Por Natália Faria, in Jornal Público
Confirmaram-se os piores receios: as disciplinas de Português e Matemática entraram em terreno negativo e o diagnóstico, apesar das variações, é válido quer para os exames do básico, quer para os do secundário. O director do Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) do Ministério da Educação, Hélder Sousa, relacionou as descidas com "o ajustamento do nível de exigência" dos exames. Mas, se o nível oscila, os exames ainda são um instrumento credível de aferição das aprendizagens? E, se a exigência aumentou, por que não foram as escolas preparadas para isso, considerando que os exames pesam 30 por cento na avaliação final?
"Deviam e não foram. É uma coisa que não se compreende: uma verdadeira fraude", reage o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Albino Almeida, para quem há consequências políticas a extrair destes resultados: "Têm de se acabar os paninhos quentes, o director do Gave devia demitir-se, porque é como se os alunos estivessem a ser avaliados na sua capacidade para pilotar um avião quando a escola só os preparou para conduzir um automóvel", desfere.
Dizendo-se "totalmente a favor de uma grande exigência nos exames, desde que as escolas sejam preparadas para isso", o presidente da Confap sustenta que não foi isso que aconteceu. Pior: "No exame de Português do 9.º, os próprios professores diziam que era muito bem feito, mas que incidia n"Os Lusíadas em aspectos que não tinham sido explorados nas aulas!".
Parar e pensar
Joaquim Azevedo, professor na Universidade Católica, concorda que oscilações de 13 pontos percentuais, como a de Português do 9.º ano, não podem ser explicadas com a subida do nível de exigência. "É grave que a explicação seja essa. No ano anterior não foram exigentes? E no ano anterior a esse? E no ano que vem? Vão voltar a ser mais fáceis porque este ano as notas foram más? Qual é a orientação? Já não consigo confiar nestes resultados e, com tantas oscilações, eles já não servem para avaliar a qualidade de aprendizagem nenhuma." Considerando que "há qualquer coisa profundamente errada nesta obsessão com os resultados, depois dos quais ninguém fez nada e todos assobiam para o lado", Azevedo aconselha que estes comecem a servir para "gerar actuações correctivas a nível pedagógico". Como? "Devíamos olhar para uma série de 10 anos de exames, detectar os problemas e corrigi-los nas aprendizagens e, assim, garantia-se alguma fiabilidade a este sistema."
A psicóloga educacional Maria Dulce Gonçalves, da Universidade de Lisboa, também se assume "profundamente chateada" por não acreditar que "a ignorância comprovada nestes exames vá corresponder a qualquer tipo de intenção". "Acabámos de concluir que há 50 mil alunos que chegam ao final do 9.º ano sem saber o suficiente para ter uma positiva e o que vamos fazer em Setembro para ajudar estes alunos a aprender aquilo que não aprenderam? Nada. A maioria passa de ano e o sistema vai sentá-los a assistir a uma matéria ainda mais difícil, sabendo de antemão que eles ainda não aprenderam o básico." O cenário poderia ser diferente, acrescenta, se se substituísse "esta multiplicação dos exames finais por um sistema de avaliação contínua dos alunos", capaz de "premiar o esforço e a evolução".
"A escola do facilitismo, se algum dia existiu, tem de acabar", vaticina o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira. Dizendo-se "profundamente angustiado" com estes resultados, preconiza que "as escolas têm de parar e pensar, porque as sucessivas experiências que têm sido feitas não estão a resultar".
O problema é de fundo, porque "as escolas não estão a conseguir "ganhar" os alunos". "No caso dos exames do básico, em que a questão do acesso à universidade não se coloca, a maioria dos alunos trabalha para assegurar a positiva", diagnostica. Na prática, "muitos dos alunos vão para os exames na certeza de que já passaram de ano e, por isso, não se empenham no que vão fazer", reforça, apontando um exemplo: "Na minha escola, um aluno de cinco entregou o exame de Matemática com várias questões por responder e quando o professor lhe perguntou porquê respondeu que o que tinha feito era suficiente para assegurar a positiva".
Mas a verdade é que, no caso do exame de Matemática do básico, houve 30 mil alunos com nota inferior a 30 por cento e, por isso, o problema é também concreto. "Na Matemática, muitos dos problemas vêm da dificuldade dos alunos em interpretar as questões e, por isso, mesmo antes da Matemática, temos de "atacar" o Português, redimensionando o currículo da disciplina." Afinal, "na disciplina de Português do 9.º, os alunos passam três quartos do tempo a estudar Gil Vicente e Camões, e isso é preciso, mas também é preciso ler e escrever e ter outro tipo de leituras". Para este responsável, a adopção de uma cultura de exigência não será bem-sucedida se não for também endossada às famílias. "Genericamente, os alunos que têm bons resultados são filhos de pais que se preocupam e exigem. Os que têm piores resultados têm pais que se demitem, entregam os filhos à escola e não querem saber." E o que diz a Confap disto? "Dizer que as crianças têm de ir estudar para casa é uma irresponsabilidade, até porque a maior parte dos pais não tem o 9.º ano e, portanto, não os consegue acompanhar", descarta Albino Almeida, para quem "as escolas deviam começar por se organizar para, tal como na Finlândia, garantirem acompanhamento nas férias aos alunos que vão procurar, na segunda oportunidade, superar os maus resultados". "Poder, podiam", contrapõe o presidente da ANDE, não fosse dar-se o risco de essas aulas ficarem vazias. "No período que mediou entre o fim das aulas e o início dos exames, houve todos os dias reforço a Português e a Matemática e os alunos simplesmente não apareciam."


