23.9.14

Portugal precisa de adiar a idade em que começam a surgir as doenças

Catarina Gomes, in Público on-line

Responsável inglês diz que a resposta para a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde não pode passar pelo aumento das despesas das famílias com saúde, porque já são das maiores da Europa, nem pela subida de impostos.

“Este é o dado mais importante da minha apresentação”, avisou o inglês Nigel Crisp: A esperança de vida de portugueses e noruegueses ronda os 80 anos mas enquanto os nacionais chegam aos 65 anos e vivem apenas cerca de seis anos de vida com saúde, os noruegueses mantêm-se sem doença quase até morrerem, pelo menos mais 15 anos. É adiando o surgimento das doenças que se pode reduzir as despesas no sector e mudar o panorama da saúde em Portugal nos próximos 25 anos. E o segredo não está nos hospitais, conclui o relatório Um futuro para a Saúde, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que é apresentado esta terça-feira em Lisboa. É às 18h e a entrada é livre.

“Dois terços das camas hospitalares estão ocupadas por pessoas com mais de 65 anos”, referiu Artur Santos Silva, o presidente da fundação, para reforçar a ideia de que muitos internamentos acontecem por falta de outras soluções, de apoio às famílias e de criação de soluções na comunidade. Dados recolhidos pela comissão que elaborou o relatório, revelam que 38% da população portuguesa padece de uma a duas doenças crónicas, 12% de três a quatro e 4% padece de mais de cinco patologias. E este grupo de pessoas, idosos com doenças crónicas, absorvem 70 a 80% dos recursos com saúde, estimou Nigel Crisp, lorde inglês que presidiu a esta comissão que anda há um ano e meio a tentar gizar o futuro da saúde em Portugal, envolvendo 35 especialistas portugueses de diferentes áreas. No Reino Unido, nos governos do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, esteve à frente de um amplo plano de reformas do sistema de saúde.

“Esta geração [de idosos] quando nasceu era muito pobre. Os problemas de saúde que têm são um grande problema para os próprios e em termos de custos para o sistema”, constatou o responsável. Muito do que se quer mudar, a partir de agora, fica resumido num ditado africano, referiu: “a saúde faz-se em casa, o hospital é para reparações”. Ou seja, em vez de canalizar o financiamento em saúde quase todo para o Sistema Nacional de Saúde (hospitais, centros de saúde, medicamentos) é preciso agir sobretudo fora dele, passando-se de um paradigma “da doença para um centrado na saúde”. É o discurso da prevenção. O que o relatório vem defender é que é preciso fazer mais para que as pessoas não fiquem doentes no caso de patologias que se podem prevenir. Um exemplo é a diabetes 2, muito associada a maus hábitos alimentares e falta de exercício físico. O documento vai ser apresentado ao Parlamento, ao Presidente da República e ao ministro da Saúde.

Questionado pelos jornalistas, Nigel Crisp admitiu que muitas das ideias propostas no relatório não são novas, mas notou que existe em Portugal “um défice de implementação”. “Há boas ideias, problemas na sua execução”, concordou Jorge Soares, o médico português que preside ao programa da fundação Inovar em Saúde. O relatório vem, por exemplo, ressuscitar a proposta de criação de um órgão, que deveria ser consultado pelo Ministério da Saúde, que já está na lei de bases da saúde desde 1990, o Conselho Nacional de Saúde, que deveria incluir grupos de cidadãos e da sociedade civil.

Assim, como o chamado Registo de Saúde Electrónico, que chegou a estar previsto para entrar em pleno funcionamento em 2012. A ideia era que fosse o repositório de informação clínica relevante para a prestação de cuidados de saúde de todos os cidadãos, acessível a médicos e enfermeiros a partir de qualquer unidade de saúde do país (pública ou privada). O que existe é a Plataforma de Dados da Saúde, que tem neste momento 850 mil cidadãos inscritos, referem dados fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Mas há coisas a fazer a curto prazo e que mostram que é possível mudar de paradigma, defenderam os responsáveis. Por exemplo, “Portugal tem o nível mais alto de diabetes da Europa”, constatou Nigel Crisp. Na senda deste relatório, a Gulbenkian vai lançar em 2015 um programa que pretende prevenir o surgimento de 50 mil novos diabéticos nos próximos cinco anos. Outro programa pretende a redução em metade das infecções hospitalares em 10 grandes hospitais no espaço de três anos e, se resultar, os custos podem diminuir em metade (140 milhões de euros) o seu actual custo. Não foram dados mais pormenores sobre estes programas. Artur Santos Silva disse ironicamente que há quem diga que “Deus criou o mundo e abandonou-o” e que estes programas da Gulbenkian pretendem demonstrar que muito do que preconizam no relatório com vista à diminuição do fardo da doença é exequível e tem resultados quantificáveis.

É com este tipo de estratégias a longo prazo que se pode poupar recursos e fazer com que as pessoas vivam saudáveis mais tempo, reforçou Nigel Crisp, que considerou que o recurso a outras formas de financiamento na saúde está esgotado em Portugal. “Os cidadãos portugueses já pagam 27% das despesas com saúde do seu próprio bolso (o que inclui desde custos com medicamentos como idas a pediatras particulares), mais do que qualquer outro país no mundo. Já não há lugar para mais co-pagamentos, nem para mais impostos”. Agora, só seguindo outros caminhos.

Problemas
Grandes variações nas práticas clínicas, por exemplo, numa mesma patologia, o cancro da mama, as práticas de cirurgia entre hospitais podem ser muito diferentes.