Ana Carrilho, in RR
Cerca de quatro mil pessoas dependem da realização de eventos. Mas, com a pandemia, não há, desde março, concertos, festivais, congressos ou similares. Há empresas em risco de falência e pessoas a passar fome. Trabalhadores não querem subsídios, querem trabalho.
Os últimos meses têm sido difíceis para Marco Nunes, técnico de som "freelancer", que trabalha a recibos verdes para diversas empresas. Com duas filhas, seria ainda pior se não tivesse a ajuda da família e amigos. E se não tivesse arranjado outro trabalho numa imobiliária.
O que Marco mais deseja é voltar a ter trabalho. Frisa que prefere trabalhar do que depender de um apoio que sabe que terá de pagar mais cedo ou mais tarde. “Deixem-nos trabalhar, porque sei que no final do evento ou do mês vou receber o meu dinheiro."
Marco sabe de muitos colegas que estão “a passar mal" e, "nalguns casos, passam fome”.
Não é o caso de Duque Moita. Também é "freelancer", com mais de 30 anos de trabalho, “para todas estas empresas que aqui estão esta tarde”, mas não é “invisível”. Explica que, apesar de ser trabalhador independente, sempre pagou as suas contribuições e impostos e, por isso, agora, tem apoio do Estado. “Não estou assim tão aflito. Os invisíveis são os que não descontam”, aponta.
No entanto, espera que a situação se resolva rapidamente, que as empresas consigam o objetivo de começar a trabalhar. “Se houver trabalho, todos ganhamos. À espera de subsídios não é a melhor forma de viver."
Duque Moita foge ao “modelo” da quase totalidade dos técnicos de som presentes na Praça do Comércio, que vestem t-shirts ou polos pretos e calças ou calções cheios de bolsos. Centenas. Cada um encostado à sua caixa de material, umas maiores que as outras, mas quase todas negras e com as rodas viradas para o Arco da Rua Augusta e de costas para D. José. Todos num protesto pacífico, sem discursos ou palavras de ordem. Todos à espera do vídeo mapping que seria projetado nos edifícios depois das nove, com noite escura. Todos de máscara e com distanciamento obrigatório, lembrado de tempos a tempos pelo speaker de serviço.
Daniel Oliveira é um dos muitos jovens presentes. Trabalha há oito anos no ramo e espera ansiosamente que haja condições para voltar a trabalhar, mesmo sendo funcionário de uma empresa. “Nem tudo o que nos dizem é verdade”, comenta quando confrontado com a ideia de que dentro do cenário negro, os trabalhadores com vínculo estão em situação menos má do que a dos freelancers.
Ideia confirmada por Céu Paiva. Afirma que a empresa a que pertence tem vinte e dois funcionários e não recorreu ao lay-off simplificado. “Mas se vier uma segunda vaga, não aguenta, certamente. Como é que as empresas podem suportar os custos se não houver trabalho?” – questiona.
"Queremos igualdade"
Céu Paiva defende que já deviam estar a ser feitos mais espetáculos. “Já abriram alguns teatros, com distanciamento e medidas de segurança. Porque não se fazem eventos? Mas mostra-se muito apreensiva com a Festa do Avante. “É muita gente, mesmo com restrições e medidas de segurança, é muito arriscado, vamos ver o que dá”.
“Se uns podem, porque é que os outros não? – pergunta Marco Nunes, referindo-se à Festa na Quinta da Atalaia. “Não me venham dizer que não vai haver música ou que a Covid-19 não comprou bilhete e não pode entrar”. Refere ainda os espetáculos organizados pelas televisões diariamente e em especial ao fim-de-semana, em que os artistas podem lá ir cantar sem problemas. “Defendo o direito à igualdade”.
Cerca de um milhar de postos de trabalho em risco nos próximos meses
A realização de eventos diversos – concertos, espetáculos, festivais, congressos, exposições, feiras e mega-eventos como o Websummit – envolve cerca de quatro mil profissionais, no mínimo. São contas por alto que faz o presidente da recém-criada Associação Portuguesas de Serviços Técnicos para Eventos. Tem 170 empresas associadas que faturam anualmente mais de 140 milhões de euros. Mais de metade dos profissionais são freelancers, mas mesmo entre os que têm vínculo, o desemprego pode bater à porta de 700 a mil pessoas nos próximos meses, se a situação e as medidas de apoio não forem alteradas, avisa Pedro Magalhães. “A situação é dramática e já há pessoas a passar fome”. Pessoas que não foram esquecidas: no Terreiro do Paço havia uma tenda de recolha de bens alimentares para serem distribuídos posteriormente e nalguns casos, com a devida discrição.
O Manifesto já obrigou a um passo do governo: esta quarta-feira à tarde o Secretário de Estado do Comércio e Serviços, João Torres, recebe a Associação. A prioridade de Pedro Magalhães será a de sensibilizar o governante para a necessidade de se criarem condições para a retoma efetiva do trabalho. Sem ela, serão necessários apoios. O lay-off simplificado foi uma medida interessante para muitas empresas, mas o apoio à retoma progressiva da atividade não serve este setor diversificado “porque não há retoma, quanto muito no verão do próximo ano”. E chamar a atenção para a necessidade de apoiar os muitos trabalhadores sem meios ou direito a subsídio de desemprego.
A recém-constituída Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos (APSTE) reclama do governo medidas que se adaptem a esta área que contribui com milhões de euros para o erário público.
Embora não seja uma questão urgente, a APSTE vai defender a criação de um CAE (Classificação de Atividade Económica) único para o setor. “Entre os 170 associados temos cerca de trinta CAE’s diferentes. Devem existir cerca de mil empresas, nem nós conhecemos bem o nosso sector”, admite Pedro Magalhães.
No entanto, tem a noção que faz entrar muito dinheiro nos cofres do Estado através dos eventos que realiza, ajuda a fomentar o turismo de negócios e a aumentar o PIB nacional. E que, por isso, é altura de ser visto com mais atenção pelo Governo.