por Catarina Guerreiro e Rita Porto, in Sol
Os lares de idosos da Santa Casa da Misericórdia estão afogados em dívidas, muitos em risco de ruptura. Segundo o SOL apurou, só em onze misericórdias do país a dívida dos idosos atinge meio milhão de euros.
«A situação é preocupante. Há de facto alguns casos graves», admite ao SOL Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), revelando que, neste momento, está em «conversações com o Governo para que sejam aprovadas medidas de apoio financeiro às misericórdias em situação de maior risco».
Por outro lado, explica Manuel Lemos, a UMP e o Executivo estão a estudar formas de criminalizar os utentes ou familiares que apesar de terem capacidade financeira não pagam as mensalidades. Isto é, pretende-se aprovar legislação para permitir que quem não paga seja penalizado num processo expedito, sem estar sujeito às demoras de um tribunal comum. «As pessoas que podem pagar têm de se consciencializar que tem cumprir», esclarece.
Manuel Lemos – que terça-feira foi recebido por Cavaco Silva, a quem deu conta da sua «preocupação» com o sector – alerta para o facto de estar em causa a própria «sustentabilidade» das instituições. Isto porque grande parte do financiamento vem dos utentes: alguns pagam a mensalidade na totalidade, outros pagam uma parte, sendo o restante suportado pela Segurança Social.
Casos em tribunal
A Santa Casa da Misericórdia (SCM) de Portimão, cujo lar tem 58 utentes, é um dos casos mais preocupantes: só oito idosos, dos quais cinco já morreram, representam uma dívida de 130 mil euros. E grande parte são de famílias que, apesar de terem capacidade financeira e bens que permitem liquidar a dívida, optaram por não o fazer. Por isso, a instituição decidiu, em três dos casos, avançar para tribunal. Entre eles está um idoso cujos familiares não pagaram a mensalidade durante mais de quatro anos, situando-se o ‘calote’ em 41 mil euros. «As dívidas tem vindo a agravar-se», admite ao SOL o provedor João Amado, acrescentando que, nos outros cinco casos, a instituição está em negociações com as famílias.
Em Aveiro – onde a dívida é de 40 mil euros, correspondendo a 12 dos 120 utentes –, a SCM também recorreu à Justiça em duas situações. Uma dizia respeito a um idoso que deixou de pagar em Novembro de 2011 (por ter ficado doente e incapaz de passar cheques), tendo falecido um ano depois. Os filhos, emigrantes, vieram a Portugal e foram informados da dívida, mas nunca a liquidaram. «O país não se preparou para a quantidade de idosos que tem», lamenta Carlos Lacerda Pais, provedor da SCM de Aveiro.
O provedor de Faro, por seu lado, explica que, para justificar as dívidas – que à sua instituição são de 56 mil euros –, as famílias alegam terem sido afectadas pelo desemprego. José Candeias Neto lembra que legalmente seria sempre possível mandar o idoso para casa do familiar responsável: «Mas ainda não chegámos a esse ponto porque nos preocupamos com a qualidade de vida das pessoas».
Pagamento a prestações
O provedor da SCM de Bragança também recusa mandar alguém embora. «A partir do momento em que entram, fazem parte da nossa família», diz Eleutério Alves – cuja instituição é credora de uma dívida de mais de 60 mil euros, correspondendo a 69 dos 182 utentes de três lares. Para reaver o dinheiro, tem tentado negociar com as famílias. Quando são pessoas sem recursos, a situação é diferente: «Aí, a dívida é perdoada ou entra-se em contacto com a Segurança Social para ver se a podem suportar».
Em muitos casos é mesmo a SCM que paga o valor em falta. É o que se passa com os quatro mil euros de dívida de um utente que antes de ali chegar era pedinte em Bragança: com uma reforma baixa e sem família, a instituição decidiu não cobrar o dinheiro. «Para além da solidariedade, fazemos caridade», sublinha o provedor.
Noémia Carneiro, da SCM de Guimarães – onde há 223 idosos em três lares e uma dívida de 16 mil euros – também garante que a instituição tem assumido os valores «de quem não pode pagar».
José Vitorino Reis, provedor da SCM de Viana de Castelo – que tem 100 idosos em dois lares e uma dívida de 25 mil euros de sete utentes – também tem evitado o tribunal. Na SCM de Castelo Branco (com 378 utentes e 30 mil euros em dívida), o departamento de contencioso também está a analisar vários casos.
Uma das soluções tem sido o pagamento a prestações. É assim, por exemplo, na SCM do Porto, onde a dívida de 5% dos 207 utentes atinge 75 mil euros. ««São frequentemente celebrados acordos de regularização de dívida, com pagamento faseado em função da capacidade económica dos familiares», referiu ao SOL Luís Pedro Martins, assessor da Provedoria, lembrando que aderiram à rede solidária (composta por organizações não governamentais, para apoio de utentes em dificuldade).
No centro de apoio à terceira idade da SCM de Coimbra estão 82 idosos, 40% dos quais têm dividas, embora ainda pequenas. O total atinge cerca de 13 mil euros. Já na SCM de Albufeira, com 60 utentes, 33 representam uma dívida de 45 mil euros. Aqui, adiantou fonte oficial da instituição, um dos problemas é a falta de pagamento de serviços-extra, como medicamentos e idas ao médico.
No meio milhão de euros de dívidas das onze instituições contactadas, não está contabilizado o valor da SCM de Lisboa – a maior do país, com 16 lares e 521 camas, cujos serviços recusaram adiantar ao SOL este tipo de dados. Informaram apenas que houve um aumento de 3% das dívidas em 2012.
Cortar na energia e serviços
Além de contar com a ajuda do Governo, o presidente da UMP diz ser necessário melhorar a gestão: «É preciso mais rigor». Para isso, estão a ser adoptadas várias medidas nas instituições do país.
Em Santarém, por exemplo, – onde cinco dos 98 utentes devem cinco mil euros e muitos outros têm pedido para baixar a mensalidade – foram implementadas novas regras. «Temos um plano de contenção na parte da energia e recursos humanos», adianta o provedor Mário Rebelo. Em Viana do Castelo, a instituição tem feito auditorias energéticas e está a pensar investir em painéis solares. O provedor de Bragança defende mesmo que «as instituições têm de se adaptar à crise», fazendo cortes em electricidade, combustíveis e serviços.
«Um dos actuais problemas é saber como dar mais resposta sem pôr em causa a sustentabilidade da instituição», diz o provedor de Portimão, João Amado, considerando que as exigências de qualidade feitas às Misericórdias são desajustadas da realidade do país. «Para podermos ajudar as pessoas, não podemos estar a exigir serviços que não podem pagar».