por Anabela Góis, in RR
"Os vossos idosos são doentes", diz Nigel Crisp, que liderou um novo estudo da Fundação Calouste Gulbenkian sobre o SNS.
Portugal não vai conseguir manter o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se não reduzir o número de doentes e isso só se é possível mudando o foco dos serviços de saúde para a saúde das pessoas. O cenário é traçado por um estudo promovido pela Fundação Gulbenkian, que foi feito ao longo dos últimos 18 meses.
Os autores defendem um novo pacto para a saúde, que envolva toda a gente, com o objectivo de transformar o actual sistema, centrado no hospital e na doença, num sistema virado para a prevenção e a promoção da saúde.
A falta de saúde dos idosos portugueses foi o que mais surpreendeu Nigel Crisp, líder da comissão que elaborou este estudo e antigo responsável pelo serviço nacional de saúde britânico.
"Uma mulher de 65 anos no vosso país tem uma perspectiva de cerca de seis anos de vida com saúde. Provavelmente, viverá mais 15 anos mas só seis serão com saúde. Na Noruega, espera-se que seja saudável quase até à morte, daí a 14 ou 15 anos. Essa é uma grande diferença: os vossos idosos são doentes. E esse é o pior problema que vocês enfrentam. Se, quando criaram o SNS, o vosso principal problema era a mortalidade infantil, e vocês venceram-no, hoje o vosso problema é este: têm idosos doentes", diz.
Muitas doenças crónicas são provocadas por dietas erradas, falta de exercício, pobreza na infância. Na terceira idade, as doenças crónicas representam um grande peso para o Serviço Nacional de Saúde.
"Este é o principal problema para as pessoas, mas também é o pior problema financeiramente. Pelas minhas estimativas este grupo custa-vos 70% a 80% por cento do orçamento do Serviço Nacional de Saúde. Por isso, se vão fazer alguma coisa sobre o financiamento do Serviço Nacional de Saúde têm de fazer alguma coisa por este grupo e este é 'o ponto' no nosso relatório”, afirma Nigel Crisp.
Novo pacto para a saúde
Se o presente é um país com muitos idosos doentes, no futuro Portugal terá de ser um país com muitos jovens saudáveis e, para isso, precisa de um novo pacto para a saúde “que junte líderes partidários e toda a sociedade”, diz o antigo responsável pelo serviço nacional de saúde britânico.
O pacto para a saúde tem de ser assumido ao mais alto nível e unir desde o Presidente da República até aos pais, numa corrente que inclui Governo, partidos, autarquias e escolas.
O objectivo, defende o estudo encomendado pela plataforma "Health in Portugal", da Gulbenkian, é criar crianças saudáveis para haver, no futuro, adultos com menos doenças e menos custos para o SNS.
Custo-benefício
Neste novo modelo, cada individuo assume responsabilidade pela sua própria saúde e, para isso, pede-se mais informação, clareza nas estatísticas, uma saúde baseada na evidência, um órgão independente que avalie a qualidade dos serviços de saúde e ainda uma melhor gestão financeira, segundo Nigel Crisp.
"Vocês também têm de melhorar a vossa gestão financeira. Isto está relacionado com prestação de contas. Como britânico fiquei surpreendido por não terem auditorias que avaliem a relação custo-benefício. Nós temos no nosso sistema de saúde essa avaliação e vocês não têm um sistema destes e, por isso, recomendamos que o implementem", diz o especialista britânico.
É possível cortar
Os autores deste estudo concluem que não há margem para mais impostos ou mais co-pagamentos, mas ainda há muito desperdício por onde cortar.
Um dos exemplos que serve de base a esta conclusão é o gasto com doenças que muitas vezes são evitáveis, como é o caso da diabetes e das infecções hospitalares.
O estudo foi elaborado por uma comissão de peritos formada por Nigel Crisp, Donald Berwick, conselheiro do Presidente norte-americano, Barack Obama, Ilona Kickbusch, Wouter Bos e os portugueses João Lobo Antunes, Pedro Pita Barros e Jorge Soares.