Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
Em Agosto houve vários casos de violência doméstica ou homicídio em que a separação foi referida como motivação para o agressor. António Castanho, psicólogo da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica, contextualiza: “Quando [a vítima] tenta sair é quando surge o maior perigo”. Dados mostram isso mesmo.
Quando a mulher de 20 anos quis terminar a relação, o jovem de 19 anos sequestrou-a. Amarrou-a a um móvel da garagem da casa onde viviam, em Pombal, não lhe permitiu ter contactos, obrigava-a a fazer as suas necessidades fisiológicas num balde. O agressor foi constituído arguido, mas aguarda julgamento em liberdade. Em Penafiel um homem de 26 anos foi detido porque exercia violência psicológica contra a ex-namorada da mesma idade. Em Guimarães uma mulher de 52 anos foi atingida a tiro pelo ex-companheiro (foi levada para o hospital, com vida).
Desfecho mais trágico teve uma mulher morta a tiro de caçadeira pelo marido na Azambuja, ambos com mais de 40 anos. Ou da mulher de 56 anos em Lamego, assassinada a tiro pelo ex-marido. Ou da mulher de 40 anos em Aveiras de Baixo, Cartaxo, morta em casa em frente às filhas menores, também com tiros. Todos estes casos ocorreram neste mês de Agosto e têm em comum o facto de os agressores não terem aceitado a separação.
Num estudo feito em 2013 pela Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD), e coordenado pelo psicólogo António Castanho, conclui-se que, entre os 19 casos analisados, a separação ou intenção de separação, o distanciamento emocional, surge como uma das razões invocadas ou inferidas para a prática dos homicídios. A separação, ou intenção de o fazer, está igualmente entre os factores de risco mais frequentemente assinalados. Na esmagadora maioria (73,7%) as vítimas foram mortas menos de dois meses depois da separação ou da intenção de separação.
António Castanho, psicólogo e psicoterapeuta que faz parte da EARHVD e que trabalha na área há anos, refere que vários estudos apontam a separação como o principal factor de risco para o exercício da violência ou homicídio, podendo mesmo constituir-se como o “ponto de viragem”: "está estabelecido que 70% dos homicídios em violência doméstica ocorrem nos primeiros três a seis meses após a separação”, diz.
De facto, a separação está estabelecida “há muitos anos como um dos principais factores que funciona como ‘disparador’ para a prática de homicídio”, refere. “Normalmente associado a isso vem a escalada da violência, dos comportamentos que muitas vezes culminam em violência física. Existem muitas agressões graves e tentativas de homicídio que são desencadeadas por situações de perda de controlo por parte do agressor.”
Segundo António Castanho, os comportamentos controladores existem desde o início da relação, mas muitas vezes não são percebidos pelas vítimas ou então são mal interpretados, refere. Ao longo do processo, o agressor vai envolvendo a vítima neste mecanismo de controlo que, muitas vezes, passa por estratégias de isolamento. “A vítima vê-se cada vez mais numa teia de aranha, quando se apercebe já não se consegue mexer, e quando tenta sair é quando surge o maior perigo. Por isso é muito importante saber o que o agressor está a fazer.”
Por outro lado, chama a atenção: não podemos limitar o conceito de separação apenas à separação física. “Pode ser a intenção da separação ou a percepção, pela parte do agressor, de que a vítima está a separar-se. A partir de determinada altura a vítima faz um movimento diferente: volta a contactar a família, a autonomizar-se, a trabalhar, e o agressor interpreta isto como uma ameaça.”
Em “quase todos os casos em que existe controlo, após uma separação há um agravamento do padrão”. Uma das questões que o psicólogo coloca é o facto de, em certos casos, existir uma dependência do agressor — como aqueles em que os homicidas se suicidam depois de matar a mulher. “Não conseguem ver a vítima fora da vida deles e portanto a vida deixa de fazer sentido.” Nota: “Muitos dos que se suicidam verbalizaram ameaças de suicídio e revelaram indicadores de depressão, associada ou não a outras perturbações. Frequentemente o homicídio seguido de suicídio ocorre após a percepção por parte do agressor de que não conseguirá continuar a controlar a vítima e perdeu esse controlo definitivamente.” Por isso considera “essencial que na avaliação de risco sejam mais valorizadas as ameaças de suicídio e a história de depressão do agressor. A intervenção da Saúde nesta questão (gestão do risco) é fundamental e poderá ser accionada pela justiça”.
Nos casos em que os homicidas não se suicidam são agressores com personalidade narcísica e anti-social, que matam para recuperar a “honra” ou a sua imagem, refere. “Foram feridos na sua parte narcísica, têm necessidade de repor a imagem, e recorrem a um homicídio ou a uma agressão grave, não sentem remorso e não se suicidam.” Estes correspondem a cerca de 15 a 20% dos casos; aqueles em que existe suicídio a seguir ao homicídio são “entre um terço e um quarto dos casos”.
A que sinais de alerta as vítimas devem estar atentas quando se querem separar? “Muitas vezes, quando se fala em violência doméstica, pensa-se em violência física. Mas há agressores que nunca bateram nas vítimas, nunca houve violência física, mas de um momento para o outro podem cometer um homicídio”, responde. “É importante perceber a avaliação da vítima: quando a vítima sente medo do agressor. Se perguntar à vítima se ela tem medo do agressor, e ela responder que sim, isso é uma bandeira vermelha. Não é normal, numa relação de intimidade, que uma pessoa tenha medo da outra. Ninguém melhor que a vítima sabe quem é o agressor. As vítimas raramente sobrevalorizam o medo, às vezes o que acontece é que desvalorizam. Muitas vezes [o medo] não é traduzível em actos concretos — porque há mudança de comportamento do agressor, por exemplo. As vítimas estão tão sintonizadas por causa do medo, e alertas, que sentem as variações no comportamento do agressor”, conclui.