São os mais jovens e menos escolarizados que mais sofrem este tipo de crime. O tipo de violência mais apontado é a psicológica. Maioria das vítimas não procura ajuda nem denuncia.
Um terço dos inquiridos num estudo da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) diz ter sido vítima de violência doméstica pela primeira vez durante a pandemia. Quinze por cento reportou a ocorrência deste crime na sua casa.
Os resultados preliminares foram divulgados nesta quarta-feira e indicam que são as mulheres quem mais refere ser vítima de violência doméstica (15,5%) durante este período de Covid-19, embora os homens também o sejam (13,1%).
"Este fenómeno, ainda que transversal a todos os grupos etários e níveis de escolaridade, tem especial relevo nos mais jovens e menos escolarizados. São também as pessoas que reportam dificuldades económicas ou cuja atividade profissional foi prejudicada pela pandemia quem mais refere ser vítima de violência doméstica", sublinha a ENSP em comunicado.
O projeto de investigação "VD@COVID19" procurou analisar a violência doméstica psicológica, física e sexual autorreportada durante a pandemia, tendo para isso recolhido, entre abril e outubro de 2020, um total de 1.062 respostas a um questionário online dirigido à população. .
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"O desenho do estudo levou a uma maioria de respondentes com ensino superior, o que permitiu incluir grupos sociais que frequentemente têm menor participação em estudos de violência doméstica", adianta a ENSP.
Os resultados indicam que, "em tempos de Covid-19, a ocorrência de situações de violência é uma realidade em Portugal com 15% dos participantes (159) a relatar ocorrência de violência no seu domicílio e um terço das vítimas (34%) disse ter sofrido violência doméstica pela primeira vez durante a pandemia".
O tipo de violência mais relatada é a psicológica, com 13% (138 participantes), seguindo-se a sexual, com 1% (11), e a física, com 0,9% (10), existindo coocorrência de diferentes tipos de violência.
Os investigadores referem que "a pandemia e o efeito das medidas de combate à propagação do vírus nos determinantes sociais e de saúde, como o agravamento das desigualdades socioeconómicas, nos consumos de álcool, medicamento e drogas e nos sentimentos de mal-estar e stress, potenciam o risco de violência doméstica".
Segundo o estudo, a maioria das vítimas não procura ajuda nem a denuncia (72%), por a considerarem "desnecessária", que "não alteraria a situação" e por se sentirem constrangidos com a situação.
Já os principais motivos para não ter denunciado a situação às autoridades policiais são que o "o abuso não foi grave" e "acreditar que as autoridades não fariam nada".
As vítimas que procuraram ajuda fizeram-no maioritariamente junto de profissionais de saúde mental e, globalmente, avaliaram positivamente a resposta que receberam.
"Os resultados deste estudo apontam para uma complexidade na ocorrência de violência doméstica e de género em tempos de Covid-19, pelo que existem pontos que carecem de maior aprofundamento, como, por exemplo, o perfil de vítima e o tipo de violência, novas vítimas e distribuição geográfica", afirma a coordenadora do estudo, Sónia Dias.
A investigadora adianta que "parece haver sinais de um aumento de casos não reportados oficialmente, considerando o facto de a grande parte das vítimas em tempos de Covid-19 não ter procurado ajuda ou denunciado", sendo por isso relevante continuar os esforços de recolha, análise e divulgação de dados, a sua caracterização e impactos, contribuindo para uma melhor definição de políticas públicas e planos de ação ao nível da prevenção e combate à violência doméstica.
Será também relevante, defendeu, "continuar os esforços para o planeamento e implementação de ações concretas de intervenção para o combate a todas as formas de violência doméstica e de género, bem como agilizar estratégias de proteção das vítimas em tempo de Covid-19, áreas que são acrescidas de maior dificuldade pelo contexto de pandemia".