Alexandra Campos, in Público on-line
Ex-director-geral da Saúde e médicos reputados criticam plano de resposta para o Outono-Inverno e avisam que “os profissionais que estão na linha da frente devem poder descansar para estarem preparados e devem ser justamente compensados”. Estão “exaustos e desmotivados”
Neste Outono-Inverno, em que, “pela primeira vez na história moderna”, uma segunda vaga da pandemia de covid-19 pode coexistir com a epidemia de gripe e a circulação de outros vírus respiratórios, os hospitais “não podem ser abandonados à sua sorte” e “é preciso colmatar os défices de profissionais de saúde” que existem em vários sectores, captando para o Serviço Nacional de Saúde “recém-especialistas das especialidades que têm estado na linha da frente ou no seu apoio”, defendem o ex-director-geral da Saúde Constantino Sakellarides e o presidente da Comissão de Qualidade da Federação Europeia de Medicina Interna, Luís Campos, num artigo que nesta terça-feira foi publicado na Acta Médica.
“Os profissionais que estão na linha da frente devem poder descansar para estarem preparados e devem ser justamente compensados. Muitos estão exaustos e desmotivados”, enfatizam no artigo intitulado “Os desafios dos hospitais perante a covid-19 e a gripe sazonal”, em que alertam para a necessidade de “uma forte liderança e elevado nível de coordenação” nos meses que se avizinham. O artigo é assinado também por Kamal Mansinho (director do Serviço de Infecciologia do Hospital Egas Moniz), Paulo Telles de Freitas (director do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital Amadora-Sintra) e Victor Ramos, um dos impulsionadores da reforma dos cuidados de saúde primários em Portugal.
Várias das medidas que preconizam estão previstas no plano de preparação para o Outono-Inverno de 2020-2021 que o Ministério de Saúde divulgou em 21 de Setembro. Mas este plano, criticam, além de não prestar atenção às necessidades dos profissionais de saúde, é “muito intencional e pouco operacional”, e não tem “enquadramento estratégico, priorização das medidas, quantificação, um cronograma, definição de responsabilidades, financiamento associado, gestão de recursos humanos e procedimentos em caso de sobrelotação”. A agravar, além de já ser “tardio”, tem ainda “de ser apreciado pelo Conselho Económico e Social e pelo Conselho Nacional de Saúde”.
Nesta altura em que a possibilidade de coexistência de várias infecções respiratórias cria “o cenário para uma tempestade perfeita”, recordam que Portugal é “o país europeu onde as pessoas recorrem mais às urgências hospitalares” e alertam que estas “poderão colapsar” e o internamento poderá “transbordar”, se não houver “uma estratégia integrada e faseada” e orientações nacionais que abranjam o conjunto do sistema de saúde. “Entraremos numa nova fase de cancelamento da actividade programada com consequências catastróficas para a saúde das populações.”
Durante o Inverno, recomendam, a propósito, os hospitais “devem adoptar uma lógica explícita sobre o que podem fazer e sobre aquilo que não podem fazer”. “Não podem adiar tudo. Uma das lições mais relevantes dos surtos de SARS em Toronto, de cólera no Haiti, de MERS na Coreia do Sul e de Zika nas Américas, e reforçada pela actual pandemia de covid-19, destaca que é incongruente impedir os óbitos causados por epidemias em curso, quando um número elevado de outros doentes morre porque não obteve, atempadamente, cuidados médicos.”
Recordando que “estes são tempos excepcionais, que requerem respostas excepcionais”, notam que “esta é uma oportunidade para resolução de problemas há muito identificados”. “Precisamos de voltar ao futuro e não ao passado”, até porque “os modelos conhecidos de operar foram interrompidos e o novo normal ainda não emergiu”, afirmam.
Na prática, e para descongestionar os serviços de urgência, sugerem que o atendimento aos doentes com sintomas gripais ou infecções respiratórias seja feito em estruturas fora do espaço das urgências, unidades que “já foram ensaiadas durante a pandemia de gripe A em 2009”.
No hospital, acrescentam, devem existir planos de contingência elaborados com o envolvimento dos profissionais “no terreno”, com respostas planificadas para os vários cenários. “Estes planos devem ser do conhecimento de todos os profissionais, para que todos saibam o quê, quando, porquê.”
Mas o plano não pode incluir apenas os hospitais. A resposta vai depender também dos cuidados de saúde primários, dos cuidados continuados e paliativos, das autarquias, e requer recursos na comunidade “com lideranças competentes, capacidade de gestão e meios”.
Frisando que “as respostas na próxima Primavera dependem de como chegamos ao fim do Inverno”, os cinco observam que é necessária “uma estratégia de comunicação apropriada” e deixam um recado às autoridades de saúde: “Não basta informar, é necessário analisar o seu impacto real e aprender com isso.”