Por Carlos Diogo Santos, in iOnline
O i foi até à escola de Tomar que criou uma turma só para ciganos. Director diz ser uma boa medida, mas os ciganos não querem estar separados dos brancos
A campainha de saída toca às 15h30 e após os atropelos nos corredores, as crianças cruzam numa correria o pátio de entrada da Escola primária dos Templários, em Tomar, e dividem-se naturalmente: De frente para a escola o lado direito é dos pais ciganos, o esquerdo é dos restantes. Cá fora como lá dentro não há misturas para muitos dos alunos. "Porque é que não me põem numa turma de senhores", pergunta Maria J. enquanto se afasta pela terra batida até ao acampamento onde vive. Tem 9 anos e culpa a sua etnia pelo que hoje sabe ou, neste caso, pelo que não sabe: "Já ando há dois anos na escola, mas como estou com ciganos não sei ler nem escrever". É um dos 12 casos de alunos repetentes que foi colocado numa turma de primeiro ano exclusiva de ciganos. Para o director Agrupamento de Escolas Jácome Ratton, Carlos Ribeiro, esta medida poderá resolver o insucesso escolar dos que têm chumbado, mas para a comunidade cigana é segregacionista.
"A minha filha tem seis anos e está no primeiro ano numa turma com crianças de 13 anos", disse ontem ao i António Fragoso, que diz ter receio que a medida de colocar todos no mesmo saco possa desincentivar a comunidade cigana de levar os mais novos à escola.
Vânia Fragoso, a sua mulher, será das primeiras a tomar essa decisão se da parte da escola não houver mudanças. "As nossas filhas estão nessa turma e mesmo elas têm idades diferentes. Isto não faz qualquer sentido separar uns dos outros, o que eles querem é pôr os ciganos de ponta", diz, garantindo que se nada mudar as filhas deixarão de frequentar a primária.
A falta de integração não é porém o que mais preocupa a escola, focada no aproveitamento escolar: "Os alunos têm ficado retidos devido à falta de interesse e ao elevado número de faltas quando estavam em turma com alunos não ciganos", explicou ao i Carlos Ribeiro. O director de agrupamento disse mesmo desconhecer que a medida tivesse tido um impacto negativo na comunidade cigana e garantiu nunca ter recebido qualquer contacto nesse sentido.
Voltar atrás ainda é possível? António não tem dúvidas de que ainda é possível voltar atrás e integrar os alunos ciganos em várias turmas. Maria não vê a hora para que isso aconteça, ainda que não queira passar do oito ao oitenta e perder por completo todos os seus amigos do acampamento. E o director do agrupamento de escolas disse ontem pela primeira vez ao i que está aberto a outras soluções, a por em prática já este ano. Carlos Ribeiro disse mesmo que a sua disponibilidade é total "para arranjar as melhores medidas para os meninos, quer sejam ciganos ou não".
O responsável esclareceu que 30% da comunidade escolar dos Templários é de etnia cigana e que por isso nas outras turmas estão todos misturados. Sobre aquilo a que os ciganos chamam "segregação", o director diz ser uma turma validada pelo Ministério da Educação e que tem como objectivo "criar um microclima favorável à aprendizagem daquelas crianças". Isto porque a turma exclusiva de ciganos tem apenas 12 alunos e não mais de duas dezenas como as restantes, o que "permite à professora dar um acompanhamento mais personalizado a cada criança".
Mas até entre a comunidade cigana é sabido que a professora não consegue fazer muito com os repetentes: "Eles assim todos juntos, com a confiança que têm por serem todos do acampamento, brincam e fazem o que querem". Para Vânia assim é que a professora não terá "mão neles".
É na secretária cheia de papeis, onde recebeu o i, que o director diz falar todos os dias com pais e alunos de todas as escolas do agrupamento, incluindo as dos Templários. Ainda assim diz nunca ter recebido ninguém da comunidade cigana este ano para criticar esta opção.
A poucos quilómetros, no acampamento onde Maria e as primas brincam com a água que se acumula nas depressões da terra batida, a versão é outra: "Vamo-nos queixar à escolas dos Templários, dizem que é na escola sede do agrupamento. Quando lá chegamos dizem que esse é um problema da escola e mandam-nos para trás", diz Helena Baptista, mãe de duas crianças.
Carlos Ribeiro, que até está a estudar a colocação de auxiliares de educação ciganos na escola dos Templários, diz estar surpreendido com todas estas reacções negativas à turma exclusiva de repetentes ciganos. "A intenção foi a melhor e nunca pensei que ia apanhar este ricochete. Fui ingénuo..."