Textos Sónia M. Lourenço, Foto Tiago Miranda, in Expresso
Análise Milhares de trabalhadores em lay-off, redução das horas trabalhadas e do emprego e aumento da inatividade e da subutilização do trabalho fazem soar as campainhas de alarme
Se olharmos apenas para a taxa de desemprego, o mercado de trabalho nacional parece estar a passar imune à crise provocada pela pandemia de covid-19. No segundo trimestre, recuou para 5,6%, o valor mais baixo dos últimos 18 anos. São boas notícias, certo? Não é bem assim. Com o confinamento a parar grande parte do país, a taxa de desemprego não tem traduzido a evolução do mercado de trabalho. Tudo porque muitas pessoas sem emprego não procuraram ativamente um novo posto de trabalho, sendo classificadas como inativas e não como desempregadas. É preciso, por isso, olhar para outros indicadores. E os números divulgados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística fazem soar os alarmes. O Expresso mostra-lhe cinco razões para estar preocupado.
O volume de horas semanais efetivamente trabalhadas em Portugal caiu em força no segundo trimestre, encolhendo 26,1% em termos homólogos, isto é, em relação ao segundo trimestre de 2019, e 22,7% em relação aos primeiros três meses do ano. O INE destaca que são as maiores quebras observadas no país desde 2011, ano em que se inicia a atual série de dados do inquérito ao emprego. Para dar ideia da dimensão destas quebras, basta notar que a anterior queda homóloga mais expressiva tinha acontecido no primeiro trimestre de 2013, com a troika em Portugal, com 9,9%. Agora foi quase três vezes mais elevada.
A queda no volume de horas efetivamente trabalhadas no país “está sobretudo associada ao aumento da população empregada ausente do trabalho”, vinca o INE. Todos os anos, todos os trimestres, há pessoas que estão ausentes do trabalho, seja por baixas, licenças de parentalidade, férias (o que explica o tradicional pico nas ausências no terceiro trimestre de cada ano, ou seja, durante o verão) ou outras razões. Mas o número observado no segundo trimestre deste ano é inédito. Foram mais de um milhão de pessoas (em concreto, 1,0782 milhões de pessoas), o que representa 22,8% da população empregada. Isto significa que, entre abril e junho, quase um em cada quatro trabalhadores portugueses classificados como empregados esteve ausente do trabalho. O número é mais do dobro do observado no trimestre anterior e quase o quádruplo do existente no segundo trimestre de 2019, salienta o INE.
A explicação está no regime do lay-off simplificado, a mãe de todas as medidas adotadas pelo Governo para tentar travar a subida do desemprego, na sequência da crise. O INE não deixa margem para dúvidas. O aumento da população empregada ausente do trabalho “ficou a dever-se quase exclusivamente à redução ou falta de trabalho por motivos técnicos ou económicos da empresa”, que inclui a suspensão temporária do contrato e o lay-off. Essa foi a razão apontada por 680,1 mil pessoas, cerca de dez vezes mais do que no trimestre anterior. Agora, com este regime a ter chegado ao fim para a generalidade das empresas no final de julho, resta saber quantas destas pessoas vão efetivamente regressar ao seu posto de trabalho e quantas vão perder o emprego. Essa é uma das grandes interrogações nesta altura, alertam os economistas.
3. Emprego em queda num trimestre em que tradicionalmente sobe
O regime do lay-off simplificado “permite a manutenção na população empregada de pessoas cujas empresas fecharam, total ou parcialmente, de forma temporária”, ajudando a travar a subida do desemprego. Mas, ainda assim, a população empregada sofreu uma quebra “significativa” no segundo trimestre, alerta o INE. E os trabalhadores com contratos precários foram os mais penalizados (ver texto ao lado).
A redução no emprego foi de 2,8% face aos três meses anteriores (menos 134,7 mil pessoas), “contrariamente ao que ocorreu nos restantes segundos trimestres desde 2011”. É que esta é uma altura do ano em que, tradicionalmente, a sazonalidade joga a favor do mercado de trabalho, com as contratações para a época alta no turismo e na agricultura a puxarem para cima o emprego. Este ano, contudo, a pandemia trocou as voltas à economia — em particular, ao turismo —, e isso não aconteceu. Já em termos homólogos, a queda foi de 3,8% (menos 185,5 mil pessoas), “contrariando a série de variações homólogas positivas observadas neste trimestre desde 2014”, indica o INE.
4. Inatividade dispara
A população inativa com idades a partir dos 15 anos (ou seja, com idade para poder pertencer à população ativa) aumentou 7,5% no segundo trimestre em relação ao mesmo período de 2019 e 5,7% em relação aos primeiros três meses do ano, atingindo 3,8867 milhões de pessoas. “Nunca antes, na série de dados iniciada em 2011, se havia registado variações trimestrais e homólogas tão elevadas”, destaca o INE.
Como resultado, verificou-se também um “aumento significativo da taxa de inatividade”, estimada em 43,7%. São mais 2,3 pontos percentuais do que nos primeiros três meses deste ano e mais 2,9 pontos percentuais do que no segundo trimestre de 2019.
A autoridade estatística nacional adianta que “estes acréscimos são explicados, essencialmente, pelo aumento da população inativa, que, embora disponível, não procurou trabalho”, estimada em 312,1 mil pessoas. Esta população aumentou 87,6% em relação ao trimestre anterior e 85,6% relativamente ao período homólogo, o que ajuda a perceber porque é que, num período marcado pelo confinamento, a taxa de desemprego perdeu a capacidade de traduzir a evolução do mercado de trabalho.
Sinal disso, o INE nota que o aumento desta população inativa, que, estando disponível para trabalhar, não procurou ativamente emprego, “resultou, em parte, de 41,8% dos desempregados no primeiro trimestre de 2020 terem transitado para a situação de inatividade no segundo trimestre” do ano. Ou seja, estes desempregados passaram a ser oficialmente classificados como inativos.
5. Subutilização do trabalho no valor mais alto dos últimos dois anos
Dadas as limitações do uso da taxa de desemprego na atual conjuntura, a subutilização do trabalho é um dos indicadores mais referenciados pelos economistas, sinalizando a evolução ‘real’ do desemprego. Isto porque agrega, além dos desempregados ‘oficiais’ (que têm de cumprir uma série de critérios para serem assim classificados), também os trabalhadores a tempo parcial que gostariam de trabalhar mais horas, os inativos à procura de emprego mas não disponíveis no imediato para ocupar uma vaga e os inativos disponíveis mas que não procuram ativamente emprego.
No segundo trimestre, a subutilização do trabalho abrangeu 748,7 mil pessoas e a taxa correspondente foi de 14%. Este valor traduz um aumento de 1,1 pontos percentuais em relação ao primeiro trimestre do ano e de 1,6 pontos percentuais por comparação com um ano antes. Uma subida explicada, em grande medida, pelo forte aumento do número de inativos disponíveis mas que não procuram ativamente emprego. Como resultado, a taxa de subutilização do trabalho subiu para o valor mais elevado observado em Portugal em mais de dois anos, ou seja, desde o primeiro trimestre de 2018.