21.8.20

Pandemia empurrou mais 12 mil pessoas para o Rendimento Social de Inserção

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Inverteu-se tendência de descida no número de beneficiários desta prestação social destinada a pessoas em pobreza extrema, que se mantinha sem mácula desde Abril de 2018.

Cresce de dia para dia o número de beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI), medida destinada a aliviar a pobreza extrema e a ajudar a sair dela. Em Fevereiro, antes de o novo coronavírus atingir Portugal, o Instituto de Segurança Social contava 199.160. Em Julho, 211.659, um terço menores de 18 anos.

Há quase dois anos que o recurso a esta medida estava a diminuir sem vacilar. Somava 222 mil beneficiários em Abril de 2018 e, pouco a pouco, foi caindo até ficar abaixo dos 200 mil em Fevereiro deste ano. Para encontrar um valor tão baixo era preciso recuar até Março de 2006 (188 mil), antes da crise da dívida. Com o alastrar da pandemia de covid-19, a tendência inverteu-se: 200.368 em Março, 202.742 mil em Abril, 206.334 mil em Maio, 210.485 mil em Junho, 211.659 mil em Julho.

Não será só o aumento da severidade da pobreza, a perda de emprego, subemprego, biscates e outras formas precárias de trabalho. A síntese divulgada esta quinta-feira no Portal da Segurança Social chama a atenção para o contributo das medidas de flexibilização de acesso ao RSI. Pode pedir este apoio quem tem residência legal em Portugal e está numa situação de pobreza extrema. Os desempregados com condições para trabalhar têm de estar inscritos no centro de emprego e assumir o compromisso de celebrar um contrato de inserção no prazo de 45 dias. No pico da pandemia, esse prazo desapareceu.

No quadro de medidas excepcionais de protecção social tomadas por causa da crise de saúde pública, a renovação ficou garantida. Os beneficiários não tinham de a pedir, mas eram chamados para uma entrevista que servia para apurar dados. Adiou-se essa verificação oficiosa da composição do agregado familiar e dos rendimentos.

Várias instituições que trabalham no terreno alertaram para a perda abrupta de rendimentos. E o Governo decidiu que a prestação passaria a ser determinada em função do rendimento do mês do requerimento e não do mês anterior – ou da média dos três últimos, no caso dos trabalhadores independentes.

O valor global da prestação subiu ligeiramente. Em Julho, o valor médio mensal processado por família era 264,45 euros – em Março 259,43. Quem vive sozinho recebe, no máximo, 189,66 euros. Quem vive em família recebe, no cúmulo, 189,66 pelo titular, 132,76 por cada outro adulto maior de idade e 94,83 por cada menor. O valor final depende de uma complexa conta em que entra até a habitação social.

Um ziguezague de pobreza e política

Desde que foi criada, em 1996, então como Rendimento Mínimo Garantido, a evolução desta medida tem estado associada aos indicadores de severidade da pobreza. Mas também aos critérios de acesso, tradicionalmente mais apertadas nos governos PSD/PP.

Na última crise financeira e económica, o número de beneficiários começou por subir, acompanhando o aumento do desemprego e da precariedade (417 mil em 2008, 485 mil em 2009, 525 mil em 2010). Ainda no governo do PS, liderado por José Sócrates, iniciou uma queda (447 mil em 2011) e assim seguiu no governo encabeçado por Pedro Passos Coelho (420 mil em 2012, 360 mil em 2013, 320 mil em 2014).

Logo no Verão de 2010, foram alteradas as condições de recurso. Já em 2012, os critérios de elegibilidade voltaram a apertar e os montantes a diminuir. A medida perdia eficácia, alertavam então os estudiosos das desigualdades, como Carlos Farinha Rodrigues, e instâncias nacionais e internacionais, como o Eurofound.

Como acordado com os partidos que o apoiavam, o Governo liderado por António Costa voltou a tornar a medida mais acessível e determinou o regresso, progressivo, dos valores. Com a retoma económica, persistiu a tendência de queda (295 mil em 2015, 287 mil em 2016, 288 mil em 2017, 282 mil em 2018, 267 mil em 2019). Em Março deste ano, com o país fechado dentro de casa para controlar e prevenir o vírus, a orientação virou.
Mais mulheres e crianças

Para lá da pandemia e suas consequências, analisando a evolução, é evidente que alguns aspectos nunca mudam. O Porto continua a ser, de longe, o distrito com mais beneficiários. Em Julho, somava 57.352. Bem distante dos quatro seguintes classificados: Lisboa (40.544), Setúbal (21.048), Açores (15.337) e Aveiro (9.253).

A estatística mostra o predomínio das crianças (32,4% do total). O recurso a esta medida diminui com a entrada na idade activa (entre os 18 e 29 anos representaram 14,0%, entre os 30 e os 39 anos 11,1%, dos 40 aos 49 anos integraram 14,0%) e volta a subir no fim (as pessoas com 50 ou mais anos perfizeram os restantes 28,4%).

Os dados reflectem também o peso do género: entre os beneficiários, 109 mil mulheres e 102 mil homens. O sexo masculino predomina na infância e na passagem para a vida adulta. Isso só volta a acontecer numa fase mais tardia da vida, embora aí as diferenças sejam mais esbatidas.

O aumento do desemprego registado faz prever uma continuação desta curva de crescimento. Outras medidas podem estar a servir de tampão. É o caso da prorrogação automática do subsídio social de desemprego até Dezembro de 2020 (que somava 7.805 beneficiários em Março e 10.894 em Julho) e da criação do Apoio extraordinário à redução da actividade económica de trabalhador independente.