Pedro Crisóstomo, in Público on-line
A administração fiscal continua sem resolver um problema que há vários anos prejudica alguns pais divorciados que não conseguem incluir os filhos na declaração de IRS.
A situação afecta contribuintes que têm dependentes em regime de guarda alternada e que, devido a problemas familiares, se vêem impedidos de validar o seu agregado familiar, porque a pessoa com quem estiveram casados não partilha a senha de acesso à área reservada dos filhos no site da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O ministro das Finanças, João Leão, reconhece que o problema existe, alega que ele é complexo de resolver tecnicamente pelo fisco e promete que a AT irá estudar uma “proposta”. Mas não há uma solução à vista, nem a garantia de que as pessoas afectadas este ano verão a sua situação reparada para serem tratadas fiscalmente de forma igual ao ex-cônjuge.
Enquanto o problema não é solucionado, há contribuintes que continuam a não poder beneficiar da dedução fixa relativa aos filhos, nem a incluir parte das despesas de educação ou saúde dos dependentes nas deduções à colecta do IRS, algo que voltou a acontecer este ano durante a entrega das declarações de rendimentos de 2019.
Quando, em 2017, o Parlamento aprovou uma lei que procurava responder a essa dificuldade, ficou previsto que, para “efeitos de imputação de rendimentos e de deduções” de IRS, os filhos “podem ser incluídos nas declarações” dos dois pais divorciados que partilham as responsabilidades parentais.
Logo em 2018, quando chegou o momento de entregar as declarações de 2017, os divorciados nessa situação teriam de validar o agregado familiar. Mas, embora o problema parecesse já ultrapassado, a realidade mostrou ser mais complexa do que isso. É que, para fazerem essa validação, os dois pais têm de ter acesso à senha fiscal do filho no Portal das Finanças e como só um dos elementos do ex-casal recebe a senha do dependente (aquele onde o filho tem a morada fiscal), basta que esse não disponibilize a informação ao ex-cônjuge para impedir que o outro associe o filho ao IRS. O que parecia um problema resolvido não se resolveu e alguns contribuintes continuaram sem poder validar correctamente o agregado familiar.
Tanto em 2019 (IRS de 2018) como em 2020 o problema manteve-se, apesar de o Parlamento ter clarificado na lei do Orçamento do Estado para 2019 que o Governo teria de definir os termos em que o fisco disponibiliza “a cada sujeito passivo os meios de acesso à área reservada dos respectivos dependentes no Portal das Finanças”.
Como a lei entrou em vigor em Janeiro de 2019 e até agora nada foi alterado, os deputados do PAN questionaram o ministro das Finanças em Maio deste ano, em plena campanha do IRS, para saberem se o problema será finalmente resolvido e se, relativamente aos rendimentos de 2019, seria encontrada uma solução extraordinária.
Os “constrangimentos”
Em resposta ao PAN, o novo ministro das Finanças nada diz de concreto relativamente à questão dos rendimentos de 2019, apenas constata que o problema do tratamento desigual entre cidadãos existe e que será preciso encontrar uma solução “em moldes diferentes dos actualmente disponíveis”.
Através do seu chefe de gabinete, João Leão alega que a regulamentação desta norma e a sua “operacionalização/implementação informática é de elevada complexidade técnica e terá forte impacto nas diversas aplicações existentes no Portal das Finanças e nas bases de dados da AT”, sublinhando ser preciso garantir a segurança e a protecção de dados pessoais.
Sem se comprometer com uma data para resolver a situação, diz que o fisco ainda terá de analisar os “constrangimentos jurídicos e tecnológicos” para apresentar “uma proposta de regulamentação” ao Governo.
A ausência de regulamentação, afirma o PAN, faz com que “pelo terceiro ano consecutivo alguns progenitores/sujeitos passivos” não vejam os filhos considerados no IRS, o que, contesta o partido, “é injusto” e traz a esses contribuintes “grandes prejuízos”.
Segundo o Censos de 2011, havia em Portugal 593.667 pessoas divorciadas. Não se sabe quantas têm sido prejudicadas no IRS por causa desta dificuldade, nem há dados disponíveis do universo potencial desses contribuintes, porque as informações estatísticas do fisco relativamente ao IRS não permitem saber quantos contribuintes singulares são cidadãos divorciados ou separados. O que se sabe é que em Portugal, para efeitos fiscais, há cerca de 2,9 milhões de contribuintes não casados (dados de 2017), um número onde se incluem tanto cidadãos divorciados, como solteiros e viúvos.