Sérgio Aníbal, in Público on-line
Mais afastados de medidas de protecção como o layoff simplificado, os trabalhadores com contratos a prazo ou vínculos ainda mais frágeis foram os que em maior número perderam o emprego nos últimos meses.
Com contratos a prazo ou simplesmente a “recibos verdes”, os trabalhadores com uma situação contratual mais precária, com um nível de escolaridade mais baixo e predominantemente a trabalhar nos serviços foram aqueles que, nos primeiros meses da pandemia, perderam os seus empregos. Entre os trabalhadores com contratos mais estáveis, a medida do layoff simplificado evitou para já uma perda de emprego, que no futuro se pode tornar inevitável.
É uma das características habituais do mundo do emprego e o do trabalho: aqueles que vivem uma situação de maior precariedade no seu emprego são normalmente os que mais sofrem quando chega uma crise – mas nunca isso terá sido tão evidente como agora.
Os dados do inquérito de emprego publicados esta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística revelam que, entre o final do ano passado e o segundo trimestre deste ano, a perda de empregos registada em Portugal centrou-se naqueles que o faziam com um contrato a termo, com outro tipo de relação contratual de carácter também muito frágil ou registando-se como trabalhadores por conta própria.
Entre o final do ano passado e o segundo trimestre deste ano o mercado perdeu, diz o INE, cerca de 176 mil empregos, isto é, 3,6% do total. Só durante o segundo trimestre, a perda foi de 135 mil empregos. Mas quando se olha para os contratos sem termo, aqueles que asseguram aos trabalhadores uma maior estabilidade, aquilo que aconteceu durante os últimos seis meses foi um aumento de cerca de 12 mil empregos (uma ligeira variação positiva de 0,5%).
Em contrapartida, perderam-se cerca de 128 mil empregos com contratos a prazo, uma variação negativa de 18,1%, e cerca de 33 mil empregos em que o contrato é de outro tipo, o que corresponde a uma perda de 26,2%.
De igual modo, no que diz respeito aos trabalhadores classificados como estando por conta própria, a perda no número de empregos foi de 27 mil, ou 3,3%.
Olhando para outros indicadores, fica-se ainda com um perfil mais completo daqueles que já perderam o emprego durante esta crise. Primeiro, trabalham na sua maioria no sector dos serviços, em que se perderam 144 mil empregos, sendo 51 mil destes relativos ao alojamento e restauração e 50 mil ao comércio por grosso ou a retalho.
Depois, têm um nível de escolaridade tendencialmente mais baixo. Nos últimos seis meses, passou a haver menos 183 mil pessoas empregadas que estudaram até ao ensino básico, enquanto com o ensino secundário há menos 42 mil empregos e com o ensino superior mais 49 mil empregos.
No auge da crise anterior, o número de empregos de maior precariedade também diminuiu, mas menos do que os empregos com contrato sem termo, algo que deverá ter acontecido porque, com os sectores associados ao turismo a serem, desde cedo, uma tábua de salvação para quem perdia o emprego, vários trabalhos temporários e mais informais foram surgindo. Agora, o sector do turismo é, pelo contrário, um dos mais afectados pela pandemia.
O impacto do layoff simplificado
A explicação para a diferença de impacto entre trabalhadores mais e menos precários nesta fase inicial da crise é a habitual: tendo uma situação contratual mais frágil, os trabalhadores com contrato a prazo ou outra ligação ainda mais precária são os primeiros sacrificados pelas empresas, quando estas reduzem o nível de actividade. Porém, desta vez há uma explicação adicional. É que, com a introdução da medida do layoff simplificado, foi possível a muitas empresas e trabalhadores (maioritariamente com um contrato sem termo) manterem o vínculo laboral.
Para esses trabalhadores, alvo do layoff e que deixaram de trabalhar total ou parcialmente, o impacto da crise foi sentido por via de uma perda de rendimento. O emprego, esse, não foi ainda perdido.
Nos dados publicados esta quarta-feira, o INE inclui diversa informação que permite perceber a dimensão dos efeitos do layoff simplificado no mercado de trabalho português.
A mais impressionante é a que revela que, no que diz respeito ao segundo trimestre deste ano, apesar de a perda de empregos ser de 2,8%, a diminuição das horas trabalhadas pelos portugueses ascendeu 22,7%, um resultado nunca antes visto.
Esta queda tão acentuada leva em conta o efeito da colocação em layoff de muitos milhares de trabalhadores durante este período. O INE assinala que “a redução do volume de horas trabalhadas está sobretudo associada ao aumento da população empregada ausente do trabalho”, um acréscimo que correspondeu a 1,08 milhões de pessoas ou 22,8% da população empregada, um valor que é “mais do dobro da observada no trimestre anterior e quase o quádruplo da existente no trimestre homólogo”.
E especifica ainda que, deste aumento de 1,08 milhões de pessoas, a maior parte ficou a dever-se “à redução ou falta de trabalho por motivos técnicos ou económicos da empresa (que inclui a suspensão temporária do contrato e o layoff), razão apontada por 680,1 mil daquelas pessoas (cerca de dez vezes o número do trimestre anterior)”.
No futuro, com o desaparecimento das condições mais favoráveis da medida do layoff e com o prolongamento de uma situação difícil no mercado para muitas empresas, este efeito de protecção do emprego pode começar a esbater-se, provocando perdas de emprego significativas para outros grupos de trabalhadores, seja qual for o tipo de contrato de trabalho ou o nível de qualificação.
Mas para já na linha da frente desta batalha, menos protegidos pelas medidas anticrise lançadas pelo Governo, estão os trabalhadores mais precários, com a agravante de que são estes que mais vezes se encontram numa situação em que não possuem os requisitos necessários para receber o subsídio de desemprego.