Stefanie Santos, in Público on-line
Mobilizem-se para que deixem de insistir na falácia “Portugal não é um país racista” e possam falar “Portugal luta para combater o racismo”.
De malas cheias de roupas, cabeça cheia de sonhos. Imensas expectativas, assim também foram as decepções. Eu vejo várias cores e vejo-vos tratando os diferentes como inferiores. Eu vejo várias nacionalidades e etnias, escuto “voltem para o seu país”, mas não chamam de xenofobia. Eu vejo ciganos impedidos de entrar em estabelecimentos e tratam isso como se fosse bom senso (mais de 80% da população portuguesa tem comportamentos racistas contra os ciganos, aponta o antropólogo José Pereira Bastos). Eu ouço ofensas sobre os meus ao meu lado, até que se constrangem e se calam ao ouvir meu sotaque.
Cobram-se cauções maiores para os imigrantes que querem arrendar imóveis, os senhorios fazem uma fiscalização maior em suas casas. Há uma predilecção pelo português nato no mercado de trabalho. O corpo preto é hipersexualizado, a brasileira vista como prostituta, o cigano como perverso. Isso chama-se discriminação. Vendo que o padrão se repete, parece que a realidade é clara, por todos muito bem enxergada, mas infelizmente não. De acordo com o European Social Survey, 62% dos portugueses manifestam racismo.
Toda a opressão tem a sua resistência, mas nessa não temos aliados. Onde estão os portugueses que enxergam que o país reproduz, constantemente, racismo e xenofobia? Não há piada nos estereótipos, não escrevo em “brasileiro”, muito menos falo errado. Não sou menos capaz ou inteligente, não me faltam modos, muito menos discernimento. Não voltarei para o meu país, tenho o direito de usufruir do melhor de Portugal, o que não me impede de reclamar do pior. Não há nada de errado em enaltecer o que há de bom no seu país, mas é preciso falar sobre o que há de ruim. O preconceito aqui é velado e precisamos de o questionar, juntos. Nós, imigrantes, não estamos, nem queremos estar, em guerra com vocês, queremos-vos aliados à nossa luta. Não adianta dizer que somos todos iguais ou que somos um só, porque não somos. Sempre foram “nós e eles”, ouço-vos dizer frases como “foi um preto que disse tal coisa”, “era uma brasileira vestida de tal jeito”, antes de nos verem como seres humanos enxergam a nossa etnia. As denúncias de xenofobia feitas por brasileiros em Portugal aumentaram 150% em 2018, mostra a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR).
Não adianta dizer que somos todos iguais ou que somos um só, porque não somos. Sempre foram “nós e eles”, ouço-vos dizer frases como “foi um preto que disse tal coisa”, “era uma brasileira vestida de tal jeito”, antes de nos verem como seres humanos enxergam a nossa etnia.
Por isso escrevo este artigo, para promover a reflexão. Revejam as vossas falas, analisem a relutância que têm em aproximar-se de determinados grupos, percebam os tratamentos diferenciados e, o mais importante, ouçam-nos. Desafiem-se a pensar além da vossa realidade, estudem e respeitem. Mobilizem-se para que deixem de insistir na falácia “Portugal não é um país racista” e possam falar “Portugal luta para combater o racismo”. Eu vejo que quando nos posicionamos, incomodamos, e esse é justamente o primeiro passo: incomodar. Negar e silenciar é confirmar o racismo.
Procurem conhecer e compreender culturas e realidades que não a vossa, libertem-se da generalização e não insistam no erro.