Por Luís Osório, in iOnline
Uma turma só com ciganos, entre os 6 e os 13 anos – uma história de decadência
A indignação é quase sempre um espasmo da inteligência, uma armadilha que a emoção estende à razão, a maior parte das vezes uma perda de tempo. Porém, é importante que se diga com palavras que não sejam ambíguas: o que está a acontecer na Escola dos Templários, em Tomar, uma escola pública, é indigno e moralmente criminoso.
A criação dos guetos de Varsóvia, Gaza ou o Soweto têm histórias diferentes, mas são filhas do mesmo pavor e da mesma intolerância: o medo do que é diferente, o medo do que nos ameaça socialmente, o medo de nos roubarem o que é nosso. As sociedades mais evoluídas são as que, apesar da vontade íntima de segregação, encontram formas de se proteger de si próprias, maneiras de incluir e de tornar parte na comunidade o que tão diferente parece ser. De outra maneira crescerá um monstro que dificilmente ficará saciado.
A falta de integração não é o que mais preocupa a escola, explica o director ao i. O que lhe interessa é o aproveitamento dos alunos. No que afirma, na forma como o afirma, não parecem existir más intenções, até parece surpreendido com o interesse do jornalista Carlos Diogo Santos. É o mais complicado sinal nesta história: a constatação de que os responsáveis acham normal reunir uma turma só com ciganos, com idades compreendidas entre os 6 e os 13 anos.
A comunidade cigana, sabemo-lo, é muito específica. Não gosta de se misturar, é fechada e bastante agressiva. Pagam a desconfiança dos que chamam “senhores” com mais agressividade e à intolerância respondem com intolerância. Complicado de resolver. Porque desperta nos que dominam a vontade de pisar, humilhar e isolar. Não sei se este caso é do conhecimento do ministério e do primeiro-ministro. Se não era, passou a sê-lo. Já não podem fechar os olhos em nome de uma ideia de civilização.
Fez-me lembrar a manhã de ontem. Porque olhei um sem-abrigo como se se tratasse de uma banalidade. E outros, como eu ontem, fazem-no dia após dia. Não por sermos amorais, mas por representarmos numa peça em que apenas nos comove o que é novo, o que nos surpreende. Pode ser uma palavra, um gesto eloquente, um tropeço que nos desequilibre o que temos por adquirido. Esse sem-abrigo costuma beber vinho pela manhã, olho-o todos os dias, raramente o vejo. Vi-o por fim. Ontem. Sentado na pastelaria, pediu uma tosta mista. Cruzou uma perna, não quis café. Pedi o mesmo que ele. Soube-me como um milagre e amanhã espero poder cumprimentá-lo como a pessoa que é. Como os ciganos de Tomar.