15.5.20

Muitas camas e sem doentes: grande parte dos hospitais de campanha ficaram vazios

Patrícia Carvalho e Alexandra Campos, in Público on-line

Em Março e no início de Abril, as imagens que chegavam a Portugal dos hospitais de Espanha e Itália, lotados e sem capacidade de resposta, pesaram na rapidez com que muitas autarquias avançaram para a instalação de hospitais de campanha.

Quando os responsáveis da Câmara do Porto pensaram em colocar o Pavilhão Rosa Mota ao serviço do ataque à pandemia da covid-19, a ideia inicial não era a de transformar o espaço num hospital de campanha. Em Março, quando as notícias da descoberta de vários idosos infectados em lares vieram a público, o município pensou em usar o espaço como local de acolhimento dos residentes dessas unidades de apoio, na eventualidade de se multiplicarem os casos. Mas, com os hospitais da cidade assoberbados com a primeira vaga de infectados, acordou-se que o mais necessário era um hospital de retaguarda. E este, a par com o de Ovar, acabou por ser dos poucos a ter, efectivamente, actividade clínica. A evolução favorável da pandemia levou a que a maior parte destas estruturas, montadas rapidamente por todo o país, não chegasse a ser utilizada.

Foi isso que aconteceu em Lisboa, onde três pavilhões do Estádio Universitário foram transformados em hospital de campanha, com capacidade para 500 camas. O espaço ficou operacional no final de Março, mas acabou por nunca ser utilizado. “Não está a funcionar, a evolução da pandemia não colocou essa necessidade”, confirma fonte do Hospital de Santa Maria. Para já, contudo, o local vai continuar montado e pronto a entrar em funcionamento, “por uma questão de prudência”, numa altura em que o país está a percorrer as diferentes fases de desconfinamento previstas, e ainda não está posta de parte a possibilidade de haver um novo aumento de casos de infecção. A única estrutura que vai mesmo ser desmontada é um pré-fabricado que foi instalado junto aos pavilhões e que pode ser rapidamente reposto caso haja necessidade.

De casa em casa, estes enfermeiros levam cuidados e uma palavra amiga a quem mais precisa
No hospital de retaguarda do Porto, onde foram tratadas 27 pessoas com covid-19, mas sem sintomas graves da doença, espera-se que a última pessoa internada tenha alta até esta sexta-feira. É essa a data apontada pela Câmara para desactivar a estrutura com 320 camas que funcionou como apoio ao Centro Hospitalar Universitário do Porto (que inclui o Santo António) e ao Centro Hospitalar Universitário de S. João e que nasceu fruto de um protocolo com estas duas entidades e com a Ordem dos Médicos, que garantiu a gestão dos recursos humanos médicos e farmacêuticos. Apesar desta desactivação anunciada, a intenção do município é manter o hospital equipado e pronto a ser reactivado até ao final de Julho.

Em Ovar, foi em 13 de Abril que abriu o hospital de campanha montado no pavilhão Arena Dolce Vita, numa altura em que o concelho estava em cerca sanitária devido ao elevado número de casos de infecção pelo novo coronavírus. Mas, mais do que um hospital de campanha propriamente dito, esta estrutura está a funcionar como uma extensão do Hospital Francisco Zagalo. “A autarquia optou por uma estratégia multimodal”, explica a directora clínica do Hospital de Ovar, Júlia Oliveira. Além do “Anjo d´Ovar”, como foi baptizado o hospital de campanha que está equipado com 38 camas, médicos, enfermeiros e equipamento clínico, foi criada uma resposta na Pousada da Juventude para os doentes que não precisam de internamento hospitalar e que actualmente são quatro, sintetiza a médica.

Com uma ocupação que chegou a um terço da lotação no pico do surto epidémico no concelho, o “Anjo d´Ovar” tem agora apenas sete doentes com covid-19 que necessitam de tratamento activo, mas está previsto que continue aberto até ao final de Julho.

Por mais tempo ainda deve ficar montado o hospital de campanha com cerca de 100 camas instalado no Portimão Arena e pronto desde meados de Abril. Não por que esteja a ser utilizado, mas por precaução, no período mais movimentado do Algarve. “O hospital está operacional, só que não chegou a entrar em funcionamento. Sempre que há uma situação de catástrofe, há dois hospitais de campanha que têm de ser montados no Algarve, aqui e em Faro, por isso ele está pronto, todo equipado, foram até compradas camas articuladas”, explica fonte da Câmara de Portimão, calculando o investimento feito para esta unidade provisória em “cerca de cem mil euros”.

Investimento que, garante a mesma fonte, não pode ser dado como perdido. Quando chegar a altura de desmontar o hospital, lá para o final do Verão, todo o equipamento, afecto à Protecção Civil municipal, será colocado em dois contentores que autarquia pretende adquirir, e que poderão ser facilmente transportados para qualquer ponto do país onde exista a necessidade de instalar rapidamente uma unidade deste género.

Camas cedidas pelo exército
Noutros casos, em que as camas, por exemplo, foram cedidas pelo exército, os hospitais deverão, simplesmente, desaparecer dos pavilhões e escolas que foram ocupando. Será assim em Santarém, onde um hospital de campanha com 100 camas, para doentes não-covid, foi montado no início de Abril na Escola Básica 2, 3 Alexandre Herculano, precavendo a hipótese de o Hospital Distrital de Santarém ficar sem capacidade para responder a casos não relacionados com a pandemia. “Felizmente, não foi necessário, nem será, mas nós trabalhamos com a eventualidade de vir a ser necessário”, diz o presidente da câmara, Ricardo Gonçalves.

Tal como outros responsáveis ouvidos pelo PÚBLICO, o autarca admite que as imagens que chegavam a Portugal dos hospitais de Espanha e Itália, lotados e sem capacidade de resposta, pesaram na rapidez com que se avançou para a instalação de um hospital de campanha, previsto, de qualquer maneira, no plano de emergência municipal, que foi activado. E lembra que tudo foi acordado com a Protecção Civil e com o Hospital de Santarém. “Vimos como, no caso dos incêndios de Pedrógão Grande se falhou ao nível da prevenção. Desta vez, fizemos tudo para que não houvesse uma falha dessas. Foi um excesso? Acho que não, nunca é em excesso quando falamos de Protecção Civil. Percebemos todos o quanto é importante, ao nível da Protecção Civil, termos planos aprovados e cumpri-los. Melhor termos excesso do que falhas”, diz.

Câmara do Porto desactivado até ao final da semana
Por ali, vai aguardar-se para ver como evoluem os números da pandemia, antes de decidir desmontar o hospital por usar, mas até Junho, pelo menos, ele manter-se-á pronto para qualquer emergência.

À espera da evolução e sem data de desmontagem está também o hospital de campanha de 63 camas montado na Escola Básica 2, 3 de Santo Tirso, que também não chegou a ser utilizado. Será o Centro Hospitalar do Médio Ave a indicar à autarquia quando se deverá proceder à sua desactivação, explicou fonte da câmara. Em Torres Vedras, o primeiro município a criar hospitais de campanha, antes mesmo de ter qualquer caso confirmado no concelho, os dois espaços convertidos em unidades para receberem até 80 doentes também não chegaram a ser utilizados, e um deles, instalado no pavilhão do Sporting Clube de Torres, já foi mesmo desactivado, confirma fonte da autarquia.

Já em Vila Nova de Gaia, onde a câmara chegou a anunciar a disponibilidade para transformar três pavilhões municipais em hospitais de campanha, com capacidade para receber 200 doentes não-covid, a instalação não chegou a acontecer porque “o Centro Hospitalar de Gaia, felizmente, nunca sentiu essa necessidade”, explicou fonte da autarquia.

Outros municípios optaram logo à partida por não montar hospitais de campanha, como aconteceu em Coimbra. “Não houve essa necessidade. Tínhamos o Hospital dos Covões com reforço de camas para dar resposta à covid-19”, recorda o assessor de imprensa. A Câmara de Coimbra apenas contratou com alguns hotéis a disponibilização de camas para albergar idosos, profissionais de saúde e elementos da protecção civil que necessitaram de ficar em isolamento temporário, diz.

Noutros municípios, ainda se pensou avançar neste sentido, mas a iniciativa acabou por ser abortada quando se percebeu que o Serviço Nacional de Saúde estava a conseguir dar resposta e estava longe de colapsar, como sucedeu em Itália e em Espanha.

Fazia sentido termos montado tantos hospitais de campanha? O ideal será pensar em “cenários gradualistas de disponibilização de recursos” numa altura em que se ignora como vai ser “a dinâmica da epidemia”, defende o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, para quem a resposta a esta pergunta deve ser dada pelas entidades que planearam a resposta à pandemia. Até porque, nota Alexandre Lourenço, “a dificuldade não é ter camas, é ter profissionais de saúde para as pôr a funcionar”.