Sérgio Aníbal e Raquel Martins, in Público
Actualização automática das pensões em 2023 será, por causa da inflação e do crescimento económico deste ano, a mais alta dos últimos anos. Os ganhos em termos reais dos pensionistas serão moderados, mas o impacto orçamental pode ficar próximo dos 2000 milhões de euros.Ainda não se chegou à segunda metade deste ano e ainda faltam mais de três meses para a apresentação da proposta de orçamento do próximo ano, mas a escalada persistente da taxa de inflação e o efeito que isso irá ter no mecanismo de actualização automática das pensões já deram ao Governo e ao Presidente da República argumentos para colocar o país em modo de alerta relativamente aos riscos que as finanças públicas podem correr no próximo ano. Uma despesa adicional com pensões que pode superar os 2000 milhões de euros é o motivo por trás da preocupação revelada e pode ser a razão invocada para que haja prudência na evolução de outras despesas, por exemplo com salários.
No rescaldo da pandemia e mesmo com a guerra na Ucrânia a lançar dúvidas sobre a economia mundial, o Governo tem continuado a apostar numa política orçamental de forte redução do défice, uma das mais rápidas em toda a UE. Em 2022, o OE aposta numa redução do défice de 2,9% para 1,9%, e até ao momento não há sinais na execução de que tal não possa ser atingido, sendo mesmo evidentes os sinais de que a alta inflação até pode estar a ajudar, por via do reforço da receita do IVA.
No entanto, para 2023, há de facto razões para se estar menos optimista em relação à evolução das contas públicas. Se ainda não se sabe como é que o Governo irá fazer no que diz respeito aos salários dos funcionários públicos, uma coisa é já neste momento certa: as pensões irão registar, em 2023, um aumento inédito nos últimos anos. Um aumento que, não sendo suficiente para compensar a perda de poder de compra registada pelos pensionistas no início da última década, poderá conduzir a um acréscimo da despesa pública que, de acordo com os cenários actualmente considerados mais prováveis, pode superar os 2000 milhões de euros.
Em causa está o mecanismo automático de actualização das pensões previsto na lei, que foi criado para garantir que a evolução das pensões é feita, sem intervenção política, em linha com a inflação e com a evolução da economia. Se a economia se contrair ou crescer pouco, as pensões mais baixas evitam a perda de poder de compra com um aumento idêntico à inflação, mas as outras crescem menos. Se a economia crescer muito, a generalidade dos pensionistas pode conseguir um ganho de poder de compra, ainda que de forma moderada.
O que acontece este ano é que a combinação de uma taxa de inflação muito alta, com uma taxa de crescimento também elevada (pelo facto de a economia estar a recuperar da queda brusca registada em 2020), irá conduzir a que em 2023 se registem automaticamente aumentos muito significativos das pensões.
Aumentos até 7,4%
A actualização automática das pensões depende do valor médio da taxa de crescimento económico dos últimos dois anos e do valor da taxa de inflação média dos doze últimos meses (excepto habitação) registada em Novembro do ano anterior.
Como o crescimento dos dois últimos anos será com toda a probabilidade superior a 3%, aquilo que já é um dado adquirido há algum tempo é que a actualização em 2023 das pensões será, para todas as pensões, ou igual ou superior à inflação. No caso das pensões menores ou iguais a dois IAS (886,4 euros em 2022), o aumento será igual à taxa de inflação média registada em Novembro de 2022 mais 20% do crescimento médio do PIB nos dois últimos anos. Nas pensões maiores que dois e até seis IAS (2659,2 euros), o aumento será igual à inflação mais 12,5% do crescimento do PIB. E nas pensões maiores que seis IAS (e menores que 12 IAS), o aumento será igual à taxa de inflação registada.
Assumindo para os cálculos as estimativas mais recentes feitas pelo Banco de Portugal para a inflação e o crescimento do PIB este ano, os aumentos podem ir de 6,4% para as pensões mais altas até 7,4% para as pensões mais baixas (que são as que recebem a grande maioria dos pensionistas).
Neste momento, o Banco de Portugal prevê que a economia possa crescer 6,3% este ano, depois de 4,9% no ano passado. E apresentou uma previsão de inflação média este ano de 5,9%. No entanto, o governador do Banco de Portugal assumiu que esta previsão, feita com os dados disponíveis em meados de Maio, já pode estar desactualizada. Em Maio, a taxa de inflação homóloga harmonizada foi de 8,1%, o mesmo valor registado no total da zona euro, e esse valor é o suficiente, disse Centeno, para actualizar automaticamente a estimativa de inflação deste ano em 0,5 pontos percentuais, para 6,4%.
Em 2022, a despesa com pensões, incluindo as da Caixa Geral de Aposentações, foi de 29.470 milhões de euros. Não está disponível informação actualizada sobre o número de pensões relativa a cada escalão de actualização, mas aumentos de pensões situados em valores que podem ir de 6,4% até 7,4% correspondem a valores situados entre os 1880 milhões de euros e os 2180 milhões de euros, o que está linha com aquilo que foi dito esta semana sobre o assunto pelo Presidente da República. “É muito dinheiro, pode ser mais de dois mil milhões de euros”, afirmou na segunda-feira Marcelo Rebelo de Sousa.
É preciso ter em conta, contudo, que uma evolução diferente da actualmente estimada pelo Banco de Portugal para o crescimento económico e para a inflação até ao final deste ano pode também influenciar de forma significativa (para cima ou para baixo) o impacto orçamental que será sentido no próximo ano.
Prestações sociais e recuo da idade da reforma
O impacto orçamental resultante da aplicação do mecanismo automático “não se esgota nas pensões”, como alerta o economista Jorge Bravo: é preciso olhar também para as prestações sociais que têm como referência o Indexante dos Apoios Sociais (IAS).
O IAS, que neste momento é de 443,20 euros, também poderá ter uma actualização idêntica à das pensões mais baixas. Se for de 7,4%, passará para os 476 euros. Isto significa que prestações como o valor mínimo do subsídio de desemprego, o subsídio de doença, o abono de família, o subsídio social de desemprego, o complemento solidário para idosos ou o rendimento social de inserção também vão aumentar, com reflexos nas despesas com estes apoios.
Em 2023, o Governo vai ter ainda de contar com o impacto da redução de três meses da idade de acesso à reforma, o que levará a que um número mais elevado de trabalhadores possa reformar-se.
Com o excesso de mortalidade associada directa e indirectamente à covid-19, a esperança de vida aos 65 anos recuou no triénio de 2019 a 2021. Como a idade da reforma está indexada a este indicador, vai acompanhar a sua evolução, baixando para os 66 anos e quatro meses em 2023 (este ano são exigidos 66 anos e sete meses). Este recuo da idade da reforma é inédito e vem interromper a tendência de aumento verificada nos anos anteriores.
Em termos orçamentais, nota o economista e especialista em Segurança Social, Armindo Silva, “haverá tendência para um aumento da despesa com pensões em 2023”. “Em virtude de a idade da reforma recuar três meses, haverá um aumento do número de novas pensões e isso vai-se reflectir também na despesa”, antecipa.
O impacto destas variáveis no sistema de pensões, acrescenta, poderá ser amortecido pelo aumento das contribuições pagas pelas empresas e pelos trabalhadores, resultante do aumento dos rendimentos do trabalho. Nos últimos anos, as receitas da Segurança Social com as contribuições têm vindo sempre a aumentar, ultrapassando as estimativas do Governo e, em 2022, o Orçamento do Estado aponta para um acréscimo na ordem dos 1222,5 milhões de euros.
Ganho de poder de compra moderado
Na segunda-feira, o primeiro-ministro disse que o mecanismo de actualização automático levaria a um “aumento histórico de pensões” no próximo ano. Contudo, essa subida inédita não se traduzirá em ganhos de poder de compra assinaláveis ou para todos os pensionistas.
“Só ganha poder de compra quem está no primeiro e no segundo escalão e o ganho não são os 7% ou os 8%, será o percentual resultante do crescimento do PIB”, começa por sublinhar Jorge Bravo.
Armindo Silva lembra que, em 2023, será a primeira vez que todos os escalões de pensões terão um aumento pelo menos igual ao valor da inflação. Contudo, acrescenta, “nos 16 anos em que o mecanismo esteve em vigor, nunca o crescimento do PIB esteve acima dos 3%, o que significa que para os escalões de pensões médio e alto tem havido desde 2007 uma perda real de poder de compra”.
Nos cálculos que efectuou, o economista estima que uma pessoa que em 2007 tinha uma pensão de mil euros teve uma quebra do poder de compra pontual em 2022 da ordem dos 9%, enquanto quem recebia uma pensão de 2500 euros teve uma redução de 11,5%.
“A evolução que se prevê para 2023 não é outra coisa que não a reposição para os escalões baixo e médio de uma pequena parte daquilo que se perdeu ao longo destes 16 anos. Este aumento de maneira nenhuma vai compensar as perdas [de poder de compra] que se registaram sobretudo no escalão mais alto, onde estamos a falar de mais de 500 mil pensionistas”, resume.