31.8.20

Europeus querem voltar à escola apesar da covid-19, nem que seja preciso serrar as mesas

Maria João Guimarães, in Público on-line

Medidas para o recomeço das aulas no básico e secundário são muito diferentes de país para país, desde a dimensão das turmas ao uso obrigatório de máscara.

Em Itália há escolas prontas a serrar mesas e bancos corridos para se conseguir distância entre alunos. Na Alemanha são oferecidos testes gratuitos aos professores. Em Espanha, além dos professores, alunos do secundário planeiam greves por acharem que as medidas são insuficientes. Em França, pede-se aos avós que não vão buscar os netos à escola.

O ano lectivo está a arrancar em vários países europeus, muitos dos quais tinham tido apenas recomeços voluntários ou parciais das aulas após o confinamento, e as medidas são variações dos eixos de prevenção — salas arejadas, com distância entre alunos, turmas mais pequenas e sem contacto umas com as outras, horários desencontrados, e máscaras. Estas são exigidas aos professores (em Itália, têm ainda de usar uma viseira por cima), e em alguns países, como França e Grécia, aos alunos. Espanha exige com algumas excepções, Itália só se não for possível manter a distância, e na Alemanha considera-se que prejudica a capacidade para aprendizagem, e exige-se apenas nos espaços comuns.

Há alguma repetição de problemas em vários países: escolas envelhecidas, com janelas que não abrem, sem equipamento de ventilação, falta de salas e de professores para manter as turmas separadas e idealmente sem contacto umas com as outras. A juntar a isso, muitos países, como Espanha ou Alemanha, têm políticas de educação decididas pelas autoridades regionais.

Um exemplo fora da Europa assustou muitos — o caso de Israel, em que a reabertura das escolas foi um factor decisivo para o descontrolar da pandemia no país — especialmente porque o recomeço está a ser feito quando o número de infecções está a aumentar em muitos países europeus.

Apesar disso, nos países europeus que recomeçaram as aulas, não houve nenhum caso de nenhum surto ligado a uma escola — ao contrário do que aconteceu como aconteceu com funerais, matadouros, coros, etc.

“Até agora sabemos que as escolas não têm sido um dos principais locais que tenham contribuído para a epidemia”, disse Hanks Kluge, director regional da Organização Mundial de Saúde para a Europa, esta semana.

Wieland Kiess, investigador do Hospital Universitário de Leipzig, é um grande defensor do regresso dos alunos. “O encerramento das escolas só é eficaz se quisermos provocar danos às nossas crianças”, declarou mesmo. Os efeitos são psicológicos e físicos, e mais presentes em famílias de baixos rendimentos, apontou.

A importância do recomeço das aulas é sublinhada por vários responsáveis políticos e o governo britânico chegou mesmo a ameaçar multar os pais que não mandassem os filhos à escola.

Mas tem havido avanços e recuos em muitos países, que definiram e redefiniram gregas, e a isto soma-se alguma urgência e falta de tempo para a tarefa. Por exemplo, em Itália, onde muitas escolas têm bancos e secretárias corridas, as secretárias encomendadas — 2,4 milhões — só deverão acabar de chegar em Outubro. Por isso, os responsáveis de algumas escolas já têm serras prontas a cortá-las ao meio.

Em Espanha, uma dirigente de um sindicato de professores duvidava que fosse possível fazer as alterações necessárias para o limite de 20 alunos por turma que o Governo prometeu: é como “ter um casamento dentro de três dias e não se ter feito nada, nem sequer ter comprado o vestido”, declarou.
Uma montanha russa

A Alemanha tornou-se primeiro um exemplo dos problemas que podem acontecer quando se reabrem as escolas, quando na primeira semana apareceram logo casos de infecção, mas tirando um caso, não foi preciso fechar toda a escola.

O país tornou-se um exemplo a observar porque está a ter uma abordagem de resposta muito rápida a qualquer infecção nas escolas, uma estratégia que mistura testagem rápida, rastreamento de contactos, e quarentenas para quem possa ter sido mais exposto. Como parte da estratégia é de grupos sem contacto uns com os outros, basta isolar um grupo e não é necessário fechar toda a escola.

Parece mais fácil dizer do que fazer: Dirk Kwee, director da escola secundária Heinz-Berggruen, em Berlim, descreve “uma montanha russa” desde o recomeço das aulas num artigo do New York Times.

No terceiro dia de aulas, uma quarta-feira, foi detectada uma infecção, uma aluna do 6º ano. No dia seguinte, foram feitos testes e rastreamento de 31 alunos, que no dia seguinte vieram todos negativos. Mesmo assim, quem tinha estado sentado perto da aluna infectada ficou de quarentena.

Na segunda-feira seguinte, a outra metade da turma regressou à escola. E no mesmo dia, foi detectado um segundo caso, numa turma do 7º ano.

Em Berlim, nas primeiras semanas de aulas registaram-se 49 infecções entre professores e alunos, mas não houve mais do que 600 entre os cerca de 366 mil da cidade a ter de ficar em casa, diz o New York Times, e em 803 escolas, houve casos em 39.

Virologistas que encararam a reabertura com apreensão vêem estes resultados, ainda iniciais, como um bom sinal. “É confuso e imperfeito e gostaria de ter visto mais precauções, mas o que parece claro até agora é que está a resultar”, disse Sandra Ciesek, virologista do Hospital Universitário de Frankfurt, ao jornal norte-americano Wall Street Journal. Ciesek fez parte de um grupo de vários especialistas que alertaram para a ideia errada de que as crianças não têm um papel na disseminação do vírus, e para o perigo das aulas, em especial depois de “ter sido reconhecida a transmissão por aerossóis, ou seja, a transmissão através do ar”.

O sucesso não depende, no entanto, apenas das medidas aplicadas pela escola. A infecção da primeira aluna foi descoberta no trabalho de rastreamento de contactos: uma familiar da aluna foi testada porque tinha estado em contacto com outra pessoa que foi infectada durante as férias, foi testada no regresso, e as pessoas com quem estivera entretanto em contacto foram também testadas.

A ministra da Educação do estado da Renânia-Palatinado, Stefanie Hubig, que lidera um grupo dos 16 ministros de todos os estados federados alemães, disse que o melhor meio de proteger as escolas tem a ver com o comportamento de pais, professores e alunos fora da sala de aula. “Antes de pensarmos em fechar as escolas de novo talvez devêssemos pensar em fechar bares ou não ter grandes concentrações de pessoas”, disse.

O problema é que as escolas reflectem o que se passa à sua volta: em cenários de grande transmissão na comunidade, isso será espelhado também nas salas de aula.