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19.11.20

Mercado dos espetáculos em Portugal caiu 87% até outubro

in TSF

O mercado dos espetáculos registou uma quebra de 87% entre janeiro e outubro deste ano, face a 2019, segundo manifesto da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), que promove no sábado em Lisboa um protesto do setor.

No "Manifesto pela Sobrevivência da Cultura em Portugal", divulgado esta quarta-feira, a APEFE alerta para o impacto do "agravamento das medidas nas últimas semanas [anunciadas pelo Governo para tentar conter a pandemia da Covid-19] e a sua continuidade, ou até um eventual novo confinamento social", admitindo que "não será difícil que esta quebra possa atingir os 90% até ao final do ano".

Para aquela associação, "é chegado o momento de os decisores políticos dizerem o que querem para Portugal, no que respeita à Cultura e às manifestações artísticas enquanto fatores capitais e determinantes para a vida de cada indivíduo e enquanto fatores de coesão e de progresso da sociedade e dos cidadãos".

No manifesto, a APEFE elenca uma série de questões, às quais considera que é "preciso, clara e inequivocamente responder".

"Fechamos auditórios, salas de espetáculos, teatros? Vale a pena manter as galerias e promover exposições? Para que serve afinal um centro cultural ou um teatro? E os festivais de cinema e as salas de exibição de filmes? O que dizer das livrarias? Acabamos com os festivais e com os concertos? E o que dizer de toda a cadeia de valor associada às atividades artísticas e culturais? E os cruzamentos com os outros setores da Economia?", questiona.

Recordando que "o setor privado da Cultura é responsável por mais de 80% das receitas de bilheteira, [que] é quem mais investe e cria públicos e (...) se substitui ao Estado na oferta cultural", a APEFE alerta: "Os promotores, as salas, as empresas de audiovisuais e equipamentos para espetáculos, os artistas, os autores, os agentes, os produtores, os técnicos, e profissionais dos espetáculos estão sem chão".

De modo a evitar, entre outros, "o aumento dos desempregados (sabendo que nem todos terão acesso a este apoio do Estado), as falências e as insolvências das empresas, e os danos irreparáveis para a saúde mental de toda a sociedade, se esta atividade for interrompida", a APEFE exige "um apoio a fundo perdido da 'Bazuca Europeia' correspondente a 20% da quebra de faturação das empresas e a 40% no rendimento de artistas, técnicos e profissionais dos espetáculos, vulgo 'intermitentes', valor este a ser pago em duodécimos, de janeiro a dezembro de 2021".

A 'Bazuca Europeia' a que se refere a APEFE são os 13,2 mil milhões de euros (a preços de 2018) que Portugal vai receber em subvenções (a fundo perdido), até 2023, através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do Fundo de Recuperação europeu pós-crise gerada pela covid-19.

No início deste mês, a Fundação GDA -- Gestão dos Direitos dos Artistas apelou ao Governo para que aplique no setor cultural e criativo pelo menos 2% destas verbas.

20.5.20

Gondomar. ​Idosos sozinhos são acompanhados à distância por voluntários

Henrique Cunha, RR

Autarquia disponibiliza a cada Gondomar. ​Idosos sozinhos são acompanhados à distância por voluntários

Autarquia disponibiliza a cada voluntário um telemóvel. A ideia é fazer o acompanhamento diário de cerca de 300 idosos que não têm suporte familiar.

Em Gondomar foi criado um banco de voluntários para acompanhar idosos que vivam sozinhos. O projecto “Voluntário D’Ouro Voz Amiga” conta com 90 pessoas para acompanhar os mais velhos, ainda que à distância.
Para o efeito, a autarquia disponibiliza a cada voluntário um telemóvel que tem associado um pacote de minutos, com dados móveis. A ideia é fazer o acompanhamento diário de cerca de 300 idosos.

De acordo com o presidente da Câmara de Gondomar, Marco Martins, “a autarquia deu formação a esses 90 voluntários através da Pista Mágica, que é a única escola no país, de voluntariado certificado e que tem sede em Gondomar”.
“Esses 90 voluntários, a quem a Câmara também atribuiu um telemóvel e um cartão de voz e de dados, ficam agora a acompanhar diariamente esses 300 idosos nesta primeira fase da transferência do acompanhamento dos técnicos da câmara para os voluntários”, adianta Marco Martins.

O autarca revela que, “complementarmente, também se mantém a rede de apoio montada na altura montamos”, que continua a levar aos idosos que precisam “a medicação, alimentação, compras para que evitem sair de casa”.
Estes cerca de 300 idosos que agora vão ter este apoio à distância fazem parte de um universo de cerca de 1.700 que vivem sozinhos no concelho.

“A Câmara Municipal de Gondomar tem uma base de dados de 18.500 idosos, inscritos no programa Idade de Ouro. E logo quando começou a pandemia, em 10 de março começamos a contactar telefonicamente um a um para perceber as necessidades e para perceber qual era o seu ambiente familiar de suporte”, refere o autarca de Gondomar.

Marco Martins adianta, por outro lado, que “desses 18.500 detectamos que 1.700 moram sozinhos e desses, 300 não têm qualquer tipo de retaguarda familiar ou de vizinhos”. voluntário um telemóvel. A ideia é fazer o acompanhamento diário de cerca de 300 idosos que não têm suporte familiar.

Em Gondomar foi criado um banco de voluntários para acompanhar idosos que vivam sozinhos. O projecto “Voluntário D’Ouro Voz Amiga” conta com 90 pessoas para acompanhar os mais velhos, ainda que à distância.
Para o efeito, a autarquia disponibiliza a cada voluntário um telemóvel que tem associado um pacote de minutos, com dados móveis. A ideia é fazer o acompanhamento diário de cerca de 300 idosos.

Assim, “desde meados de março até agora esses 300 foram acompanhados diariamente e monitorizados pelos serviços sociais da camara de Gondomar”, e como “há necessidade de dar continuidade a este acompanhamento e a este apoio que a tanto se habituaram, tanto precisam e tanto merecem”, a câmara decidiu avançar com a iniciativa “Voluntário D’Ouro Voz Amiga”.

“O calor de um abraço à distância” é o lema da iniciativa que dá continuidade ao projecto criado pela autarquia em plena pandemia.

15.5.20

Quem está no grupo de risco da pobreza na Suíça

Por Pauline Turuban, in Swissinfo

Quase 8% da população já vivia na pobreza na Suíça antes da crise do coronavírus, e mais de um milhão de pessoas estavam lutando para se manter acima do mínimo de subsistência. A pandemia ameaça empurrar muitas delas para o crescente grupo do "precariado".

Distribuição de alimentos em 2 de maio de 2020 em Genebra.
Cerca de 2500 pessoas esperaram em fila para receber uma cesta básica de alimentos durante uma ação humanitária organizada dia 2 de maio em Genebra.

As imagens causaram tanta impressão que foram veiculadas nas principais mídias internacionais, como o The GuardianLink externo (Inglaterra), New York TimesLink externo e a RFILink externo: centenas de pessoas numa fila de mais de um quilômetro no sábado passado, repetindo a cena do sábado anterior, para receber gratuitamente cestas de alimentos no valor de 20 francos cada em uma das cidades mais ricas e caras do mundo, Genebra.

Apesar de sua riqueza, o cantão de Genebra também é marcado por significativas disparidades sócio-econômicas. Desde o início da crise do coronavírus, o número de pessoas solicitando auxílio alimentar quadruplicou. A epidemia de Covid-19 destaca a fragilidade de parte da população, que perdeu parte ou mesmo todas as suas fontes de renda da noite para o dia.

A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) e os Hospitais Universitários de Genebra (HUG) realizaram uma pesquisaLink externo com os beneficiários dessa distribuição de alimentos no dia 2 de maio. Os resultados foram publicados na segunda-feira e mostram que mais da metade dos participantes não tem status legal. No entanto, a pesquisa sublinha que mais de um terço dos presentes são elegíveis para assistência social (cidadãos suíços, residentes com autorização de residência ou requerentes de asilo).

Statut des bénéficiaires de l'aide alimentaireStatut des bénéficiaires de l'aide alimentaire à Genève

Muitas dessas pessoas de diversas origens nacionais trabalham em serviços domésticos, como creches ou limpeza, explicou o professor François Chappuis, médico do HUG, à rede de televisão pública RTSLink externo. Estes contratos precários foram em boa parte revogados com a entrada em vigor das medidas de semi-confinamento em meados de março. Várias mulheres têm se apresentado como mães solteiras. Alguns dos presentes são cidadãos suíços.

A pesquisa fornece mais evidências da extrema fragilidade dos beneficiários. Em particular, descobrimos que 6 em cada 10 entrevistados não têm cobertura de saúde, e essa proporção sobe para quase 9 em cada 10 entre os migrantes indocumentados. Mais de 10% dos entrevistados desistiram dos cuidados médicos nos últimos dois meses.

Agravamento de vulnerabilidades pré-existentes
Antes do início da crise do coronavírus, a pobreza e a insegurança já eram uma realidade para centenas de milhares de pessoas na Suíça. De acordo com os números publicados este ano pelo Departamento Federal de Estatística (OFSLink externo), cerca de 660 mil pessoas (quase 8% da população) foram afetadas pela pobreza em 2018 e mais de um milhão de pessoas, ou cerca de uma em cada sete, estavam em risco de cair nela.

Havia mais de 130.000 trabalhadores pobres no país. Mais de uma pessoa em cada cinco, por exemplo, não tinha recursos financeiros suficientes para fazer face a uma despesa inesperada de 2.500 francos.

Taux de pauvreté par critères socio-démographiquesTaux de pauvreté par critères socio-démographiques

Os perfis já vulneráveis, como as famílias monoparentais, os desempregados sem mais direito a seguro social, ou as pessoas que vivem à margem da sociedade, como os migrantes indocumentados, representam hoje a maioria das pessoas que se dirigiram à Cáritas Suíça desde o início da crise da Covid-19. Nos últimos dois meses, a associação que ajuda as pessoas mais precárias tem visto um forte aumento no número de consultas. Elas dobraram ou até triplicaram em alguns ramos.

Forte impacto sobre os autônomos

No entanto, as medidas de semi-confinamento também enfraqueceram outras categorias da população que estão mais integradas social e economicamente. Os cortes salariais ligados ao trabalho em horário reduzido, que afetam quase 2 milhões de trabalhadores, "podem levar a uma degringolada total, considerando que a remuneração já era baixa", observa o porta-voz da Cáritas, Fabrice Boulé.

Outro perfil vulnerável é o dos pequenos empresários independentes, privados de qualquer renda, que não têm reservas financeiras para sobreviver. Alguns deles tiveram que recorrer à ajuda transitória da Cáritas, como 4000 pessoas no país, diz o representante da organização. A Confederação prometeu ajuda urgente, mas esperar por esse apoio do Estado teria sido suficiente para endividá-los, explica ele.

Um terço dos 600 mil autônomos da Suíça acredita que está arriscando sua sobrevivência com a crise do coronavírus, segundo pesquisaLink externo realizada em abril pelo Centro de Pesquisa Econômica da ETH Zurique e HEC Lausanne.

Há uma brigada de voluntários a “cozinhar” cantinas de urgência

Rute Barbedo (texto) e Daniel Rocha (fotografia), in Público on-line

Não vivem de fundos públicos nem são instituições de solidariedade, mas distribuem refeições a centenas de pessoas. Em Lisboa e no Barreiro, cinco colectivos acreditam que dependeremos cada vez mais de iniciativas autónomas para enfrentar os novos tempos.

12h55. As pessoas começam a vir à porta para perguntar quando começa. Acima do balcão metalizado, duas inscrições: “Isto não é um bar”; “Isto não é um restaurante”. Nunca foi. A associação RDA – Recreativa dos Anjos é um projecto político, autónomo e comunitário que, em tempos de covid-19, decidiu concentrar as actividades no essencial: uma cantina solidária que distribui refeições quentes e gratuitas a quem precisa.

De casa em casa, estes enfermeiros levam cuidados e uma palavra amiga a quem mais precisa
No primeiro dia, em Março, apareceu pouca gente. Foi preciso descer a Avenida Almirante Reis, em Lisboa, a passar a comida e a palavra. Agora, oferecem uma média de 150 refeições por dia, sem folgas, e a própria Junta de Freguesia de Arroios encaminha pedidos de apoio para a associação. A quem chega não fazem perguntas, não há requisitos a preencher. Por isso, também não há um padrão na fila que se avoluma ao bater da uma da tarde. São sem-abrigo, novos desempregados, trabalhadores à jorna que perderam os rendimentos de um dia para o outro, imigrantes, portugueses, novos e velhos. A clientela habitual – “estudantes, jovens, hipsters”, no resumo de Luhuna Carvalho, membro da assembleia do RDA – que vinha aos concertos, conversas, filmes e noites de festa da associação em tempos normais – está fechada em casa. Um novo bairro emergiu.

Até às 15h, seis voluntários continuarão a oferecer pratos de massa, carne e legumes. Há também iogurte, uma peça de fruta e água. No entanto, este não é um acto de caridade, mas antes um passo no sentido da autonomia e da entreajuda. Como lembra Luhuna, vários filósofos acreditam que o momento que vivemos é um “ensaio geral” das crises que se seguirão, ligadas às alterações climáticas, e que, nelas, “a acção dos estados oscilará entre a incapacidade de cuidar de todos e a intensificação dos seus traços mais autoritários”. Mais do que dar comida, a cantina é, por isso, uma forma de “colocar em prática processos colectivos de autonomia e organização que permitirão enfrentar os tempos que se aproximam”, acredita Luhuna Carvalho.

O donativo espontâneo
Daniel, 36 anos, equilibra a comida nas mãos. Chegou a Lisboa no dia 20 de Fevereiro, vindo de Londres, onde foi cozinheiro e motorista. Alugou um quarto, ia recomeçar a vida, até que ficou “tudo nebuloso”. “Ainda tenho lugar para dormir mas o dinheiro está a acabar”, conta. Por isso veio pedir comida. “Nunca tinha chegado a este ponto, mas também não me envergonho. Prefiro estar aqui do que roubar.” Apesar de tudo, está tranquilo. Nas filas para a comida, tem conhecido “muita gente que está a passar pelo mesmo” e isso ajuda a aceitar o novo normal, o mesmo que calhou a Josefa, 51 anos, que há dias passou por acaso nesta rua e descobriu a cantina solidária. Empresária no negócio do transporte individual (TVDE), quando “a situação apertou”, viu-se obrigada a dispensar os trabalhadores e a mudar-se do apartamento arrendado para um quarto que partilha com o filho. “Ele ganha pouco, é mecânico de elevadores, mas dá para o quarto. E eu levo a comida. Uma refeição daqui, outra ali de cima, do Exército, muito boa também.”

Provavelmente, Daniel e Josefa nunca conhecerão quem lhes paga as refeições dos dias da pandemia. Tal como acontece com outros colectivos da zona, o sistema de cantina solidária é sustentado por donativos, até porque, com a aplicação do estado de emergência, os bares que suportavam cada um dos espaços foram suprimidos.

“Sempre consideramos a cantina uma das coisas principais. O RDA começou nos anos da austeridade [em 2010] e essas refeições [que custavam 2,50 euros] surgiram como economicamente viáveis para muita gente”, recorda Luhuna. Com o confinamento, pensaram que aconteceria o mesmo. “Fizemos isso durante uma semana, mas não vinha ninguém”; decidiram oferecer. “Tínhamos dinheiro para 30 ou 40 refeições por dia durante uma semana. Depois, logo se via.” E o que se viu foi que “começaram a chover donativos, ao mesmo tempo que aumentava o número de pessoas” à procura de apoio. Na primeira semana oscilaram entre 30 e 40 por dia, no final de Abril, chegaram a aparecer 200.

Na mesma zona da cidade, colectivos vizinhos protagonizam situações semelhantes através de uma rede de voluntários, alguns desempregados, outros em lay-off e outros, ainda, que conseguem dar tempo por terem horários flexíveis. Por vontade de um grupo de amigos, o Provisório criou a Cantina Solidária Temporária, uma espécie de sistema pop-up para estes dias de emergência e calamidade, que serve uma média de 85 refeições diárias; a Disgraça oferece refeições quatro dias por semana; e no Barreiro, a Cooperativa Mula distribui cerca de 80 refeições e 90 cabazes por dia (tanto à porta, como em entregas ao domicílio). Para lá do plano alimentar, está a Brigada de Bairro, uma rede informal – composta por perto de 100 voluntários – que liga todos estes projectos através de um trabalho de comunicação com a comunidade e de sinalização de necessidades no terreno. “Dizemos onde podem ter refeições, tentamos perceber se precisam de comida em casa, mas de outras coisas também, como ir à farmácia, passear animais, levar o lixo ou só conversar. Vemos o que podemos fazer ou para onde as podemos encaminhar. Também já encaminhámos um caso para a Junta”, explica Ana Reis.

Não há planos estanques
A melhor forma de estar em ressonância com o momento, acreditam os colectivos, é estar na rua e criar respostas em função do que acontece. “Temos uma relação muito próxima com as pessoas. Começámos a ver domésticas, ‘mexilhoeiros’ [apanhadores de mexilhão], arrumadores de carros a ficarem sem dinheiro de um dia para o outro. Foram os primeiros. Decidimos criar uma cantina de urgência, em que cada um dava o que pudesse. Mas rapidamente começámos a ver que as pessoas não davam nada, porque não tinham”, conta Mário Negrão, da Cooperativa Mula. Não foi por isso que pararam, e, mais uma vez, começaram a surgir donativos, ainda que nesta fase comecem a escassear. “Já gastámos mais do que o que recebemos”, afirma o activista. Em paralelo à confecção de refeições, às famílias numerosas a Mula decidiu oferecer cabazes, e está também a cultivar um terreno baldio próximo da cooperativa, porque é preciso “ter um backup”.

Mas até quando se aguentarão de pé estas cantinas? “Enquanto houver dinheiro e necessidade, vai continuar”, assume o RDA. Já o colectivo do Barreiro revela-se mais pessimista. “A Cantina Solidária da Mula poderá ter de em breve deixar de ajudar tantas pessoas. A Cooperativa Mula não é uma IPSS, não recebe apoios camarários ou estatais, para além de coisas pontuais e que agradecemos. Mas na verdade, temos de ser francos, temos feito as vezes de várias dessas responsabilidades”, comunicou a organização a 29 de Abril.

Além de apelarem a doações, os colectivos planeiam desenhar uma estratégia que os torne independentes da grande distribuição para a aquisição de comida, de forma a chegarem aos produtores sem ter de passar pelas margens dos intermediários, naquilo que é mais uma vez uma acção política. “O papel dos supermercados está a ser muito reduzido e temos a intenção de confrontá-los”, argumenta Mário Negrão.

Para o colectivo do Barreiro, a consciência é de que, ainda assim, fazem “muito pouco para as necessidades que existem”. No entanto, acreditam que com a partilha de métodos possíveis de solidariedade poderão “inspirar à criação de outras redes como esta”. O propósito deste tipo de iniciativas, corrobora Luhuna Carvalho, “é passar de algo meramente assistencialista para algo politicamente mais forte. As pessoas ajudarem-se umas às outras e organizarem-se não é uma ideia utópica; acontece. Nós só estamos a pegar em coisas que já existem, a desenterrá-las, a limpar-lhes o pó e a metê-las a funcionar”.

País avança para 2.ª fase do desconfinamento sem avaliar a primeira – e os portugueses estão mais cansados

Maria Lopes, Victor Ferreira e Liliana Borges, in Público on-line

Compromisso de reavaliação a cada 15 dias não foi cumprido logo na primeira fase. Inquérito mostra que os portugueses admitem que a sua saúde mental está a piorar e que 14% dos trabalhadores ficaram sem qualquer rendimento.

Dez dias depois do início do desconfinamento, com a abertura de algum comércio e serviços públicos e o uso obrigatório de máscara, ainda não é possível avaliar o impacto do alívio de restrições. Porque ainda não decorreu tempo suficiente, afirmou-se nesta quinta-feira de manhã no Infarmed. Apesar disso, o país passa na próxima segunda-feira à segunda fase, com o regresso à escola do 11.º e 12.º anos e creches, e a reabertura de cafés e restaurantes.

Esta falta de avaliação sobre se o desconfinamento está a correr bem ou não nem sequer motivou dúvidas na plateia – entre órgãos de soberania, partidos ou parceiros sociais, apenas o PAN fez perguntas aos especialistas. As informações apresentadas dizem respeito apenas à semana passada, ou seja, a cinco ou seis dias de desconfinamento. E são precisos até seis dias para incubação do vírus e até mais oito para manifestação de sintomas – um ciclo que só se completa no próximo domingo.

De casa em casa, estes enfermeiros levam cuidados e uma palavra amiga a quem mais precisa
Ou seja, apesar de o Governo se ter comprometido a fazer avaliações quinzenais antes de decidir novos passos, desta vez não o conseguirá fará antes de abrir a segunda fase (que já está definida há duas semanas) e só ficou marcada nova reunião no Infarmed para dia 28 deste mês – altura em que já que consegue fazer a análise de dados concretos do desconfinamento com a devida distância.

Para já, enquanto o país tem um nível de transmissão de 0,98 (já foi de 0,95), é a região de Lisboa e Vale do Tejo que está mais “acesa”, com um R (número médio de contágios causado por cada pessoa infectada com coronavírus) de 1,07. O Centro fica-se por 1,03 e a taxa no Norte é de 0,91. Números que levaram o vice-presidente da bancada do PSD Ricardo Baptista Leite a considerar que a situação está no limiar. “Estamos no fio da navalha”, disse o deputado e médico.

Na primeira semana de Maio, houve uma progressão da infecção que não terá a ver com o desconfinamento geral, mas sim com o aparecimento de alguns surtos em zonas industriais, como na Azambuja e Montijo, nos hostels de Lisboa, e em lares, como em Alverca, Matosinhos e Gaia, e também com o aumento do número de testes realizados. É, neste momento, uma “epidemia controlada”, assinalaram os especialistas, que sublinharam que o alívio de restrições tem mesmo de ser gradual.

E se não se sabe se o aliviar de restrições manteve a mola da infecção em baixo, sabe-se pelo menos que o nível de saturação e ansiedade da população está a aumentar. Entre outros factores, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) está a estudar a saúde mental dos portugueses durante a pandemia. Tem vindo a diminuir o número de pessoas que avaliavam o seu estado de saúde mental como muito bom ou bom e a aumentar o razoável e mau. Essa tendência para um maior cansaço e desânimo tem vindo a aumentar, assinalou a presidente, Carla Nunes.

O desfasamento de datas entre a confirmação da avaliação da primeira fase de desconfinamento e o início da segunda foi registado pelo deputado do Chega, André Ventura, no final da reunião, argumentando que, nestas circunstâncias, o “risco é desmesurado”. O deputado pediu um ajustamento do calendário para permitir que a decisão política seja secundada pela informação científica como se comprometeu o primeiro-ministro.

O próprio Presidente da República referiu aos jornalistas que a “conclusão provisória é de que o R, indicador de transmissão, não mudou muito com o desconfinamento”. Mas ressalvou que ainda não passaram os 15 dias devidos.

Se não foi possível um balanço da evolução recente da doença, a ENSP já revelou os riscos sociais, mostrando que “esta pandemia não está a atingir todos de igual maneira - com dois segmentos da sociedade muitíssimo vulneráveis”, resumiu Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT. “São os mais velhos e também os de menores rendimentos, como agora se confirma, quem é mais atingido pela doença”, frisa este dirigente.

A secretária-geral da CGTP também destaca este “retrato da desigualdade” que lhes foi apresentado. “Não passou tempo suficiente para aferir que impacto teve esta retoma gradual. Mas é muito relevante constatar que as consequências sociais e laborais desta pandemia não estão a ser tidas em conta nesta retoma”, anota Isabel Camarinha.

Pelo barómetro da ENSP, uma em cada quatro pessoas que ganham menos de 650 euros mensais perdeu totalmente o seu rendimento, e entre os que ganham 650 a mil euros há 14% nas mesmas condições. Entre as 4000 pessoas que responderam ao inquérito, 14% ficaram sem qualquer rendimento. E 48% perderam total ou parcialmente rendimento. “Outro dado mostra que os casos de doença são mais numerosos entre os que têm menores retribuições, nas classes mais desfavorecidas”, destaca a mesma dirigente.

Face a este cenário, a UGT defende que os cientistas devem, a partir de agora, desagregar os dados por estrato sócio-económico ou nível de rendimento. Já a CGTP vai insistir na concertação social com a necessidade de ajudar os mais pobres a adquirir material de protecção como máscaras. Há 20% de portugueses que dizem ter dificuldade em comprar máscaras por causa do preço.

“Se as políticas públicas têm em conta os dados e se algumas das medidas excepcionais que têm vindo a ser tomadas precisam de ser avaliadas nos seus efeitos ou até corrigidas nos seus pressupostos, então é importante que passemos a ter dados que mostrem a assimetria da doença e das consequências por estrato social ou nível de rendimento, tal como aliás deixou a entender o Presidente da República, no seu discurso naquela reunião”, diz o representante da UGT.

Já a líder da CGTP frisa que os mais pobres recorrem menos ao teletrabalho, deslocam-se mais em transportes públicos e têm menos rendimento para “pagar 30 a 50 euros por uma caixa de máscaras” cirúrgicas descartáveis. “É uma despesa incomportável para alguém que ganha o salário mínimo ou pouco mais do que isso”, insiste, avaliando que “não chega baixar o IVA” destes produtos.

No encontro desta quinta-feira falou-se também da experiência de desconfinamento na Noruega, Áustria, República Checa, Dinamarca, Espanha, Alemanha e Bélgica, para concluir que a tendência geral é a de a reabertura da economia não ter causado, por enquanto, um descontrolo da taxa de transmissão. O tom, porém, mantém-se de prudência.

Foi também comparada a taxa de transmissão destes países com a portuguesa (0,98). Na Dinamarca, é de 0,85, enquanto na Alemanha de 0,87, na Bélgica de 0,84 e na Suécia 1,04. Aqui ao lado, Espanha regista agora 0,95.

Além da taxa de transmissão, é importante também que se mantenha um controlo diário da incidência do vírus. Actualmente, o crescimento ronda os 100/150 novos casos por dia, o que é sinal de alguma estabilidade e controlo. Uma subida para 300 será sinal de alerta. O pico de internamentos aconteceu a 16 de Abril: cerca de 1300, um número “acomodável” e ao qual o SNS consegue dar resposta.

Vacina da covid-19 da Universidade de Oxford provou ser eficaz num pequeno grupo de macacos
Ao contrário dos encontros anteriores, desta vez os especialistas e representantes políticos não discutiram sistemas de segurança ou de vigilância, mas fonte partidária presente na reunião recordou ao PÚBLICO que está a ser estudado um sistema a nível europeu, de utilização voluntária.

O sistema, que ainda está numa fase muito embrionária, garantiria o anonimato dos utilizadores através da atribuição de um número aleatório a cada telemóvel ou dispositivo. Em caso de infecção, o registo nessa aplicação seria feito por um médico e colocado numa lista pública, podendo os restantes utilizadores da aplicação saber se tinham estado em contacto com alguém infectado com covid-19 (através da ligação por bluetooth). Ao final de 14 dias (período de incubação do vírus) os dados seriam automaticamente apagados da aplicação. com Sónia Sapage e Sofia Rodrigues

Sindicatos pedem máscaras oferecidas ou mais baratas
Antevendo que a partir da próxima segunda-feira haverá mais pessoas em movimento, a CGTP defende um reforço na oferta de transporte. E na concertação social, que se reúne hoje, vai insistir que o Estado deve “oferecer as máscaras” a quem não as pode pagar, ou reduzir o seu preço.

“Quem menos tem, é quem tem menos apoio. No cluster de infecções na Azambuja, verficámos que muitos se deslocavam de comboio para aquele pólo logístico, alguns deles sem máscaras, não porque não as encontrem à venda, mas porque não têm dinheiro. E depois saíam todos ao monte, sem distanciamento”, conta a líder da CGTP ao PÚBLICO. E continua: “Precisamos de reforçar a oferta de transporte, é nem é preciso que seja mais o dia inteiro, basta que seja nos horários mais movimentados, ou então que as empresas apliquem um desfasamento nos horários, para evitar aglomerações”, advoga.

A UGT subscreve a oferta de máscaras ou uma descida nos preços. A medida poderia ser introduzida, diz Sérgio Monte, em linha com a condição de recurso, que o Estado já utiliza para determinar o pagamento de outros apoios sociais.

“Se o Estado entende que uma máscara é uma forma de controlar o perigo de contágio, subsidiar uma máscara a quem não a pode pagar é subsidiar a redução do risco de contágio”, defende o sindicalista.

Questionado pela Lusa sobre a dificuldade no acesso a máscaras, o secretário de Estado da Saúde garantiu ontem que o Governo está atento a “tudo aquilo que diz respeito às faixas mais vulneráveis da população”. Mas “o que tem chegado ao executivo é que tem havido uma mobilização da sociedade civil” e “que estas máscaras têm chegado a toda a população”.

“Aquilo que apelamos é que se mantenha esta mobilização da sociedade civil para que não falte a nenhum português uma máscara”, afirmou António Sales. Victor Ferreira

6.5.20

"Fome e a miséria serão uma realidade num dos sectores mais importantes"

Por Notícias ao Minuto

Ruy de Carvalho apela para que sejam tomadas medidas para ajudar os trabalhadores da indústria das artes e do espetáculo.
"Fome e a miséria serão uma realidade num dos sectores mais importantes"

Foi com uma reportagem da RTP que dava conta do facto de várias pessoas ligadas ao mundo do espetáculo estarem a receber donativos em alimentos que Ruy de Carvalho decidiu abordar o tema na sua página do Facebook.

A pandemia da Covid-19 tem afetado várias famílias espalhadas pelo mundo e Portugal não é exceção, incluindo os que fazem parte da indústria das artes e do espetáculo.

"Nem sei o que vos diga... A situação já não me toca directamente, mas é uma realidade para a maioria dos atores, produtores, técnicos... mas também da música, do bailado... A situação que se está a viver é um descalabro para a maioria dos agentes culturais para quem os apoios são praticamente nenhuns", começou por escrever o ator na rede social.

"Os teatros não vão conseguir abrir com as regras que todos devemos seguir... É impossível viver com uma sala só com 30, 40 ou 50 pessoas... isto se as pessoas forem ao teatro. E depois? Quem paga os compromissos que há para cumprir?", acrescentou, apelando para que as famílias mais afetadas no mundo do espetáculo sejam ajudadas.

"Espero que alguém faça alguma coisa rapidamente... Se assim não for, a fome e a miséria serão uma realidade num dos setores mais importantes... a cultura... e os artistas", rematou.

4.5.20

Carta aberta de uma cientista otimista às novas gerações

Tiago Rodrigues, in DN

Diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues escreveu a pedido do DN uma carta aberta às gerações mais velhas, às quais chama de tesouro inestimável da nossa sociedade.

Espero que seja verdade o que escreveu o dramaturgo russo Anton Tchékhov: só abrimos bem os olhos quando somos infelizes. Se assim for, teremos a capacidade coletiva de aprender durante a travessia da tempestade que é esta pandemia, olhando melhor para o que é mais importante. Seria bom que os dias difíceis que estamos a viver nos tornassem mais sábios e servissem para compreendermos que as gerações mais velhas são um dos tesouros inestimáveis da nossa sociedade. Seria fundamental que compreendêssemos que aqueles que, nas últimas semanas, nos habituámos a nomear como um grupo de risco são, na verdade, um grupo que não podemos arriscar perder. É a vós, os mais velhos de entre nós, que endereço estas palavras e a minha esperança.

Espero que neste tempo de distanciamento social tenhamos a capacidade de sentir (de sofrer, mesmo) a falta que nos fazem e a falta que vos fazemos. Ao abandonarmos de modo gradual o confinamento a que temos estado sujeitos, o regresso à vida não deveria significar voltarmos à normalidade de antes. Devíamos aproveitar para trilhar convosco um caminho que nos dirija a uma sociedade em que envelhecer não seja sinónimo de solidão, negligência, abandono. Não apenas por vós, mas por nós e pelos vindouros. Devíamos, com a força das coisas inadiáveis, compreender que o que fizermos por vós hoje é o que podemos aspirar a que façam por nós no futuro. Devíamos saber cuidar de vós.

Espero que nos ajudem a entender que não faz sentido falar do "vosso tempo" porque quem está vivo está sempre no seu tempo. Agora que nos vai ser exigido um esforço extraordinário para regenerar as nossas comunidades, devíamos encontrar maneira de contar com a vossa experiência para levar a cabo essa tarefa. Devíamos apelar com humildade à vossa participação na família, no trabalho, no lazer. A escritora inglesa Virginia Woolf escreveu que, com a idade, passamos a apreciar melhor a primavera. Em todos os setores da nossa sociedade, precisamos de gente que saiba apreciar a primavera. Precisamos de avós, biológicos ou não, mas sobretudo afetivos e culturais.

Como nos diz o psiquiatra Daniel Sampaio, "ser avô é uma paixão" e as nossas crianças precisam mais do que nunca dessas relações em que a empatia e o prazer são soberanos, em que o exercício da memória e o fenómeno de transmissão asseguram uma educação com valores. Também em muitos setores da sociedade devíamos saber pôr de lado a nossa arrogância e a nossa obsessão pela produção e pelo consumo desenfreados. O poeta e cardeal José Tolentino de Mendonça escreveu recentemente que "a velhice é um laboratório de vida presente e não só passada, uma escola onde se aprofunda o significado da esperança e do amor". Nas empresas, nas escolas, nos hospitais, nos teatros, nos estádios, não podemos dar-nos ao luxo de continuar a dispensar a vossa proverbial sabedoria. Devíamos deixar-vos cuidar de nós.

Espero que sejamos capazes de tratar-vos como iguais, usando de compaixão, mas não de condescendência. Isso significa termos consciência de que entre vós estão muitas pessoas que contribuíram para as profundas desigualdades sociais e a precariedade laboral com que ainda se debate a nossa sociedade, flagelos como a violência doméstica e o racismo sistémico, ou a crise climática em que está mergulhado o planeta. No entanto, entre vós estão também as pessoas que construíram a democracia em que vivemos; que conquistaram a liberdade de que agora beneficiamos; que foram perseguidas, presas e torturadas pela ditadura fascista em nome dos direitos que hoje nos são garantidos; que construíram o Sistema Nacional de Saúde que hoje vem em nosso socorro; que se bateram pela igualdade e pela justiça; que pesquisaram e puseram a ciência ao serviço do nosso bem-estar; que trabalharam a terra e desenvolveram as indústrias; que criaram as obras artísticas a que hoje chamamos o nosso património cultural; que se sacrificaram, com um sorriso, em nome das gerações futuras, migrando, trabalhando, educando, pesquisando, semeando, defendendo, criando, cuidando de um futuro que agora é o nosso presente. Estar na vossa presença é estar em face da substância das pessoas e do povo que somos. Devíamos cuidar melhor do que fizeram por nós.

Espero que vos saibamos amar da maneira que merecem, com esse amor que é a forma mais perfeita de atenção e respeito. Sei que somos inúmeros, os que esperamos que este amor seja cada vez mais possível. Mas não basta esperarmos. Temos de fazer melhor do que isso. "Podes esperar tudo da vida, mas nunca fiques à espera", dizia-me a minha avó Ana, vendo-me empoleirado durante tardes inteiras na cerejeira da minha infância, distraído da tarefa que me tinha sido atribuída de colher as cerejas maduras. Por isso, aqui vai a pergunta que tinha para vos fazer: se pedirmos com educação, ensinam-nos a apreciar a primavera?

Diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II

30.4.20

Refood regista aumento dos pedidos de ajuda

por Márcia Fernandes, in A Voz de Trás-os-Montes

Com a pandemia a assolar o mundo e a região, a associação não tem mãos a medir para ajudar quem mais precisa, notando já um aumento dos pedidos de ajuda por parte das famílias vila-realenses.

Os tempos não estão fáceis para ninguém e todos os dias têm chegado novos pedidos de ajuda de famílias vila-realenses à Refood, uma associação que oferece bens alimentares a quem mais precisa.

Numa altura em que muitos portugueses perderam rendimentos, outros ficaram mesmo sem qualquer meio de subsistência, a Refood de Vila Real não para e continua a levar comida aos mais necessitados.

Antes da pandemia do novo coronavírus, a associação apoiava cerca de meia centena de agregados familiares, situação que se agravou com a crise provocada pelo vírus invisível, como nos confirmou uma das voluntárias mais antigas da Refood, Helena Silva. “Apoiávamos 51 famílias, num total de 150 pessoas, número que subiu para mais 15 famílias, ou seja, no total já são 66 agregados familiares”.

Os pedidos chegam através das redes sociais, sinalizados pelas Juntas de Freguesia, mas sobretudo através do boca-a-boca.

As famílias são de todo o concelho e não apenas da cidade, revelou a voluntária, que é também a responsável pelos beneficiários. “Não são só da cidade, há pessoas de Parada de Cunhos, Arroios, Mouçós, Mateus ou Folhadela”.

É a única associação “100 por cento voluntária”, frisa Helena, que lamenta que as empresas de Vila Real não estejam sensibilizadas para a causa. “Tive a experiência, juntamente com uma colega, em que andámos pela zona industrial. As pessoas mostram simpatia com a causa, elogiam o nosso trabalho, mas não ajudam muito, pois poderiam consignar os 0,5 por cento do seu IRS a favor da associação, por exemplo”.

Para contornar as dificuldades, os voluntários são a força motriz da Refood, que tem ainda a ajuda de hipermercados, alguns restaurantes e pastelarias. “Promovemos iniciativas. Tínhamos programada a Feira da Flor, que não conseguimos realizar. Era sobretudo aproveitada para vender bolos, compotas, artesanato, feitos pelos voluntários para ajudar a associação”, revela Paula Ferreira, outra voluntária, adiantando que têm parcerias com três grandes hipermercados, mecenas anónimos, alguns restaurantes e pastelarias. “Apesar de alguns terem estado fechados, quando começaram a trabalhar em take-way começaram logo a ajudar”.

Com cerca de 100 voluntários ativos, a Refood teve de se ajustar e alguns tiveram mesmo de dar muitas mais horas para que a ajuda continuasse a chegar aos mais necessitados. “Como muitos são estudantes universitários, nos primeiros 15 dias tivemos dificuldades, mas outros assumiram o trabalho, fazendo muito mais do que o habitual, mas também o estamos a fazer porque temos essa disponibilidade”, explica Paula Ferreira, que é também responsável pelo voluntariado.

“NÃO TENHAM VERGONHA”
“As pessoas não devem ter vergonha de pedir ajuda, hoje são eles, amanhã poderá ser qualquer um de nós”.

Helena Silva refere que as pessoas sentem “muita vergonha” em pedir ajuda. “A experiência que tenho é que, muitas vezes, os mais envergonhados são os mais necessitados e toda a gente está sujeita a ter uma infelicidade nesta na vida, sobretudo nos dias de hoje e nesta sociedade”, sublinha, incentivando as pessoas a pedir ajuda se realmente necessitam. “Não precisam de ter vergonha. Quem sabe se daqui a alguns meses não nos pode vir a ajudar e estar já noutra situação”.

NECESSIDADE: UMA CARRINHA
Utilizam os veículos próprios para fazer a recolha e também algumas das entregas, por isso necessitavam de uma carrinha para ajudar a fazer a distribuição, neste período de pandemia. “Se fosse só uma carrinha a fazer o serviço, seria mais fácil fazer a desinfeção”, frisa Paula, que gostaria que os empresários ajudassem, por exemplo, com o combustível. “Se um posto de combustível pudesse ajudar a encher o depósito, era importante para desenvolver esta atividade”.

Desde abril de 2018 que a Refood se instalou na cidade transmontana, pelas mãos de António Santos, que conseguiu unir várias pessoas que se dedicam à causa de “corpo e alma”, sem receber nada em troca, apenas o carinho e amizade de quem é ajudado.

22.4.20

Dia da Terra: Guterres propõe seis ações para se salvar o planeta

in Sábado

"O impacto do coronavírus é imediato e terrível. Mas há outra emergência profunda, a crise ambiental do planeta", disse o secretário-geral da ONU.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, propôs à comunidade internacional seis ações para salvar o planeta, numa mensagem para assinalar hoje o Dia da Terra.

Coronavírus: Poluição do ar diminuiu, mas Coronavírus: Poluição do ar diminuiu, mas "mal já está feito"
"O impacto do coronavírus é imediato e terrível. Mas há outra emergência profunda, a crise ambiental do planeta. (…) Devemos agir de forma decisiva para proteger nosso planeta, tanto do coronavírus quanto da ameaça existencial das perturbações climáticas", defendeu o líder da ONU.

"Os subsídios aos combustíveis fósseis devem terminar e os poluidores devem começar a pagar" pelos seus atos, afirmou, propondo ainda que "quando o dinheiro dos contribuintes for usado para resgatar empresas deve estar vinculado à obtenção de empregos verdes e ao crescimento sustentável".

Num vídeo publicado na plataforma de partilha multimédia Youtube, Guterres sugeriu que "o poder (…) fiscal deve conduzir a uma mudança da economia cinzenta para a verde e tornar as sociedades e as pessoas mais resilientes", recomendando igualmente que "os fundos públicos sejam usados para investir no futuro, não no passado, e fluir para setores e projetos sustentáveis que ajudem o meio ambiente e o clima".

Por fim, o secretário-geral da ONU sustentou a ideia de que "as oportunidades e os riscos climáticos devem ser incorporados ao sistema financeiro, bem como a todos os aspetos da formulação de políticas públicas e de infraestruturas". E para isso é preciso que a comunidade internacional trabalhe em conjunto, apelou.

"Devemos trabalhar juntos para salvar vidas, aliviar o sofrimento e diminuir as consequências económicas e sociais devastadoras", salientou, para argumentar que estes "seis princípios constituem um guia importante" para se garantir uma melhor recuperação de uma crise que é também "um despertar sem precedentes".

O Dia da Terra é comemorado a 22 de abril e destina-se a alertar para a importância de preservar os recursos naturais do planeta. Foi assinalado pela primeira vez há 50 anos e é atualmente celebrado em mais de 190 países.

16.4.20

Ponta Delgada com espaço para acolhimento de sem-abrigo

in Dnotícias

A Câmara de Ponta Delgada, nos Açores, cedeu um espaço que permite acolher e garantir refeições até 38 pessoas sem-abrigo na maior cidade açoriana, foi hoje anunciado.

Numa nota enviada às redações, a autarquia explica que, “na sequência da confirmação de um caso covid-19 entre a população sem-abrigo de Ponta Delgada, a Câmara Municipal cedeu um espaço disponibilizado pelo Núcleo de São Miguel do Corpo Nacional de Escutas que pode acolher até um total de 38 pessoas”.

“O vereador da Ação Social da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Paulo Mendes, na resposta ao pedido feito à autarquia pelo Instituto de Segurança Social dos Açores, afirma que, decorrente da atual situação e da necessidade de conjugação de esforços e meios, o município está disponível para ceder o espaço para o acolhimento das pessoas mais vulneráveis, bem como garantir as respetivas refeições”, lê-se na nota.

A autarquia, na ilha de São Miguel, refere, contudo, que “para a segurança da população em geral e para que a quarentena seja respeitada por todos os utentes, a cedência do espaço implica a garantia de policiamento permanente no mesmo”.

É também necessário “o acompanhamento de profissionais de saúde junto dos utentes dependentes de algum tipo de consumo e/ou com patologia associada e de uma equipa qualificada de uma das associações que trabalham na área”.

Segundo o vereador da Ação Social, citado na nota, “face ao potencial do contágio, sobretudo depois de identificado um caso positivo, é de mais absoluta importância que se realizem com urgência os testes junto deste público mais vulnerável do concelho de Ponta Delgada, para que os serviços competentes da área da saúde possam decidir sobre as condições da quarentena”.

A Autoridade de Saúde Regional anunciou no início desta semana ter detetado um caso positivo de covid-19 num sem-abrigo, na ilha de São Miguel, estando ainda a identificar os contactos próximos para detetar a origem da infeção.

No total já foram confirmados 101 casos de covid-19 nos Açores, 87 dos quais estão ativos, tendo ocorrido 10 recuperações (cinco na Terceira, quatro em São Miguel e uma em São Jorge) e quatro mortes (em São Miguel), segundo o balanço mais recente, de terça-feira.

A ilha de São Miguel é a que registou mais casos até ao momento (64), seguindo-se Terceira (11), Pico (10), São Jorge (sete), Faial (cinco) e Graciosa (quatro).

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já provocou mais de 124 mil mortos e infetou quase dois milhões de pessoas em 193 países e territórios.

Em Portugal, segundo o balanço feito na terça-feira pela Direção-Geral da Saúde (DGS), registam-se 567 mortos, mais 32 do que na segunda-feira (+6,%), e 17.448 casos de infeção confirmados, o que representa um aumento de 514 (+3%).

No Alentejo, segundo a DGS, há 155 casos de infeção confirmados e ainda não se registou qualquer morte por covid-19.

Um terço das mortes ocorre em lares de idosos

in RTP

Um terço das mortes por Covid-19 ocorreram em lares. São quase 190, os idosos que perderam a vida com o novo coronavírus. A Direção-Geral da Saúde diz que não estão a ser seguidas as medidas preventivas, como o controle de visitas e o isolamento de doentes.

7.4.20

Coronavírus. Mais de 115 mil trabalhadores com apoio para ficarem com filhos em casa

in RR

Os dados são da ministra Ana Mendes Godinho, no final de uma reunião de concertação social realizada por vídeoconferência.

Mais de 115 mil trabalhadores foram abrangidos pelo apoio financeiro dirigido aos pais que têm de ficar em casa com os filhos devido ao encerramento das escolas por causa da pandemia de Covid-19, anunciou a ministra do Trabalho.

Os números foram adiantados pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, numa conferência de imprensa após a reunião da Concertação Social que se realizou por vídeoconferência.


Segundo a governante, foram abrangidos pelo apoio aos pais 115.218 trabalhadores, dos quais 94.779 são trabalhadores por conta de outrem, enquanto 18.574 são recibos verdes e 1.865 do serviço doméstico.

O trabalhador por conta de outrem que fique em casa com os filhos tem direito a um apoio excecional correspondente a dois terços da sua remuneração base, enquanto o trabalhador independente recebe um terço da base de incidência contributiva, ambos com limites mínimo e máximo definidos.

Ana Mendes Godinho revelou ainda que 11.380 pessoas recorreram ao apoio por isolamento profilático, que garante o pagamento da remuneração a 100% durante 14 dias.

Quanto ao apoio aos trabalhadores independentes por redução de atividade, a ministra disse que houve 105 mil candidaturas.

Já em relação ao “lay-off” simplificado, Ana Mendes Godinho adiantou que até ao momento candidataram-se à medida 33.366 empresas, correspondente a um universo de 556.751 trabalhadores.

Espanha vai avançar com rendimento básico incondicional

in Negócios on-line

O Governo espanhol que colocar o RBI no terreno "o mais rapidamente possível" para ajudar as famílias, disse Nadia Calviño.

O Governo espanhol está a trabalhar no lançamento de um programa de rendimento mínimo garantido para as famílias, conhecido internacionalmente por rendimento básico incondicional (RBI), tendo como objetivo que este seja implementado o "mais rapidamente possível".

Esta medida faz parte de um conjunto de ações que o Governo espanhol está a planear para mitigar os efeitos da pandemia, que tem afetado particularmente o país vizinho. Espanha regista já um total de 13.055 vítimas mortais (segundo país do mundo com números mais elevados) e mais de 135 mil pessoas contagiadas com covid-19.

"Está em debate no governo e vamos avançar no curso desta legislatura", disse a ministra da Economia espanhola Nadia Calviño, em entrevista ao La Sexta.

Este programa de RBI está a ser coordenado pelo ministro da Segurança Social Jose Luis Escriva e o objetivo passa por colocá-lo no terreno "o mais rapidamente possível" para ajudar as famílias, acrescentou Nadia Calviño.

Apesar de a pandemia estar a acelerar a sua introdução, o Governo espanhol pretende que o RBI seja permanente e "fique para sempre como um instrumento estrutural".

O RBI, instrumento que atribui dinheiro às pessoas que não têm outras fontes de rendimento, já foi testado em vários países e os resultados não foram os mais favoráveis, embora algumas conclusões tenham sido positivas. Por exemplo na Finlândia concluiu-se que o impacto no emprego foi muito limitado, mas o bem-estar das pessoas aumentou.

Também Espanha vai avançar primeiro com um teste piloto, para avaliar depois como o RBI pode ser generalizado a toda a população espanhola e "assumir um carácter permanente".

Vamos avançar com o programa "o mais rapidamente possível", mas "para que seja útil, não será apenas para esta situação de exceção, mas ficará para sempre".

3.4.20

​Escritórios improvisados, cozinhas, quartos, salas. Em teletrabalho tudo serve para trabalhar

Liliana Monteiro, in RR

A nova realidade vivida por quatro famílias. Estão todos em casa, há que encontrar novas formas de organização e e de convívio.

Muitas famílias estão em casa em teletrabalho, ao mesmo tempo que cuidam dos filhos. Pais e mães procuram os lugares mais calmos na habitação para se concentrarem e realizarem os trabalhos diários que têm de cumprir. Pai e mãe alternam entre o trabalho e cuidar dos filhos e das refeições, noutros casos apenas um dos progenitores assegura tudo isso. Damos a conhecer a realidade de quatro famílias.

O dia começa à mesma hora de sempre, cedo, para as crianças não perderem o ritmo da normalidade e para que os pais possam trabalhar e, mesmo estando em casa, cumprirem horários e funções.

O mote é "manter a normalidade do dia a dia", famílias inteiras procuram organizar-se e manter o ritmo da vida quotidiana mesmo sem saírem de casa.

Cláudia tem os dois filhos, a Maria de 5 anos e o Manuel de 9 anos, assim como o marido em casa. Diz que a tarefa é desafiante, mas vão tentando organizar-se.

"O meu marido precisa de picar efetivamente o ponto e fazer trabalho de call center e estar em reuniões com a equipa. Ele está fechado no escritório e consegue fazer o horário de sempre, começa bem cedo às 7h30 para depois sair também cedo. Eu montei tudo na sala, o computador e o que preciso. O meu filho Manuel está na mesma mesa, à minha frente a fazer trabalhos de casa e a Maria vai brincando, ou está no sofá a ver filmes com auscultadores", explica.

Sofia está também em casa com o filho Tiago de 5 anos. O marido, GNR, está em prontidão, sempre à espera de novas ordens. A sala é agora escritório dela e do mais pequeno. "Ocupei a sala, a divisão com mais luz. O meu filho de vez em quando vem aqui ver se está tudo bem (risos), outras vezes senta-se à minha frente e monta o seu escritório com os desenhos, as letras e trabalhos para fazer. Às vezes troco e vou para a cozinha e trabalho na mesa da cozinha".

Cátia e Inês estão habituadas a trabalhar por casa sempre que é necessário, nesse aspeto o cenário não é novo, não fosse terem os miúdos por perto e um novo vírus que causa algum nervosismo mesmo dentro de quatro paredes.

"Eu estou a trabalhar em casa e o meu marido também. O meu filho Afonso vai ter de brincar sozinho e ao fim do dia damos-lhe a atenção necessária. Tem de ser assim", lamenta Cátia que mesmo assim sublinha que há coisas positivas nesta nova rotina, "tentamos tomar o pequeno almoço juntos que é algo que habitualmente não fazemos porque eu me levanto sempre muito cedo".

Inês com dois filhos, a Maria com 9 anos e o Miguel de 4 anos, tenta tornar os dias dinâmicos e encaixar o papel de gestora de 4 projectos, de mãe, dona de casa e de educadora, "fazemos brincadeiras, desenhamos, fazemos ginástica e mantemo-nos informados 2 vezes por dia, mas só lemos noticias de órgãos crediveis!", revela.

Voltamos à casa de Cláudia. Uma vivenda com espaço exterior, que revela, tem dado imenso jeito para os miúdos não se sentirem fechados. É de resto na rua que têm passado grande parte do dia.

Conta que a limpeza era habitualmente feita por uma empregada duas vezes por semana, mas tal como é recomendado, a senhora não prestará esse serviço nos próximos tempos, mesmo assim a família tomou uma decisão, "vou pagar-lhe na mesma, não consigo não pagar. É uma pessoa com alguma idade e trabalhadora precária, que tal como os outros vão ser muito afectados. Enquanto eu puder, vou pagar à senhora".

E porque o estar em isolamento abre um novo mundo de possibilidades, Cláudia aproveita também para relaxar e aliviar a tensão e encontrou uma solução, "hoje tenho o meu primeiro treino em live streaming com a treinadora, ela está no espaço físico da aula e cada uma de nós do grupo está em casa a treinar com ela".

Todas nos confessam que este isolamento tem-nas feito refletir sobre a vida e Inês confessa, "temos que parar para pensar e agradecer cada dia pelo qual estamos bem junto de quem mais gostamos e por termos saúde".

Claudia diz mesmo que esta Quaresma tem um sentido ainda mais especial, "este é um tempo de Quaresma diferente, em quarentena, em que o que nos é pedido é renunciar à liberdade em prol de um bem comum, façamo-lo!".

Não podiamos terminar esta reportagem sem dar a conhecer a técnica que Tiago de 5 anos usa para lavar as mãos e manter-se afastado o Covid 19, "'lavar as mãos e contar até 20 enquanto estamos a esfregá-las. Depois secamos e pomos desinfetante e depois cantamos os parabéns duas vezes. Ficam bem lavadinhas".

1.4.20

"Se não fosse esta refeição, morria." Como se protege os idosos da cidade da pandemia

Catarina Reis, in DN

Uma freira de 85 anos comanda a missão, os funcionários seguem-na. É assim que se continua a alimentar os idosos na Penha de França em tempos de pandemia. Uns na fila, com distância, outros em casa. O retrato do risco de uma capital envelhecida e pobre.

Dez minutos para as 12.00 e a fila já é longa na Rua Dr. Oliveira Ramos, na Freguesia da Penha de França, em Lisboa. A distância de segurança exigida torna mais silenciosa a espera destas dezenas de idosos - ao todo, são perto de 50. Todos se conhecem, porque estar aqui é um ritual diário, mas não trocaram palavra, nem sobre o sentimento de viver estes novos tempos que assolam Portugal e o mundo. Têm os olhos pregados ao chão ou atentos ao fundo da rua, tornando clara a tristeza destes dias.

Os idosos aguardam à porta do Centro Social Paroquial São João Evangelista de saco na mão. Dentro, os recipientes de plástico vazios que se hão de encher. À porta, Lúcia Moreira, 44 anos, rosto familiar a todos, vai recolhendo os sacos, três a três, e volta a trazê-los minutos depois com uma refeição quente - sopa e prato do dia -, fruta e laticínios. E é assim, nesta fila, que uma das zonas mais pobres e envelhecidas de Lisboa vai sobrevivendo ao coronavírus. Com as medidas de segurança exigidas. Mas mantendo a ajuda necessária.

A paróquia era o antigo centro de dia para muitos dos que esperam agora à porta. Aqui vinham conversar e estar. Mas agora as medidas de contingência fecharam as portas de espaços como este - sobretudo onde se aglomeravam vários grupos de idosos, considerados o maior grupo de risco do coronavírus. Não por acaso, os lares têm estado no centro da maior atenção por parte das autoridades de saúde e são os locais onde o vírus tem chegado em força. A maioria das vítimas mortais em todo o mundo tinham mais de 60 anos - sendo a taxa de mortalidade mais alta a partir dos 80.

O centro está a meio caminho entre o Bairro Horizonte e a Quinta do Lavrado, onde foram realojadas mais de 500 famílias da bem conhecida e já demolida Curraleira. Foi no verão de 2001 que o antigo bairro, um dos maiores aglomerados de barracas da capital, desapareceu do mapa. Alguns dos seus moradores estão agora nesta fila que se estende à porta do Centro Social Paroquial São João Evangelista. "Poucos são utentes e outros são apoiados com cabazes de alimentos", explica a Junta de Freguesia da Penha de França.

A maioria dos idosos que hoje procuram uma refeição quente em frente a estas portas são antigos vendedores ambulantes e ex-operários de fábricas de confeção de chapéus, luvas, roupas entretanto desaparecidas da cidade. "Realizaram muito do seu trabalho antes do 25 de Abril e, portanto, não fizeram ou fizeram poucos descontos para a Segurança Social", dependendo agora de "pensões baixas", esclarece o gabinete da presidência da junta. Uns vivem nas suas casas, mas grande parte dos que esperam nesta fila adormecem todas as noites num quarto alugado.

É o caso de Luís Santos, de 61 anos. Sem querer adiantar muito das voltas que a vida deu para aqui chegar, confessa que "se não fosse esta refeição não conseguiria mesmo sobreviver. A expressão é forte, mas sei que morreria à fome". Há sete anos que frequenta o centro de dia da paróquia, onde ia almoçar, "ficando para lanchar também". Por lá, mas a um canto, mais isolada, estava sempre Deolinda Coelho, 76 anos. "Gosto do meu espaço, de estar sossegada", diz. Por isso agora não lhe faz muita diferença a distância social que tem de manter na longa fila em que espera.

Cravando o olhar perdido ao fundo da rua, descai o ombro direito encostado à parede, com a mão esquerda agarra três sacos e com a direita apoia-se a uma grade de ferro preta. Debaixo do lenço axadrezado sobre os ombros leva uma manta lilás que esconde o topo da bengala canadiana em que ampara as mazelas que a vida lhe deixou no corpo: aos 72 anos, submeteu-se a uma mastectomia para travar um cancro feroz, há dois meses foi operada aos olhos, o que a obrigou a andar com uma pequena pala transparente e esburacada no olho esquerdo. Deolinda vive agora no quarto de um hostel "umas ruas acima". Faltam-lhe condições para mais e "daqui a uns dias" muda-se novamente.

Emanuel e as "cinco missionárias", projetistas da causa
"Ao que nada espera, tudo o que vem é grato", escrevia Fernando Pessoa. Uma máxima pela qual a paróquia se faz reger todos os dias. Os tempos de pandemia não são exceção. Enquanto a fila cresce e decresce lá fora, cá dentro fala-se de saudade: das mesas cheias, do burburinho das conversas cruzadas, do entra e sai de dezenas de seniores residentes na freguesia.

Sobre as mesas estão agora as cadeiras em que antes se sentavam. Falta o fado que se cantava depois da refeição, importado de uma antiga utente, "Fernanda, La fadista", vendedora ambulante de peixe e de boas cantigas quando de xaile ao ombro. Mas falta também o cantarolar do Bingo, as peças de dominó a tilintar umas nas outras na hora da competição.

"Faz falta", admite quem ainda fica cá. Mas "não era possível parar porque eles precisam tanto de nós", diz Lúcia. Vai até à sala quase vazia em passo apressado, com os sacos que recolheu na fila na mão. Dirige-se ao fundo da sala, onde se abrem duas largas portas para o cenário da cozinha do centro de dia. Lá dentro estão Carla e Tina, de 50 e 49 anos, respetivamente, as cozinheiras.

O relógio ainda não batera as 10.00 e já se preparavam as refeições quentes do dia: hoje é dia de sopa de grelos e esparguete com hambúrguer. "Fazemos tudo com muito gosto", sorri Tina, há quatro anos funcionária neste espaço. É este o menu, mas "eles gostavam era de uma feijoada ou de um cozido, isso é que era". E Carla acrescenta: "Antes ainda dava para fazer, agora já não, temos de pensar bem as refeições para que durem boas durante mais tempo."

Depois de encher os tupperwares, Lúcia continua a sua maratona. Não baixa a máscara, não descura o uso das luvas e atenta em cada passo, em cada toque, para garantir a máxima higiene no processo. Corre, corre para o dia acabar o mais cedo possível. De segunda a sexta, ergue-se todos os dias cedo da cama, para regressar muito perto da meia-noite. Em casa deixa cinco filhos e um marido acamado. "Tenho vivido de coração nas mãos, tenho de ter muito cuidado. Ando de máscara sempre que posso. Quando chego a casa descalço-me e dispo-me para ir logo tomar banho", conta. Os dias são passados 24 sobre 24 horas debaixo da máxima segurança: em casa ou aqui, Lúcia reconhece que todo o cuidado é pouco quando se vive perto daqueles para quem o vírus representa maior risco.

Antes de aparecer à porta onde devolve os sacos, faz uma paragem, passando o testemunho para Emanuel Sousa, 31 anos, auxiliar de serviços gerais do centro. O sol mal se tinha levantado nesta manhã e já o jovem guiava pelas ruas de Lisboa em direção à sede do Banco Alimentar, onde foi recolher "os frescos" - "porque na quinta-feira é dia de frescos" - e outros produtos que compõem o cabaz que entregam no saco que os idosos lhes trazem.

A parceria entre o centro e a instituição tem anos, "ainda era o Banco Alimentar uma pequena cozinha em Alcântara", conta. Uma embalagem de iogurte grego, outra de gelatinas, um queijo dos Açores, fruta. Emanuel vai enchendo os sacos e lembrando como um dia foi ele mesmo e a sua família quem precisou de sair daqui de saco cheio em direção a casa.

"Tinha 9 anos, a primeira vez que aqui vim", conta. A mãe trabalhava como funcionária num colégio "aqui perto" e depois das aulas, com ela, Emanuel vinha até à paróquia para almoçar a sua refeição quente. "Antes, juntavam-se aqui tanto novos como velhos", todos à procura de apoio alimentar para o qual raramente as finanças do mês chegavam. Entretanto, e durante vários anos, tornou-se voluntário no centro, onde há cerca de dois anos assumiu funções a tempo inteiro como braço direito da irmã Ângela Lopez, a maior responsável pela gestão diária do espaço.

De cabelo grisalho, bengala na mão, é do alto dos seus 85 anos que a irmã Ângela diz: "Não tenho medo deste vírus". Teme pelos outros, diz ter dobrado as rezas diárias por todos aqueles que já não entram pela porta todos os dias, mas a ela o vírus não assusta, garante num sotaque barcelonês. Talvez por "já ter visto tanta batalha". Nascida em Barcelona, Espanha, rumou a Portugal em 1955, de uma ditadura para outra. Estava "no Rato" quando a Revolução de Abril aconteceu. Nasceu em plena Guerra Civil Espanhola, e as marcas fizeram parte do seu crescimento nos primeiros anos de vida. Para cada conto da história, tem a resposta na ponta da língua e por isso, sublinha, a pandemia não a assusta.

É por ela que o centro continua aberto. "A irmã não suportava a ideia de deixarmos de dar a mão a estas pessoas", garante Carla. Por isso deu ordens para que "as cinco missionárias", além de Emanuel, ali permanecessem como engrenagens necessárias para que a causa aconteça. "Cinco missionárias", como decidiu chamar-lhes, um grupo integrado pela cabo-verdiana Lúcia, as portuguesas Carla e Tita, uma outra funcionária indiana e ainda a assistente social do centro paroquial, também portuguesa.

Depois de Emanuel encher os sacos, Lúcia pede a atenção da irmã Ângela, ditando-lhe nomes. Sentada ao canto de uma mesa, de caneta vermelha na mão, a irmã marca com uma cruz os nomes escritos na extensa lista. Fechadas as portas da hora de almoço, verifica se todos os que prometeram vir lhe bateram à porta naquele dia. Senão, faz-lhes uma chamada: "Tento perceber porque não vieram, se está tudo bem, se estão doentes, se podemos fazer alguma coisa por eles." Afinal, o fado ainda ecoa cá dentro.


É então que liga Armindo Lopes, 75 anos, cuja ausência ficou marcada no papel que a irmã preenchia durante a hora de distribuição do almoço. É um dos dois a quem o centro tomou a iniciativa de entregar a refeição ao domicílio. Emanuel agarra dois sacos e guia até umas ruas abaixo. Armindo já o espera à porta de casa. "Amanhã à mesma hora?", pergunta, enquanto Emanuel lhe entrega o saco através da janela da carrinha. "Exatamente. Tenha um bom almoço!" Armindo é utente do centro há vários anos, mas "anda muito devagar, tem dificuldade motoras", com compras "ainda pior", por isso, nesta altura da pandemia que pede resguardo, a equipa tomou a liberdade de lhe levar a refeição todos os dias.

Pé no acelerador e Emanuel arranca outra vez. Agora até à casa de um casal também conhecido de todos no centro paroquial. Emanuel prepara o terreno para o que vamos encontrar: "A esposa tem uma doença leve, é o tipo de pessoa que se sair da rotina fica perdida. Se o marido sai, ele fica aflita, por isso nós levamos a refeição. São pessoas que tiveram outro tipo de educação, não conseguem entender muito bem esta fase, a dimensão das coisas." É quinta-feira e no dia seguinte há almoço reforçado para todos, "para evitar que saiam de casa durante o fim de semana", adianta.

De regresso ao centro, é a vez de Lúcia dar por terminada a entrega de refeições. Todos os dias, de saco na mão, máscara, luvas e touca, se dirige a um prédio antigo com vista para o velho Cemitério de São João para entregar a refeição quente a uma idosa de 76 anos. Foi a pedido da sua irmã, utente do centro, que se passou a prestar este serviço ao domicílio, ainda antes de estes tempos de pandemia exigirem o cuidado. Lúcia dá-lhe de que agora a sala do centro ficou vazia para que todos estejam em segurança.

Escadas abaixo, as portas dos vários andares do prédio vão-se abrindo para dar as boas-vindas a Lúcia, presença a que já estão habituados. Quando não vem, assinalam-lhe logo a falta: "Ontem não foste tu", lembra um dos vizinhos, José Antunes. No rés-do-chão, vai preparar o almoço para a mãe. E dá o exemplo: antes de passar a porta de casa tira o robe escuro que ainda tinha vestido e muda de chinelos. No rés-do-chão, veste outro robe, descalça os chinelos e coloca uma máscara para cumprimentar a mãe, Constância, de 86 anos. "Tem de ser, temos de cuidar dos mais velhos, principalmente nesta altura."

José Antunes vai preparar o almoço para a mãe. E dá o exemplo: tira o robe escuro que ainda tinha vestido
José Antunes vai preparar o almoço para a mãe. E dá o exemplo: tira o robe escuro que ainda tinha vestido e muda de chinelos. © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Como conviver com a pandemia quando a casa é um quarto
Foi a pensar no bem-estar da população mais vulnerável e carenciada que o Banco Alimentar decidiu criar neste mês uma rede de emergência alimentar, através da qual um grupo de voluntários se dedica à entrega de refeições ao domicílio a quem se inscrever para este apoio.

No dia 19 de março, o país entrou em estado de emergência. O primeiro-ministro falou aos cidadãos portugueses, sem fazer grandes exigências, apenas pedindo que todos fossem conscientes do que vivemos e do que ainda se avizinha. Para os maiores de 70 anos, considerados grupo de risco para o covid-19, o decreto prevê "um dever especial de proteção".

Os mais idosos só deverão circular em espaços e vias públicas ou em espaços e vias privadas equiparados a vias públicas para deslocações específicas: ao supermercado, a hospitais ou a centros de saúde, a bancos e para "passeios higiénicos" de curta duração. Mas são os que têm mais restrições os menos dispostos a aceitar as exigências dos novos tempos.

De acordo com um estudo da Nova SBE Health Economics & Management Knowledge Center da Universidade Nova de Lisboa (NHEM), através do qual uma equipa de investigadores acompanhou os hábitos dos portugueses durante a evolução do novo coronavírus no país, "são os idosos que dizem manter a sua vida mais normal do que os outros". Quem o diz é Eduardo Costa, investigador em economia da saúde no NHEM, em entrevista ao DN. "O inquérito em si não nos diz porquê, mas podemos ter algumas hipóteses, nomeadamente o facto de os mais velhos já terem passado por outras crises semelhantes, e portanto terem alguma suspeita em relação a esta situação. Efetivamente, alguns idosos podem não ter alternativas fáceis para continuar as suas vidas, e por terem continuado a sair à rua no início."

"Nada de andar na rua. Se o vir na rua, vou chamar a polícia." Foi assim que Emanuel Sousa se despediu do casal ao qual fez a última entrega ao domicílio do dia, na quinta-feira passada. São pessoas que "costumam sair quatro a cinco vezes por dia", por isso repete-se a recomendação as vezes necessárias. Vivem num quarto alugado, à semelhança de muitos idosos residentes na capital. Na Freguesia da Penha de França vivem lado a lado com "uma classe média bem estabelecida, sobretudo de pessoas que exerceram profissões liberais, comerciantes ou que tinham pequenas fábricas ou oficinas" e que "não necessitam do apoio alimentar do centro", explica a junta em resposta ao DN. "Há quem se ofereça para apoiar outros seniores com maior fragilidade apoiados pelo centro."

Luís Santos, um dos que esperavam na fila à hora de almoço, vive também num quarto alugado. E justifica a necessidade de continuar a passear pelas ruas da cidade, que apesar de mais vazias continuam movimentadas. "Menina, moro num quarto pequeno. Acha que vou ficar ali o tempo todo?", lança a discussão. Com o movimento que a casa que partilha com outros inquilinos tem, garante sentir-se mais seguro lá fora. "A frequentar o mesmo WC, a mesma cozinha... Em que ficamos? Ando a fugir das pessoas? Mais vale estar cá fora", diz.

A irmã Ângela responde e lembra: apesar das dificuldades, "temos todos de perceber que a nossa proteção é agora também a de todos os outros".

O que faremos aos velhos quando isto acabar?

Abel Coentrão, in Público on-line

É cruelmente irónico que um vírus que nos obrigou a travar a fundo — assemelhando as nossas cidades a cemitérios em dia de semana e as nossas casas a jazigos com gente enterrada viva — se sirva desta distância cavada entre nós e os nossos idosos para os apanhar indefesos.

Por estes dias, algumas crianças do ensino básico da comunidade piscatória de Caxinas, onde nasci, deveriam estar a fazer entrevistas aos seus avós ou bisavós, antigos pescadores da faina maior. Mas, como quase tudo na nossa vida, o projecto “As Caras do Bacalhau”, parceria entre a Bind’ó Peixe - Associação Cultural, de que faço parte, e o Animar - serviço educativo das Curtas Metragens de Vila do Conde, está suspenso, à espera que a tempestade passe e possamos retomar as nossas vidas.

Interrompemos, por causa de um vírus com uma assustadora letalidade entre os mais velhos, um reencontro entre gerações. Interrompemos, mais do que isso, uma experiência de reconhecimento do valor simbólico dos percursos de vida de pessoas comuns por parte daqueles que, lhes sendo próximos, os conhecem mal. Numa das entrevistas já realizadas, uma menina escutava embevecida, as deambulações de um ex-pescador pelos mares da Terra Nova, as suas estratégias para pescar mais, antes de concluir com um sorriso nos lábios: “Pois é avô, tu só tens a 4.ª classe, mas sabes muito!”.

Lembrei-me desta frase por estes dias ao escutar responsáveis políticos norte-americanos admitir que talvez se pudesse sacrificar os velhos, para salvar a economia. Outros, em vários países, pensam o mesmo, embora se escondam em eufemismos, para o não dizer. Nos hospitais de Itália, perante a exiguidade dos meios disponíveis, os médicos já são obrigados a fazer escolhas em que a idade conta, em muitos casos, em desfavor dos doentes, seguindo protocolos que transpõem para os cuidados hospitalares aquela que tem sido uma regra da civilização ocidental, desde que homens e mulheres passaram a ser definidos pela sua produtividade e possibilidade de exploração enquanto força de trabalho.

A terceira idade “não é mais do que uma fatia de vida marginal, associal no seu extremo — um gueto, um adiamento, um talude antes da morte”, escrevia Jean Baudrillard no seu livro A Troca Simbólica e a Morte. Em 1976, quando o publicou, era assim. Agora, a terceira idade talvez ainda tenha algumas hipóteses. Pelo que se vê pelas estatísticas, a quarta idade, que criamos entretanto, para a substituir, é a que está a sofrer mais na pele os efeitos desta dupla pandemia, a do vírus, e a do medo. Parte destas pessoas vive esse pavor da antecipação dolorosa do destino em lares, para onde as expulsamos, ainda vivas, depois de termos expulsado a morte de casa (para os hospitais), e afastado os mortos para essas cidades muradas a que chamamos cemitérios.


Tendencialmente, os velhos tornaram-se um fardo na era do PIB, em que somos estimulados a viver o presente e sonhar com um futuro. Coisa que, chegados à “antecâmara da morte”, deixamos de ter, fomos ensinados a crer. Nesta lógica em que procuramos o valor facial de tudo na vida, eles servem-nos se, eventualmente, ainda puderem “funcionar” como cuidadores da próxima geração — e isso, como sabemos, vale dinheiro, ao Estado ou aos pais. Mas, para lá disso, ao mínimo sinal de dependência que ponha em causa a capacidade produtiva dos filhos, estes são, cada vez mais, compelidos a escolhas que, ao retirar os pais do meio familiar, os colocam perante “uma morte social antecipada”, como escrevia, na mesma obra que revisitei por estes dias, o sociólogo e filósofo francês.

Dessa forma, nós os que ainda não chegamos lá, ganhamos tempo e espaço para responder ao frenesim de um quotidiano que se resume a duas grandes palavras de ordem (no sentido de ordenação): produzir e consumir, ou produzir para consumir. E mais do que o trabalho, é a capacidade de consumo, de experimentar o novo, o que nos impele, e cada vez mais nos define. E parece não haver outro sentido para a vida que não seja alimentar-se do sonho do prazer constante — no qual ter e sentir se confundem — que ninguém, na verdade, consegue alcançar. Sonho no qual a morte, obviamente, não tem lugar.

O problema é que nenhuma sociedade presa ao mito da eterna juventude gostará de velhos. E é cruelmente irónico que um vírus que nos obrigou a travar a fundo – assemelhando as nossas cidades a cemitérios em dia de semana e as nossas casas a jazigos com gente enterrada viva –, se sirva desta distância cavada entre nós e os nossos idosos para os apanhar indefesos. Alguém terá de fazer alguma coisa. Incapacitados de reorganizar a nossa existência, no ambiente de pânico destes tempos de confinamento, já não seremos nós. Mas o Estado, que nos manda para casa, também falha, como se viu em Espanha, onde as autoridades encontraram, num lar, vivos deitados lado a lado com mortos.

Em Portugal, todos os olhos, e as preocupações do Governo, se voltaram também, nos últimos dias, para esses lugares. Mas entre as várias histórias arrepiantes que vou lendo, a que me trouxe a esta reflexão foi a desgraça que se abateu sobre a lar da Misericórdia de Foz Côa, por ali ter andado gente que, de outra forma, cuidou daquela gente que agora morre ou se arrisca a morrer. Há uma década, a Acôa - Associação de Amigos do Parque e Museu do Côa, iniciou, naquele lar, o projecto Arquivo de Memória, que passei a acompanhar desde que o PÚBLICO lhe dedicou duas páginas, em 2015, por partilhar os seus propósitos. Ao longo destes anos, eles vieram Douro abaixo, até ao mar, como barca salvando pessoas, e as suas histórias, de uma outra morte. A do apagamento a que, com o nosso desinteresse, as vamos condenando.

“Noutras formações sociais a velhice (...) funciona como base simbólica do grupo. O estatuto de idoso, que completa o de antepassado, é o mais prestigiado. Os ‘anos’ são uma riqueza real que se transforma em autoridade, em poder, ao passo que hoje os anos ‘ganhos’ são simplesmente anos contáveis, acumulados sem se poderem trocar”, escrevia o filósofo Baudrillard. Acácio Fortunato, um velho amigo, que conheci com 95 anos, autónomo ainda, e a cuidar da mulher, sublinharia por baixo. “Nino, ninguém quer saber da nossa vida para nada”, disse-me, quase no final do nosso primeiro encontro, talvez descrendo da “utilidade” das perguntas que lhe fazia naquela longa tarde, preparando uma entrevista em vídeo que nunca chegaria a fazer.

Acácio Fortunato morreu em Outubro de 2017, a meses de completar cem anos (e como maldisse da minha vida atolada noutras obrigações, quando o soube). Muitos outros embarcaram também para essa viagem sem retorno, sem nos deixarem testemunho das suas vidas. Em Foz Côa, Adriano Augusto Lobão, também de 99 anos, deixou-nos no dia 27 deste mês, depois de ter adoecido naquele lar cercado pela morte. Mas, pelo menos dele, guardaremos, para memória futura, as memórias que partilhou com alunos de uma escola local, e que são, na verdade, parte da nossa história colectiva.

Preso, em casa, às notícias sobre a pandemia, pergunto-me se ela é apenas uma doença, ou se pode haver, no sofrimento que nos inflige, algum vislumbre de salvação, para lá da cura que ansiamos. Penso na crise ambiental, nas cidades onde não sinto, hoje, saudades do barulho dos carros, mas penso, sobretudo, nestas pessoas. Que ao contrário desses mesmos automóveis, por exemplo, não têm espaço, físico e simbólico, para viver entre nós.

Não tem de ser assim. E eu acredito que, sejam eles caras do bacalhau, como muitos dos meus conterrâneos, caras da nossa agricultura, dos países para onde emigramos ou das guerras que travamos, os patrimónios destes velhos e velhas que nós e o Arquivo de Memória ou de, outra maneira, a Música Portuguesa a Gostar dela Própria andamos por aí a resgatar, acabam por nos resgatar, também. Sem eles, até poderemos ter futuro. Mas já não seremos humanos.

Espinho tem albergue de campanha no parque de campismo para 18 sem-abrigo

in o Observador

A autarquia de Aveiro, em colaboração com os grupos de escuteiros de Anta e Espinho, disponibilizou 18 tendas individuais para acolher os cidadãos de Espinho em situação de sem-abrigo.

▲Colchões e roupa de cama foram cedidos por hotéis da cidade e os produtos de higiene foram doados pela delegação local da Cruz Vermelha Portuguesa

Envolvendo 18 tendas individuais disponibilizadas por essa autarquia do distrito de Aveiro, em colaboração com os grupos de escuteiros de Anta e Espinho, a nova estrutura de alojamento temporário conta também com colchões e roupa de cama cedidos por hotéis da cidade, bem como produtos de higiene doados pela delegação local da Cruz Vermelha Portuguesa.

“A comunidade sem-abrigo de Espinho não regista ainda quaisquer casos de infeção por Covid-19, mas o albergue, ao qual estes cidadãos podem aceder voluntariamente – não por imposição –, visa ajudá-los a resguardarem-se o máximo possível nesta época de pandemia”, afirmou à Lusa o presidente da Câmara Municipal de Espinho, Joaquim Pinto Moreira.

Juntamente com voluntários e técnicos de outras instituições sociais, também a paróquia de Espinho tem estado a sensibilizar a comunidade sem-abrigo para os riscos associados ao novo coronavírus e a oferecer-lhes “refeições em kit individual”. Os banhos, por sua vez, estão disponíveis no próprio balneário do parque de campismo.

Sem-abrigo entre os mais vulneráveis à covid-19

De Euronews

Há menos contacto, mais distância, cada vez menos pessoas nos dão dinheiro

Durante uma pandemia, existir pode ser uma dificuldade acrescida. Taofik vive há 12 anos na rua. O amigo, Laurent, há 10. Hoje fazem parte de uma das comunidades mais vulneráveis à covid-19.

Para que pessoas como eles não sejam esquecidas, a Cruz Vermelha francesa está a redesenhar as operações no terreno.

Nos subúrbios de Paris, a organização leva comida comida aos sem-abrigo e realiza exames médicos.

Maxime, voluntário, é pouco. "A vida não é fácil para eles. Não podemos fazer muito, mas sempre é alguma coisa".

Por aqui, a maioria das pessoas tem consciência do que é a covid-19 e de como pode ser uma presa fácil para a doença. Rafik também. Questionado sobre se tem medo de ser infetado, responde assertivo: "Como toda a gente, mas não temos escolha".

Procurando atenuar os efeitos da atual crise, a Cruz Vermelha está a reunir o maior número de pessoas para dar resposta às exigências da população.

"Para evitar que, além de uma emergência de saúde pública, tenhamos uma crise humanitária, a Cruz Vermelha está em todas as frentes, a mobilizar todos os voluntários e assistentes sociais, em todo o território", revela o diretor-geral da organização, Jean-Christophe Combe.

Uma das missões dos voluntários é atender o telefone.

A um departamento chegam chamadas de pessoas em toda a França que precisam que lhes entreguem medicamentos ou comida, ou simplesmente de alguém com quem falar. Na primeira semana de operações foram registadas 31 mil telefonemas.

Simon Cahen, diretor-adjunto do departamento de voluntários da Cruz Vermelha francesa, conta que o serviço visa sobretudo intervir junto de quem vive "em absoluto isolamento social", ou seja, "aqueles que não têm família, nem vizinhos, que são mais vulneráveis em relação à epidemia, porque estão acima dos 70 anos, ou têm doenças crónicas".

Para o diretor-geral da Cruz Vermelha, tempos excecionais requerem medidas excecionais.

"Acho que nem os hospitais, nem as forças de segurança, conseguem responder a uma crise desta magnitude sozinhos. Terá de haver uma mobilização da sociedade, dos cidadãos, das empresas, da comunidade para combater esta crise", afirma Combe.

Rapidamente a crise sanitária está a pôr à prova as autoridades, mas também as sociedades, num teste à solidariedade, um pouco por todo o mundo.

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27.3.20

Costa agastado no fim do Conselho Europeu: “Mesquinhez recorrente é uma ameaça à UE”

Vítor Matos, in Expresso

Não houve consenso em torno da ideia dos 'coronabonds' no Conselho Europeu, e Costa saiu da reunião agastado com os "frugais", sobretudo com a Holanda. Centeno vai estudar programa para conter a crise. "Temos de recorrer a todos os instrumentos", diz o PM português.

No fim do Conselho Europeu extraordiniário desta quinta-feira, para discutir a reação europeia à crise do novo coronavírus, António Costa deixou transparecer uma irritação com os países chamados "frugais" - mais concretamente contra a Holanda, numa declaração violenta e rara entre responsáveis europeus, classificando o "discurso" do ministro holandês das Finanças como "repugnante" e a atitude de alguns países como "mesquinha". Resultados do encontro? Quase nada: o Eurogrupo ficou mandatado para apresentar dentro de 15 dias um programa de ataque à crise económica.

Depois da reunião realizada por videoconferência, e onde os 27 não chegaram a acordo sobre a emissão de dívida comum (os chamados 'coronabonds'), o primeiro-ministro português foi questionado sobre uma frase do ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra, que disse esta semana que alguns países da UE tinham acumulado reservas enquanto outros como a Itália e a Espanha não o tinham feito, Costa foi violento. A jornalista que fez a pergunta citou uma frase que Hoekstra terá dito esta semana numa reunião do Ecofin e que o PM não desmentiu: “A Comissão Europeia devia investigar países como Espanha que afirmam não ter margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pelo efeito do novo coronavírus, apesar de a zona euro estar a crescer há sete anos consecutivos”, terá dito o ministro holandês aos seus homólogos.

António Costa começou por ironizar - "esse ainda fala menos português" [do que o primeiro-ministro Rutte] - e atirou então uma declaração de grande agressividade no contexto da relação entre parceiros na UE: "Esse discurso é repugnante . Ninguém está disponível para ouvir o ministro das Finanças holandês a dizer o que disseram em 2009, 2010, 2011. Não foi a Espanha que importou o vírus. O vírus atinge a todos por igual. Se algum país da UE acha que resolve o problema deixando o vírus à solta nos outros países, não percebeu bem o que é a UE", sentenciou.

Classificando atitudes como esta de responsáveis europeus como "incosncientes" o português disse que "essa mesquinhez recorrente mina a UE e é uma ameça à UE". E foi mais longe nas críticas, sugerindo a substituição do ministro: "Se a UE quer sobreviver, não pode deixar que um responsável político possar dar respostas como esta".

A seguir recordou Jeroen Dijsselbloem, o antecessor de Hoekstra, que teve a famosa tirada sobre os países do sul gastarem o dinheiro em copos e mulheres: "Já era insuportável trabalhar com o sr. Dijsselbloem, mas há países que insistem em mudar os nomes mas em manter pessoas com o mesmo perfil".

QUATRO CONTRA OS 'CORONABONDS'
Embora sem acordo possível, António Costa admitiu uma possiblidade em aberto de emitir dívida conjunta, apesar das discordâncias entre os 27: "Aos nove países que defenderam a carta, houve quatro que se juntaram e quatro que se opuseram e outros que não tomaram posição", revelou. Dos quatro que estão contra - Holanda, Finlândia, Áustria e Alemanha -, cujos nomes o primeiro-ministro português não revelou, a Alemanha terá manifestado uma posição mais flexível.

"Três países são totalmente contra e um tem abertura de espírito para discutir", diria Costa, fazendo uma descrição que encaixa no perfil da Alemanha e de Angela Merkel.

"Temos de recorrer a todos os instrumentos", disse Costa.

No mandato do Eurogrupo saído desta reunião, que tem 15 dias para trabalhar com as outras instituições num plano de atque à crise, inclui-se a proposta de se "recorrer a outros mecanismos", leia-se emissão de dívida comum. "A Europa não pode fica aquém daquilo que os cidadãos pedem da Europa. Deve ter uma posição clara e de liderança na crise que estamos a enfrentar", disse Costa.

"Hoje demos o primeiro passo para olhar para o momento posterior ao da crise, com um grande plano de reconstrução", porque os presidentes do Conselho e da Comissão foram mandatados para começar a trabalhar nele.

ELOGIOS AO BCE, APÓS AS CRÍTICAS A LAGARDE
Depois de ter criticado Christine Lagarde, presidente do BCE, no debate quinzenal no Parlamento, o primeiro-ministro português referiu uma "acalmia dos mercados e a descida da taxa de juro, ainda não nos valores normais, mas com uma a tendência de descida", para depois dizer que "o BCE, com o anúncio da mobilização de 750 mil milhões de euros e a retirada da restrição da linha de divida de cada pais, deu um contrinbuto decisivo".

Mas Costa foi mais longe, talvez como forma de críticar os países "frugais" pelo impasse no Conselho Europeu sobre a emissão de dívida comum: "A decisão do BCE foi a mais imporante no conjunto da União Europeia." E agora?


A “repugnante” desunião europeia

Filipe Garcia, in Expresso

Em tempo de guerra não se mudam generais, dizia há dias o primeiro-ministro. Ontem foi dia de lamentar que não se mudem ministros. Holandeses neste caso. Em tempo de crise global, em vésperas de uma recessão económica a que ainda ninguém adivinha a dimensão e em plena pandemia em Portugal, “repugnante” não é palavra que se queira ouvir a um primeiro-ministro. Mas assim foi no final da reunião de ontem do Conselho Europeu.

Wopke Hoekstra, ministro das finanças holandês, terá dito esta semana que “a comissão europeia devia investigar países como Espanha, que afirmam não ter margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pelo novo coronavírus, apesar de a zona euro estar a crescer há sete anos consecutivos”. E António Costa não gostou de ser confrontado com as declarações. "Esse discurso é repugnante. Ninguém está disponível para ouvir o ministro das Finanças holandês a dizer o que disseram em 2009, 2010, 2011. Não foi a Espanha que importou o vírus. O vírus atinge a todos por igual. Se algum país da UE acha que resolve o problema deixando o vírus à solta nos outros países, não percebeu bem o que é a UE", disse. Também não terá percebido bem o coronavírus.

E o que saiu da reunião entre chefes de governo? Pouco ou nada de conclusivo. Apenas a noção de que quatro países resistem às 'coronabonds' - Holanda, Alemanha, Finlândia e Áustria – e que, eventualmente, mais do que nunca, a desunião entre países europeus pode resultar num desfecho, tragicamente “repugnante”.

Por cá, em novo Conselho de Ministros, o Governo aprovou mais medidas de apoio a empresas e famílias afetadas pela pandemia. Vão de novas regras para o lay off por parte de empresas em dificuldades, à suspensão de créditos à habitação para famílias que tenham sofrido abruptas quebras no rendimento mensal, até ao alargamento da justificação das faltas ao trabalho. Ao detalhe, pode conhecer as medidas AQUI.