses sejam os que mais pesam, já que representam 85% dos processos que se encontram nesse estado. Nos penais, a redução foi de 47%.

Van Dunem, reconhece que “há espaços de lentidão”. Considera, no entanto, que, “no quotidiano das pessoas, a resposta da Justiça é positiva”. Nesta análise diz até que “a percepção de que a justiça é lenta não é verdade”.
Medidas de confinamento?

Falando sobre o aumento de casos de covid-19, a governante admitiu que não é possível “antecipar” por agora se vai ser necessário adoptar medidas de confinamento na Justiça. Garantiu que, “se for necessário, o sistema prisional “tem capacidade de isolamento” e que o sistema judicial tem capacidade de resposta.

“Temos condições para, se for necessário, continuar a trabalhar dentro dos moldes em que trabalhámos”, afirmou. Mesmo nos estabelecimentos prisionais, onde a taxa de vacinação é elevada e a lotação é agora menor.

A sobreocupação das 50 prisões tinha alcançado um valor crítico em 2015: arrumavam-se 14.070 pessoas onde deviam estar apenas 12.591, o que correspondia a uma taxa de sobrelotação de 111,7%. Era o expoente de um problema que valia a Portugal periódicos puxões de orelhas do Conselho da Europa.

O problema era antigo. Nos anos 80, em plena pandemia de heroína, Portugal tornou-se num dos países europeus com mais elevadas taxas de encarceramento. Até 1996, sucessivas amnistias foram diminuindo o número de presos. Durante anos, a população prisional manteve-se entre os 13 e os 14 mil, o que aumentava o conflito interno e dificultava as tentativas de reinserção social. Em 2016, o então director geral dos serviços prisionais, Celso Manata, avisou a Assembleia da República que o sistema estava em risco de colapso.

Era preciso encontrar formas ágeis de resolver o problema. O Governo acabou com o regime de prisão por dias livres, que permitia a pessoas que cometeram delitos, como condução sem habilitação legal, cumprir a pena aos fins-de-semana. E tratou de facilitar o recurso às medidas alternativas à prisão. Entre 2015 e 2020, houve um aumento de 125% no número de penas fiscalizadas por vigilância electrónica, (996 para 2247). O primeiro impulso, de 35%, verificou-se em 2018.

O novo relatório mostra a quebra gradual da população prisional. Em Dezembro de 2018, eram 12.724, o que representava uma taxa de ocupação global de 98,4%, mas ainda havia sobrelotação em várias cadeias. No ano seguinte, estava nos 97,5%.
Reclusos saíram com medidas da pandemia

“Em 2020 a população prisional conheceu uma quebra acentuada, com uma diminuição de 1418 indivíduos, explicada pelas medidas excepcionais tomadas para proteger reclusos e funcionários das prisões de focos de infecção por covid-19 e pelas limitações na actividade dos tribunais”, lê-se no relatório. A população prisional caiu para 11.216, o que significa uma taxa de ocupação de 86,8%.

Na apresentação do relatório, a ministra da Justiça destacou a confirmação da tendência de diminuição. “Desde 2018 que o sistema não está em sobrelotação”, sublinhou. Reconheceu que “há estabelecimentos que estão” porque “o critério da detenção é em locais de proximidade familiar”.

Com essa quebra, embora o Corpo da Guarda Prisional tenha crescido apenas 2% no período em análise, o rácio melhorou. O número de reclusos por guarda passou de 3,45 em 2015 para 2,70 em 2020.

O documento revela que também houve um maior investimento em pessoal especializado. Com realce na categoria de técnicos superiores de educação (de 396 para 486) e na de enfermeiros (de 78 para 197).

Sobre criminalidade, a ministra fez questão de afirmar que “Portugal é dos países mais seguros do mundo”. Reconheceu que até “houve menos processos criminais também por fruto da pandemia, uma vez que houve menos crime”. Concretizando, salientou que o que “subiu mais” foi “o crime grave contra o património”. O crime contra as pessoas subiu pouco e o crime contra a vida e a sociedade baixou.

“Nos processos de inquérito do Ministério Público, verificou-se uma subida nas pendências, tendo-se registado um aumento de cerca de 60 mil processos entre 2015 e 2020”, lê-se no documento. A maior parte diz respeito a processos-crime. Ao que o relatório indica, todavia, os processos-crime pendentes na fase de julgamento até baixaram 25%.

A análise temporal mais alargada demonstra que as pendências oscilam. Não parece haver correspondência com o sentido da evolução da criminalidade participada espelhada nos relatórios de segurança interna.

No que diz respeito à situação orçamental da justiça, a ministra afirmou que 57% das receitas da Justiça “são próprias, arrecadadas pelos serviços”. Neste domínio, cerca de 70% das receitas vêm através dos serviços de Registo e Notariado, cerca de 20% vêm das taxas de Justiça e 10% de outras fontes de receita. Salientou ainda que a despesa do Estado com o sistema judicial está de acordo com média europeia, sendo que países como a Itália e a Espanha têm despesa superior. Concluindo que nesta questão “a situação portuguesa é equilibrada”.