30.8.13

Pobreza reduz as capacidades cognitivas

in Público on-line

Equipa estudou o desempenho cognitivo de frequentadores de um centro comercial nos EUA e de agricultores na Índia: em ambos os casos, a escassez de recursos mobilizou muitas das energias mentais.

Os esforços necessários para fazer face a problemas materiais esgotam as capacidades mentais das pessoas pobres, deixando-as com pouca energia cognitiva para se dedicarem à sua formação ou educação, concluiu um estudo publicado esta sexta-feira na revista Science.

Esta mobilização das capacidades cerebrais para enfrentar situações stressantes, como seja o facto de se saber que se tem pouco dinheiro para alimentar a família ou pagar a próxima renda da casa, pode resultar numa redução de 13 pontos do quociente de inteligência (QI).

Uma tal diminuição das capacidades mentais é equivalente àquela que acontece depois de uma noite mal dormida, especificam os investigadores.

“Para muitos pobres, estes problemas tornam-se de tal forma persistentes que é difícil concentrarem-se noutras coisas, como a educação, a formação profissional ou mesmo a organização do seu tempo”, explica um dos principais autores do estudo, Sendhil Mullainathan, economista da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

“Isto não significa que os pobres sejam menos inteligentes do que as outras pessoas. O que mostramos é que a mesma pessoa a viver em condições de pobreza sofre de um défice cognitivo por oposição a quando não está nessa situação”, refere ainda Sendhil Mullainathan, citado num comunicado da sua universidade. “Também é errado sugerir que a capacidade cognitiva de uma pessoa é menor por causa da pobreza. Na realidade, o que acontece a capacidade cognitiva diminuiu, porque, como há estas outras coisas todas na cabeça, há menos espaço para o todo o resto.”

Exemplificando: “É como um computador que funciona lentamente porque está a descarregar um vídeo muito grande. Não é o computador que é lento, está é a fazer outra coisa, por isso parece lento.”

Por sua vez, Jiayingt Zhao, professor de psicologia da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, sublinha: “A pobreza é apenas vista como o resultado de uma desgraça pessoal ou como consequência de um ambiente desfavorável, mas o nosso estudo mostra que a falta de recursos financeiros pode em si mesmo prejudicar as funções cognitivas”,

Para este estudo, os investigadores fizeram uma experiência com 400 pessoas, escolhidas ao acaso num centro comercial de Nova Jersey, nos Estados Unidos, entre 2010 e 2011. Tinham um rendimento médio anual de 70.000 dólares (53 mil euros), sendo o mais baixo 20.000 dólares (15 mil euros).

Reduzir o fardo cognitivo ligado à pobreza
Repartidos por dois grupos, um formado por ricos e outro por pobres, os participantes do estudo foram submetidos a diferentes cenários – como ter de pagar uma grande reparação do carro (1500 dólares) ou uma factura menos elevada (150 dólares), ao mesmo tempo que lhes eram aplicados testes cognitivos e de autocontrolo (tinham de fazer tarefas simples no computador).

Confrontados com uma fonte financeira facilmente ultrapassável, os pobres até tiveram resultados comparáveis com os ricos nestes testes. Mas assim que o problema do dinheiro se tornou omnipresente, os mais desfavorecidos tiveram resultados claramente inferiores nos testes, com uma diferença de até 13 pontos do QI.

A equipa repetiu a experiência na Índia, com agricultores que cultivam cana-de-açúcar, e que colhem os frutos do seu trabalho só uma vez por ano. Assim, no mês a seguir à colheita são de alguma forma ricos e no mês anterior são muito pobres, quando já esgotaram os rendimentos do ano anterior.

Submetidos aos mesmos testes cognitivos do que os grupos de New Jersey, estes agricultores indianos viram os resultados do seu QI aumentar 10 pontos no mês seguinte à colheita, comparativamente com o mês anterior.

Os resultados deste trabalho podem ter implicações nas políticas sociais, inspirando soluções para problemas ligados à pobreza, sem ter de aumentar o montante das ajudas financeiras. Trata-se principalmente de ter a preocupação de reduzir o fardo cognitivo dos pobres, sublinham os investigadores.

“Um dos grandes desafios nos Estados Unidos para as famílias de baixos rendimentos é encontrar uma creche para os filhos”, refere à AFP outro autor do estudo, Eldar Shafir, professor de psicologia da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. “É um enorme peso para as suas capacidades mentais, que se fosse desaparecesse, permitiria a estas pessoas trabalharem e aumentar o seu QI”, acrescenta Eldar Shafir, sublinhando que o “sistema de apoio aos pobres está mais desenvolvido na Europa” do que nos Estados Unidos.