por José Bastos, in RR
“Sei que vamos entrar numa fase em que a Europa não pode ficar arredada do seu papel activo no mundo, mas não pode renegar os valores na base do seu próprio projecto”, diz Silva Peneda.
Vinte minutos de um discurso - vibrante na forma e certeiro no conteúdo - chegam para inverter uma dinâmica, até aqui, imutável? Europeístas convictos reagem com entusiasmo à intervenção costumeira no calendário político – início de uma presidência semestral da EU – mas conquistando manchetes: a do primeiro-ministro italiano no Parlamento Europeu.
Matteo Renzi relançou o projecto da União Europeia defendendo o crescimento e a integração. Sem guião à vista a notável peça oratória “protagonizou uma ode à Europa combinando modernidade, classicismo, humor e erudição” na expressão do diário espanhol “El Pais”.
A escolha do luxemburguês Jean Claude Juncker para a presidência da Comissão Europeia e a presidência italiana de Renzi são factores que “enchem de esperança” José da Silva Peneda. No Conversas Cruzadas, o ex-deputado europeu reivindica a actualidade desta ideia de Europa e do regresso da política pura.
“Eu queria um orçamento para a zona euro. É preciso criar um órgão que legitime as decisões, as reformas para a zona euro. Não sei quem legitimou o programa de que Portugal foi alvo. Não sei quem legitimou, do ponto de vista político, a intervenção. O Parlamento Europeu foi completamente colocado à margem. Os burocratas decidiram”, afirma Silva Peneda
“Há aqui coisas a ser revistas numa perspectiva política. O próprio Jean Claude Juncker disse já – e é algo que não pode ser menosprezado – que qualquer futuro programa de assistência não pode começar sem uma prévia análise das implicações económicas e sociais” nota o presidente do Conselho Económico e Social.
“Sei que vamos entrar numa fase em que a Europa não pode ficar arredada do seu papel activo no mundo, mas não pode renegar os valores na base do seu próprio projecto. Sei ser um exercício difícil de compatibilizar, mas se há alguém com experiência para o tentar fazer é Jean Claude Juncker” sustenta Silva Peneda.
“Juncker enfrentou a Alemanha em momentos difíceis”
Manuel Carvalho da Silva condiciona o sucesso de Juncker a mudanças de políticas. “Não havendo alterações no domínio do universo financeiro e em relação a esta Europa dicotómica em que a Alemanha põe ou dispõe haverá sempre uma dúvida”.
“Há uma interrogação que se coloca – e já tive oportunidade de o dizer, no Luxemburgo, numa entrevista a 26 de Abril – é a de saber se a gestão do Sr.Jean Claude Juncker vai ser mais utilizada pelo poder dominante para fazer de conta que vai respondendo a algumas questões sociais” indica.
“Ou saber se Jean Claude Juncker, levando em conta os aspectos político-financeiro e o social, toma a ofensiva de uma orientação, ou pelo menos, de sinais de orientação para a Europa que sejam verdadeiramente novos” observa Carvalho da Silva.
Mas propõe Matteo Renzi, 39 anos, uma nova forma de olhar a Europa contrariando abordagens mais “clássicas” da Comissão? “Não vejo nenhum conflito geracional. Se há alguém que aparece agora com sangue na guelra – Matteo Renzi – eu conheço muito bem Jean Claude Juncker que também tem sangue na guelra” faz notar Silva Peneda.
“Juncker enfrentou a Alemanha em momentos difíceis. Quando Portugal estava a ser objecto do memorando da Troika, Juncker fez discursos muito corajosos. Juncker tem um passado. Alguém disse que é ‘o mais social-democrata do PPE’. Se calhar é mesmo. Eu identifico-me muito com ele. Já toda a gente sabe. Não tenho problema nenhum nisso” afirma
“O que Juncker quer fazer da Europa é que não seja um espaço de conflito entre pobres e ricos, entre grandes e pequenos, entre norte e sul. Aí está a ideia de compromisso. As duas grandes famílias políticas do Parlamento Europeu, o PPE e o PSE, entenderam-se. Portanto estamos a regressar às origens” sentencia o ex-ministro Silva Peneda.
Carvalho da Silva: “discussão da dívida deve ser pública”
Em semana de Conselho de Estado em que a renegociação das condições de pagamento da dívida pública foi defendida por alguns membros – com Jorge Sampaio a sugerir “quebrar o tabu” – deve a questão ser publicamente debatida por órgãos de soberania? Carvalho da Silva não hesita. “Renegociar a dívida tem de ser absolutamente matéria pública ou não temos a tal Europa original, tal como foi delineada por aqueles que têm uma visão mais progressista com sentido mais equilibrado do que devem ser as sociedades do futuro. Isso implica a discussão da restruturação da dívida” refere o sociólogo.
“Uma ilação a tirar de tudo isto é a de não aceitar que o governo e instituições – entre as quais o próprio Presidente da República – tenham, repetidamente, sobre a Europa, um discurso de subjugação. Um discurso de submissão. Ter todos os cuidados para sermos vistos como ‘o bom aluno’. O discurso de Matteo Renzi vem mostrar que este não é o caminho. O caminho é outro” defende Manuel Carvalho da Silva.
Silva Peneda discorda. “Se um órgão de soberania, como o governo, aparecesse a dizer que a dívida pública tinha de ser negociada isso teria efeitos imediatos. Portanto, quem tem responsabilidades a esse nível tem de ter muito cuidado com o que diz e o que faz, porque, infelizmente, temos os mercados”.
“É o que eu disse no 10 de Junho: os mercados afirmam, inquinam e têm poder. Eu sempre disse – e Matteo Renzi também o referiu no discurso, esta semana, no Parlamento Europeu – ser este o tipo de problema que só pode ser resolvido num quadro europeu, num quadro global. Um país a colocar o problema sozinho está condenado ao fracasso” nota.
“Matteo Renzi tem uma ideia para a Europa. Este homem tem uma visão que é muito parecida com a minha: actuando isoladamente um país está limitado. ‘Não reivindico porque estou aflito e a Itália tem uma grande dívida’, mas há na zona euro 18 dívidas diferentes que têm de ser geridas em conjunto ou não há saída” conclui Silva Peneda.