Natália Faria, in Público on-line
Carlos Farinha Rodrigues, investigador na área das desigualdades sociais, acusa Governo PSD/CDS de ter semidestruído o Rendimento Social de Inserção, expulsando milhares de beneficiários, com impacto orçamental igual a zero.
“Temos um Governo que só mantém o RSI em Portugal porque a União Europeia não deixa acabar com ele”. Claro e contundente, Carlos Farinha Rodrigues, economista no ISEG e um dos maiores especialistas em pobreza e desigualdades, desferiu esta quinta-feira, no Rivoli, no Porto, vários ataques ao Governo, a propósito da evolução do Rendimento Social de Inserção nos últimos anos.
“A diminuição do número de beneficiários é a consequência lógica, previsível e inevitável das alterações que foram feitas na lei. Temos um Governo que lançou um conjunto de medidas visando a neutralização da medida [RSI]. Numa primeira etapa, alterou a legislação, para tornar o acesso mais difícil e expulsar milhares de beneficiários. E, cumprida essa primeira fase, entrou na segunda por via do aumento da burocracia e das dificuldades administrativas, conseguindo assim expulsar outros tantos”, acusou, num debate promovido pela Rede Europeia Anti-pobreza/Portugal (EAPN).
O pior, segundo Carlos Farinha Rodrigues, é que o retorno financeiro das sucessivas alterações nos critérios de elegibilidade para o RSI, e que na prática excluiu milhares de pessoas do acesso àquele subsídio pecuniário, foi nulo. “Aquilo que este Governo ganhou com a semi-destruição do RSI em termos orçamentais foi – desculpem-me a expressão – microsulfato pó de espirro, ou seja nada”, insistiu o autor de vários estudos sobre desigualdades sociais, distribuição de rendimentos e avaliação de políticas públicas.
Considerando que o RSI cumpriu o seu objectivo de combate à pobreza extrema até 2010, ou seja, “até à obrigatoriedade de os seus beneficiários fazerem prova periódica da sua condição de recursos”, Carlos Farinha considerou ainda que a “tragédia social” que se abateu sobre o país nos últimos três anos vai levar muitos mais a debelar. “Mesmo que haja uma mudança de políticas, mesmo que tenhamos um Governo empenhado em reverter a situação, vamos levar não quatro nem cinco mas muitos mais anos a recuperar dos danos que foram causados”, avisou, perante uma plateia onde o assistente social José António Pinto fez ouvir alguns dos antigos beneficiários do RSI que viram suspensa a medida.
SMN não acaba com “trabalhadores pobres”
Nestes últimos anos em que todos os indicadores sociais apontam para o agravamento da pobreza em Portugal, o RSI tem vindo a diminuir o número de beneficiários. Em Julho de 2013, havia 262.759 beneficiários do RSI. Em Julho passado, eram apenas 217.410. Se recuarmos ao mesmo mês de 2010, a diferença torna-se abissal: havia então 389.282 beneficiários de RSI.
Num país em que os pobres se contam também entre os trabalhadores, a actualização do salário mínimo nacional (SMN) para os 505 euros a partir de 1 de Outubro foi também tema de discussão. José Augusto Oliveira, membro da comissão executiva da CGTP, lembrou que 505 euros “é manter um valor líquido na proximidade do limiar de pobreza, ou seja, é prolongar uma situação inadmissível em que as pessoas, mesmo trabalhando, continuam pobres”, e sustentou que as contrapartidas inerentes àquele aumento sairão caras aos trabalhadores.
Primeiro porque o SMN não poderá ser novamente actualizado antes do final de 2015, abrindo assim “o precedente inaceitável de romper com a actualização anual do SMN, aceitando que no futuro os trabalhadores fiquem reféns de decisões governamentais que podem adiar sine die as actualizações salariais”. Em segundo, por causa daquilo que o representante da CGTP qualificou como uma “aberração” que consiste basicamente no facto de o Governo “dispor abusivamente de receitas da Segurança Social para financiar os patrões em cerca de 20 milhões de euros por via da redução da Taxa Social Única em 0,75 pontos percentuais para as empresas”. Isto ao mesmo tempo em que o documento estratégico orçamental apresentado pelo Governo, em que está em discussão em sede de concertação social, “prevê um aumento da Taxa Social Única em 0,2 pontos percentuais para os trabalhadores”. Nas contas daquele representante sindical, “o salário mínimo vale hoje menos 49,75 cêntimos do que quando foi criado, há quarenta anos”.