27.2.13

MyNeighborhood. A vizinhança de proximidade está de regresso à Mouraria

por Catarina Falcão, in iOnline

Projecto para criar Facebook local arrancou ontem, com mais três cidades europeias, e investimento de 5 milhões de euros

Quatro cidades europeias querem provar que a tecnologia não é sinónimo de isolamento e para isso estão apostadas em criar uma nova rede social para aproximar bairros e tornar vizinhos em amigos.

O projecto MyNeiborhood – co-financiado pela Comissão Europeia – vai investir 5 milhões de euros para aproximar as pessoas através das novas tecnologias, criando redes de suporte locais para combater os problemas das grandes cidades. Da solidão à poluição, passando pelo de-senvolvimento sustentável, a aposta do programa é ajudar os cidadãos a construir a sua cidade em conjunto.

O MyNeighborhood – idealizado e coordenado pela empresa portuguesa Alfamicro – quer, através da utilização das novas tecnologias, reconstruir as relações de proximidade que existiam nas vizinhanças de antigamente, primeiro no mundo virtual, trazendo numa fase posterior os laços criados entre vizinhos para o mundo real: de algo tão simples como ir de férias e não ter a quem deixar o animal de estimação a ajudar um idoso que já não consegue ir às compras, este projecto vai criar plataformas online nas cidades – algo que se assemelhará a um Facebook de bairro – que não só resolva através da internet a situação embaraçosa de já não se dizer “olá” ao vizinho do lado, mas também permita sinalizar idosos doentes ou pessoas desaparecidas.

Parceiros e soluções Aalborg, Birmingham, Lisboa e Milão são as cidades-piloto que concordaram experimentar este projecto e cada uma o integrou por razões bem diferentes. Aalborg, na Dinamarca, quer fazer frente às dificuldades da população envelhecida e por isso quer interligá-la de modo a ter idosos mais activos. Birmingham quer acabar com as filas de trânsito intermináveis e tentar que haja menos carros nas ruas. Milão quer retomar as tradições do Sul, promovendo uma vizinhança mais interactiva, fundando um banco de horas com serviços voluntários e ao mesmo tempo promover o emprego numa zona mais difícil da cidade – Quarto Oggiaro. Em Lisboa quer-se travar um combate à solidão numa das zonas mais envelhecidas da cidade, a Mouraria, e ao mesmo tempo potenciar o empreendedorismo no bairro.

A partir do arranque do programa, que aconteceu ontem nos Paços do Concelho, em Lisboa, as autarquia e as associações locais envolvidas no projecto terão a assistência técnica de várias empresas de software que construirão uma plataforma à medida de cada um.

A coordenação e o desenvolvimento das soluções tecnológicas ficam a cargo da Alfamicro, que juntamente com o Politécnico de Milão – universidade italiana com forte componente científico-tecnológica –, a SINTEF – a maior organização de pesquisa industrial e de tecnologia da Escandinávia – e a Sociedade Portuguesa de Inovação vão fornecer as bases de apoio às cidades para se começar a edificar o MyNeighborhood. As aplicações criadas para este projecto ficarão em open source para poder ser utilizadas por outra cidades em todo o mundo, assim como a documentação de toda a experiência nas quatro cidades-piloto.

Desafios A escolha da Mouraria, em Lisboa, não foi casual: Álvaro de Oliveira, CEO da Alfamicro, encarou o bairro como um desafio: viu nas notícias os promotores do Orçamento Participativo – que a Mouraria já ganhou duas vezes – e determinou que tinha de entrar em contacto com eles. “É a comunidade certa, não queremos comunidades que já têm tudo. A Mouraria é um desafio”, sublinha Álvaro de Oliveira.

Questionado sobre como se envolve uma população tão diversa, com mais de 50 nacionalidades, com dificuldades financeiras e baixa instrução tecnológica num projecto como este, o CEO da Alfamicro não hesita em partilhar uma história que conheceu nas suas visitas regulares ao Brasil, onde a empresa presta serviços de consultoria a projectos de desenvolvimento tecnológico: “Na Amazónia os altos níveis de mortalidade levaram a que uma associação criasse o conceito de bebé da comunidade, em que toda a comunidade acarinhava o recém--nascido, partilhando os cuidados de saúde e o bem-estar da criança. Tudo através de dispositivos manuais. E assim reduziu um terço os níveis de mortalidade. Quis que viessem a Bruxelas partilhar esta história de sucesso e algumas empresas ofereceram-se para partilhar aplicações para smartphones de modo a optimizar o programa. O problema é que eles não os tinham. Contactei então a Nokia e a Samsung Brasil, que ofereceram à população os dispositivos necessários. Há sempre maneira de conseguir realizar projectos deste género”, conclui Álvaro de Oliveira.