Ana Gerschenfeld, in Público on-line
Ao contrário do que sugeriam alguns cenários da ONU, a população mundial não deverá declinar a partir da segunda metade deste século. O mais provável é que sejamos 11 mil milhões em 2100.
Em 2100, a densidade populacional da África subsariana deverá ser igual à da China actual. Esta é uma das inesperadas conclusões de um estudo realizado por cientistas da Universidade de Washington (EUA) e das Nações Unidas (ONU), que pela primeira vez quantificaram com grande precisão, utilizando ferramentas estatísticas, a evolução da população mundial ao longo do século XXI.
O que isto significa à escala global é que se torna extremamente improvável que um dos cenários até agora considerado pela ONU – que previa o fim do crescimento demográfico mundial – se venha a verificar. Os novos resultados, que têm importantes implicações políticas, sociais e ambientais, foram publicados online esta quinta-feira pela revista Science.
“O consenso ao longo dos últimos 20 anos tem sido que a população mundial, que hoje ronda os sete mil milhões, iria aumentar até aos nove mil milhões para a seguir estabilizar ou talvez declinar”, diz em comunicado da sua universidade Adrian Raftery, um dos autores do estudo. “Mas nós descobrimos, pelo contrário, que a probabilidade de a população mundial não vir a estagnar neste século é de 70%. A demografia, que tinha sido ‘riscada’ da agenda mundial, continua a ser essencial.”
A ONU publica, de dois em dois anos, dados sobre a população de todos os países e em particular as suas taxas de fecundidade, mortalidade e migração. Até agora, dali resultavam três cenários para o futuro, baseados nas várias evoluções possíveis dessas taxas consideradas realistas pelos peritos: uma projecção demográfica “baixa”, uma “média” e uma “alta”. Antes de mais, as projecções baixa e a alta eram obtidas, respectivamente, subtraindo e acrescentando “meia criança” à taxa de fecundidade de cada país, o que, só por si, estava longe de representar a realidade.
Mas sobretudo, estes cenários pecavam pelo facto de não haver maneira de determinar objectivamente a probabilidade de um deles acontecer em relação aos outros. Agora, Raftery e colegas conseguiram, precisamente, avaliar essas probabilidades. E revelaram assim um futuro demográfico bem diferente para as próximas décadas.
“Agora, podemos começar a responder a perguntas acerca da evolução demográfica futura utilizando princípios de raciocínio estatístico, algo que nunca tinha sido realmente feito até aqui”, salienta Raftery.
O que os cálculos destes cientistas mostram é essencialmente que, com uma probabilidade de 80%, seremos entre 9,6 mil e 12,3 mil milhões a habitar a Terra em 2100. E na prática, excluem do âmbito do possível os cenários extremos, incluindo o que previa um pico da população por volta de 2050 e depois o seu declínio.
O maior contributo para este crescimento que se prefigura é o da África subsariana, cuja população deverá quadruplicar até 2100. “Existe uma probabilidade de 95% para que a população daquele continente, hoje de cerca de mil milhões, passe para algo entre 3,1 mil milhões e 5,7 mil milhões de pessoas, sendo a projecção mediana de 4,2 mil milhões”, escrevem os cientistas. “Isso tornaria a densidade populacional da África mais ou menos igual à da China actual”.
Por quê um tal aumento? Até aqui, os demógrafos pensavam que a fecundidade naquela região iria declinar. Mas a nova análise revela que os níveis de fecundidade elevados vão persistir. As mulheres africanas ainda têm, em média, 4,6 crianças, em parte por falta de acesso aos métodos contraceptivos. E a isso vem juntar-se uma diminuição da mortalidade por VIH/sida, que, salientam os autores, não tinha sido tida em conta nas projecções anteriores.
“As nossas projecções indicam que há poucas hipóteses de o crescimento demográfico acabar se não houver um declínio sem precedentes da fecundidade na maior parte da África subsariana onde ainda se verifica um rápido crescimento da população”, escrevem ainda. Contudo, ascrescentam, “o rápido crescimento populacional poderia ser moderado através de maiores investimentos nos programas de planeamento familiar (…) e na educação das raparigas” e das mulheres – as duas coisas que podem fazer descer as taxas de fecundidade.
“O crescimento da população dificilmente se trava, como o revela este estudo, mesmo que os níveis de fecundidade baixem”, disse-nos Maria João Valente Rosa, demógrafa e directora da Pordata. “É cómodo pensarmos que o problema é causado pelos ‘outros’ e que as respostas terão de ser os ‘outros’ a encontrá-las. Mas sabemos que o melhor contraceptivo é o desenvolvimento. Por isso, desacelerar o crescimento da população mundial significa abrirmos os horizontes de desenvolvimento aos países menos desenvolvidos.”