Francisco Madelino, in Público on-line
Nas últimas décadas o País vinha a traçar um caminho sustentado na redução da pobreza e, sobretudo, na diminuição das desigualdades, aproximando os mais ricos dos mais pobres. As diferenças sociais, contudo, apesar dos avanços, continuariam ainda muito acima dos padrões europeus. No início deste século, o quintil da população mais rica, portanto dois milhões de portugueses, ganhava sete vezes mais face aos dois milhões de portugueses mais pobres. Em 2010, estávamos bastante abaixo das seis vezes.
Ultimamente, porém, a situação inverteu-se e agravou-se, significativamente, na sequência da leitura e execução governamentais da austeridade subjacente ao Memorando. Hoje, há mais pobres, podendo muitos opinar que esperado, porque o PIB desceu mais de 5% face a 2010. O mais significativo, porém, é estarmos muito mais desiguais, na distribuição da menor riqueza existente. Há assim um problema claro para as políticas públicas.
Os dados constam do Inquérito ao Rendimento e às Condições de Vida, em 2011, dos portugueses, da responsabilidade do INE, recentemente publicados. A evolução negativa dos números é evidente.
A pobreza é medida, estatisticamente, pela quantidade de pessoas que estão abaixo de 60% da mediana do rendimento equivalente por adulto. É, portanto, um conceito relativo, e não absoluto. Mediu-a o INE, em Portugal, em 2011, e encontrou 17,9% de portugueses nessa situação, dita em “risco de pobreza”. Teoricamente, parece haver uma estabilização da pobreza (18% em 2010), porém, atendendo a que o PIB desceu em 2011 -1,6% e à existência de mais desigualdade na sua distribuição, a situação degradou-se. Entre estes dois anos, o limiar de rendimento que define a pobreza desceu assim 1%, medido pelo INE, pelo que há muito mais gente com rendimento menor. Assim, a pobreza, em valor absoluto, aumentou, e não estabilizou.
Quando se analisam mais profundamente os dados, constata-se, infelizmente, que há, ainda, mais números negativos. Os portugueses estão cada vez mais pobres, mas estão, sobretudo, cada vez mais desiguais.
Pelos dados do INE, a diferença entre os 20% da população com mais elevado do rendimento e os 20% com mais baixos subiu, sendo agora 5,8 vezes. Se a mesma comparação for feita entre os 10% dos portugueses mais ricos e os mais pobres, um milhão de portugueses em cada extremo, a diferença, já de si acentuada, piorou muito (de 9,4 para 10,1). Esta realidade é também comprovada pelo Coeficiente de Gini (passou de 34 para 34,5).
A denominada intensidade de pobreza também se degradou (de 23 para 23,5%). Ela quantifica a diferença entre o rendimento médio dos pobres e o limiar de rendimento que define a pobreza. Os pobres dos pobres ainda mais pobres, portanto. Também a percentagens de portugueses em pobreza severa, com forte privação material, subiu (de 8,3 para 8,6%).
Se não existissem políticas sociais, a pobreza seria dramaticamente pior. Em vez dos ditos 17,9% de pobres, teríamos nesta situação 45,4% da População, mais do dobro. Este valor teve também, em 2011, uma forte subida de 1,9 pontos percentuais. Constata-se, inclusive, que instrumentos como o subsídio de desemprego, entre outras transferências sociais, passaram a ter menor impacte na diminuição da pobreza. Atendendo aos cortes sociais feitos posteriormente, e outros ainda “prometidos”, é de temer então o pior.
Em síntese, com esta evolução tendencial da pobreza, e sobretudo com esta desigualdade crescente, dificilmente se manterá a solvabilidade social e será compatível com a solvabilidade da Democracia.