3.8.20

Região de Lisboa com ‘via verde’ para os novos fundos europeus

Joana Nunes Mateus, in Expresso
Ministro do Planeamento, Nelson de Souza, quer apoiar as grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto a combater as maiores bolsas de pobreza do país

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) pode ser das regiões mais beneficiadas pelos novos subsídios do Mecanismo de Recuperação e Resiliência que os líderes dos 27 Estados-membros acordaram no último Conselho Europeu. Em causa está um envelope adicional na ordem dos €13 mil milhões que o país vai receber, para recuperar da crise, entre 2021 e 2026.

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência pode financiar, a fundo perdido, investimentos que os tradicionais fundos comunitários não costumam pagar à região mais rica do país. Contrariamente às verbas do atual quadro Portugal 2020 ou do futuro quadro Portugal 2030, estes novos subsídios não precisam de ser canalizados para as regiões menos desenvolvidas do país. Ou seja, nada impede o Governo de privilegiar a região com o maior produto interno bruto per capita (em paridade de poder de compra que corrige a diferença de nível de preços).

Mesmo antes da crise pandémica, já o fenómeno dos ‘coletes amarelos’ confirmava a necessidade de Bruxelas dar mais atenção às grandes cidades no novo orçamento europeu. E o Governo português sempre procurou mais fundos para intervir nos bairros mais pobres e degradados da AML. Já em 2019 o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, prometia ao Expresso encontrar “recursos mais substantivos para apoiar uma nova geração de políticas urbanas, que incluam, além da componente física da reabilitação urbana, uma dimensão social de apoio à integração, melhoria dos serviços coletivos, criação de emprego mais apropriado à juventude, etc”.

Fonte governamental assegura agora que o ministro continua bastante empenhado neste dossiê e que será adotada uma iniciativa para as grandes áreas metropolitanas, “onde se escondem as maiores bolsas de pobreza do país”. A mesma fonte confirma que haverá viabilidade de financiamento para um projeto desta envergadura nos próximos instrumentos europeus, seja para Lisboa, para o Porto e eventualmente outras cidades grandes. O gabinete do ministro do Planeamento assegura já estar a trabalhar neste sentido.

Oportunidade única

Esta é uma oportunidade única para a região de Lisboa, que tem visto o seu tradicional envelope reduzir-se a cada quadro comunitário. Por exemplo, os dados relativos ao primeiro trimestre deste ano revelam que os habitantes da AML receberam uma média de €462 do Portugal 2020, contra €6470 nos Açores, €3250 na Madeira, €2964 no Alentejo, €2602 no Centro, €2287 no Norte e €1026 no Algarve.

Além de menos fundos, a AML também goza de uma taxa de comparticipação europeia mais baixa, penalizando os territórios mais pobres de uma grande região que envolve realidades tão díspares como os municípios de Lisboa, Oeiras, Cascais, Mafra, Vila Franca de Xira, Odivelas, Sintra, Loures e Amadora, na margem norte do Tejo, ou Alcochete, Almada, Setúbal, Palmela, Seixal, Sesimbra, Montijo, Barreiro e Moita, na margem sul.

Facto é que a região capital de Portugal surge mal posicionada no índice de competitividade regional da Comissão Europeia. A AML é a 97.ª região mais desenvolvida da União Europeia quando se olha para o PIB per capita. E desce para 128.º lugar quando se acrescentam dezenas de outros indicadores sobre a qualidade das infraestruturas, saúde, educação, emprego, inovação ou governação. Daí que vários políticos e empresários da margem sul de Lisboa já tenham defendido a emancipação da península de Setúbal da AML como forma de investirem mais nos seus territórios.

No âmbito da definição da estratégia para a próxima década, a Agência de Desenvolvimento e Coesão (AD & C) também já destacou a relação existente entre a capacidade de convergir de um país e o desempenho económico da sua região capital.

Comparando o ano de 2000 com os dados mais recentes para 2018, constata-se que Portugal divergiu, em vez de convergir, e que Lisboa baixou de 123% para 100% do PIB per capita da União Europeia. No plano interno, revela-se como Lisboa deixou de puxar pelo país e as restantes seis regiões portuguesas ficaram todas mais pobres face ao ano de 2000 (primeiro gráfico). No plano externo, destaca-se como Lisboa diverge da trajetória de enriquecimento das regiões capitais de alguns dos países de Leste, que já nos ultrapassaram ou nos estão prestes a ultrapassar no ranking do PIB per capita (segundo gráfico).

Plano em outubro

Para aceder a estes fundos, Portugal precisa de submeter a Bruxelas um plano nacional de recuperação e resiliência, explicando em que reformas e investimentos concretos pretende aplicar o dinheiro. O Governo já prometeu apresentá-lo até outubro de 2020, pois, apesar de as verbas poderem chegar apenas em meados do próximo ano, nada as impede de pagar projetos iniciados antes.

A Comissão Europeia pede agora rapidez e ousadia aos Estados-membros na identificação de projetos virados para o futuro capazes de acelerar a transição ecológica e digital e de desbloquear de vez os entraves estruturais ao maior desenvolvimento do país, como é o caso do baixo nível de competências dos portugueses.