Maria Lopes, Victor Ferreira e Liliana Borges, in Público on-line
Compromisso de reavaliação a cada 15 dias não foi cumprido logo na primeira fase. Inquérito mostra que os portugueses admitem que a sua saúde mental está a piorar e que 14% dos trabalhadores ficaram sem qualquer rendimento.
Dez dias depois do início do desconfinamento, com a abertura de algum comércio e serviços públicos e o uso obrigatório de máscara, ainda não é possível avaliar o impacto do alívio de restrições. Porque ainda não decorreu tempo suficiente, afirmou-se nesta quinta-feira de manhã no Infarmed. Apesar disso, o país passa na próxima segunda-feira à segunda fase, com o regresso à escola do 11.º e 12.º anos e creches, e a reabertura de cafés e restaurantes.
Esta falta de avaliação sobre se o desconfinamento está a correr bem ou não nem sequer motivou dúvidas na plateia – entre órgãos de soberania, partidos ou parceiros sociais, apenas o PAN fez perguntas aos especialistas. As informações apresentadas dizem respeito apenas à semana passada, ou seja, a cinco ou seis dias de desconfinamento. E são precisos até seis dias para incubação do vírus e até mais oito para manifestação de sintomas – um ciclo que só se completa no próximo domingo.
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Ou seja, apesar de o Governo se ter comprometido a fazer avaliações quinzenais antes de decidir novos passos, desta vez não o conseguirá fará antes de abrir a segunda fase (que já está definida há duas semanas) e só ficou marcada nova reunião no Infarmed para dia 28 deste mês – altura em que já que consegue fazer a análise de dados concretos do desconfinamento com a devida distância.
Para já, enquanto o país tem um nível de transmissão de 0,98 (já foi de 0,95), é a região de Lisboa e Vale do Tejo que está mais “acesa”, com um R (número médio de contágios causado por cada pessoa infectada com coronavírus) de 1,07. O Centro fica-se por 1,03 e a taxa no Norte é de 0,91. Números que levaram o vice-presidente da bancada do PSD Ricardo Baptista Leite a considerar que a situação está no limiar. “Estamos no fio da navalha”, disse o deputado e médico.
Na primeira semana de Maio, houve uma progressão da infecção que não terá a ver com o desconfinamento geral, mas sim com o aparecimento de alguns surtos em zonas industriais, como na Azambuja e Montijo, nos hostels de Lisboa, e em lares, como em Alverca, Matosinhos e Gaia, e também com o aumento do número de testes realizados. É, neste momento, uma “epidemia controlada”, assinalaram os especialistas, que sublinharam que o alívio de restrições tem mesmo de ser gradual.
E se não se sabe se o aliviar de restrições manteve a mola da infecção em baixo, sabe-se pelo menos que o nível de saturação e ansiedade da população está a aumentar. Entre outros factores, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) está a estudar a saúde mental dos portugueses durante a pandemia. Tem vindo a diminuir o número de pessoas que avaliavam o seu estado de saúde mental como muito bom ou bom e a aumentar o razoável e mau. Essa tendência para um maior cansaço e desânimo tem vindo a aumentar, assinalou a presidente, Carla Nunes.
O desfasamento de datas entre a confirmação da avaliação da primeira fase de desconfinamento e o início da segunda foi registado pelo deputado do Chega, André Ventura, no final da reunião, argumentando que, nestas circunstâncias, o “risco é desmesurado”. O deputado pediu um ajustamento do calendário para permitir que a decisão política seja secundada pela informação científica como se comprometeu o primeiro-ministro.
O próprio Presidente da República referiu aos jornalistas que a “conclusão provisória é de que o R, indicador de transmissão, não mudou muito com o desconfinamento”. Mas ressalvou que ainda não passaram os 15 dias devidos.
Se não foi possível um balanço da evolução recente da doença, a ENSP já revelou os riscos sociais, mostrando que “esta pandemia não está a atingir todos de igual maneira - com dois segmentos da sociedade muitíssimo vulneráveis”, resumiu Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT. “São os mais velhos e também os de menores rendimentos, como agora se confirma, quem é mais atingido pela doença”, frisa este dirigente.
A secretária-geral da CGTP também destaca este “retrato da desigualdade” que lhes foi apresentado. “Não passou tempo suficiente para aferir que impacto teve esta retoma gradual. Mas é muito relevante constatar que as consequências sociais e laborais desta pandemia não estão a ser tidas em conta nesta retoma”, anota Isabel Camarinha.
Pelo barómetro da ENSP, uma em cada quatro pessoas que ganham menos de 650 euros mensais perdeu totalmente o seu rendimento, e entre os que ganham 650 a mil euros há 14% nas mesmas condições. Entre as 4000 pessoas que responderam ao inquérito, 14% ficaram sem qualquer rendimento. E 48% perderam total ou parcialmente rendimento. “Outro dado mostra que os casos de doença são mais numerosos entre os que têm menores retribuições, nas classes mais desfavorecidas”, destaca a mesma dirigente.
Face a este cenário, a UGT defende que os cientistas devem, a partir de agora, desagregar os dados por estrato sócio-económico ou nível de rendimento. Já a CGTP vai insistir na concertação social com a necessidade de ajudar os mais pobres a adquirir material de protecção como máscaras. Há 20% de portugueses que dizem ter dificuldade em comprar máscaras por causa do preço.
“Se as políticas públicas têm em conta os dados e se algumas das medidas excepcionais que têm vindo a ser tomadas precisam de ser avaliadas nos seus efeitos ou até corrigidas nos seus pressupostos, então é importante que passemos a ter dados que mostrem a assimetria da doença e das consequências por estrato social ou nível de rendimento, tal como aliás deixou a entender o Presidente da República, no seu discurso naquela reunião”, diz o representante da UGT.
Já a líder da CGTP frisa que os mais pobres recorrem menos ao teletrabalho, deslocam-se mais em transportes públicos e têm menos rendimento para “pagar 30 a 50 euros por uma caixa de máscaras” cirúrgicas descartáveis. “É uma despesa incomportável para alguém que ganha o salário mínimo ou pouco mais do que isso”, insiste, avaliando que “não chega baixar o IVA” destes produtos.
No encontro desta quinta-feira falou-se também da experiência de desconfinamento na Noruega, Áustria, República Checa, Dinamarca, Espanha, Alemanha e Bélgica, para concluir que a tendência geral é a de a reabertura da economia não ter causado, por enquanto, um descontrolo da taxa de transmissão. O tom, porém, mantém-se de prudência.
Foi também comparada a taxa de transmissão destes países com a portuguesa (0,98). Na Dinamarca, é de 0,85, enquanto na Alemanha de 0,87, na Bélgica de 0,84 e na Suécia 1,04. Aqui ao lado, Espanha regista agora 0,95.
Além da taxa de transmissão, é importante também que se mantenha um controlo diário da incidência do vírus. Actualmente, o crescimento ronda os 100/150 novos casos por dia, o que é sinal de alguma estabilidade e controlo. Uma subida para 300 será sinal de alerta. O pico de internamentos aconteceu a 16 de Abril: cerca de 1300, um número “acomodável” e ao qual o SNS consegue dar resposta.
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Ao contrário dos encontros anteriores, desta vez os especialistas e representantes políticos não discutiram sistemas de segurança ou de vigilância, mas fonte partidária presente na reunião recordou ao PÚBLICO que está a ser estudado um sistema a nível europeu, de utilização voluntária.
O sistema, que ainda está numa fase muito embrionária, garantiria o anonimato dos utilizadores através da atribuição de um número aleatório a cada telemóvel ou dispositivo. Em caso de infecção, o registo nessa aplicação seria feito por um médico e colocado numa lista pública, podendo os restantes utilizadores da aplicação saber se tinham estado em contacto com alguém infectado com covid-19 (através da ligação por bluetooth). Ao final de 14 dias (período de incubação do vírus) os dados seriam automaticamente apagados da aplicação. com Sónia Sapage e Sofia Rodrigues
Sindicatos pedem máscaras oferecidas ou mais baratas
Antevendo que a partir da próxima segunda-feira haverá mais pessoas em movimento, a CGTP defende um reforço na oferta de transporte. E na concertação social, que se reúne hoje, vai insistir que o Estado deve “oferecer as máscaras” a quem não as pode pagar, ou reduzir o seu preço.
“Quem menos tem, é quem tem menos apoio. No cluster de infecções na Azambuja, verficámos que muitos se deslocavam de comboio para aquele pólo logístico, alguns deles sem máscaras, não porque não as encontrem à venda, mas porque não têm dinheiro. E depois saíam todos ao monte, sem distanciamento”, conta a líder da CGTP ao PÚBLICO. E continua: “Precisamos de reforçar a oferta de transporte, é nem é preciso que seja mais o dia inteiro, basta que seja nos horários mais movimentados, ou então que as empresas apliquem um desfasamento nos horários, para evitar aglomerações”, advoga.
A UGT subscreve a oferta de máscaras ou uma descida nos preços. A medida poderia ser introduzida, diz Sérgio Monte, em linha com a condição de recurso, que o Estado já utiliza para determinar o pagamento de outros apoios sociais.
“Se o Estado entende que uma máscara é uma forma de controlar o perigo de contágio, subsidiar uma máscara a quem não a pode pagar é subsidiar a redução do risco de contágio”, defende o sindicalista.
Questionado pela Lusa sobre a dificuldade no acesso a máscaras, o secretário de Estado da Saúde garantiu ontem que o Governo está atento a “tudo aquilo que diz respeito às faixas mais vulneráveis da população”. Mas “o que tem chegado ao executivo é que tem havido uma mobilização da sociedade civil” e “que estas máscaras têm chegado a toda a população”.
“Aquilo que apelamos é que se mantenha esta mobilização da sociedade civil para que não falte a nenhum português uma máscara”, afirmou António Sales. Victor Ferreira