Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Aumento da mortalidade conjugar-se-á com medo de recorrer aos serviços em plena crise pandémica para solicitar aquela prestação social de apoio aos mais pobres
As oscilações eram pequenas desde Abril de 2017. Andava nos 165 mil ou um pouco acima o número de beneficiários de complemento solidário para idosos (CSI), um apoio pecuniário destinado aos mais pobres. Com o anúncio da propagação de covid-19, o número foi baixando até aos 161 mil em Dezembro de 2020.
Como diz o sociólogo Fernando Diogo, dois aspectos podem explicar esta alteração: mais pessoas a sair do programa e menos pessoas a entrar. “A mortalidade que estamos a ter – quer covid, quer não covid – pode ter um impacto, mas haverá um outro factor covid, que é o medo”, analisa.
Tem direito a CSI qualquer pessoa com 66 anos e cinco meses com um rendimento anual inferior a 5258,63 euros (9202,60 euros, se for um casal). Os interessados têm de requerer, fazendo uma prova de recurso que exige entrega de uma multiplicidade de documentos. O valor a receber é a diferença entre o seu rendimento anual e aquele valor.
Muitos idosos mal saem de casa desde Março. “Podem tratar online? Talvez possam, mas estamos a falar de idosos, os menos familiarizados com essa possibilidade e os que agora mais temem ir aos serviços”, diz aquele professor da Universidade dos Açores, que há anos se dedica à investigação sobre pobreza.
Uma vez obtido o CSI, um idoso sai da medida se morrer, for para a prisão, emigrar ou tiver um repentino aumento de recursos. E, a esse nível, o que há é um excesso de mortalidade (covid e não covid) que afecta sobretudo as pessoas com mais de 80 anos.
Esta medida foi criada em 2005 para retirar os idosos da pobreza. E, com efeito, a pobreza naquela faixa etária baixou de forma sustentada entre 2006 (25.5%) e 2012 (14.7%). Isso acabou com a crise da dívida e as alterações introduzidas em 2012: o valor de referência recuou, deixando de acompanhar o limiar da pobreza.
Uma inversão da tendência
Em 2015, o PS prometeu repor o valor de referência do CSI no montante anual de 5022 euros, que vigorava em 2012. Depois de 5 anos consecutivos sem actualizações positivas, o valor subiu em 2016, 2017, 2018 e 2019, alcançando os actuais 5258,63 euros. Em diversas ocasiões, até por pressão do Bloco de Esquerda, a Segurança Social recebeu ordens para dizer aos potenciais beneficiários como e onde requerer CSI.
Olhando para a tabela actualizada pela Segurança Social esta quarta-feira, é preciso recuar a Janeiro de 2017 para encontrar o número de beneficiários na casa dos 161 mil. Em Abril daquele ano, estava nos 165 mil. Em Julho nos 166 mil. Em Novembro regressou aos 165 mil. E tem estado aí ou acima.
Houve um pequeno incremento em Janeiro de 2018 (166 mil), regressando de imediato aos 165 mil. Em Maio, o número de beneficiários tornou a subir (166 mil) e o mesmo aconteceu em Junho (167 mil), mantendo-se assim até Novembro. Nessa altura, voltou a baixar um pouco (166 mil), ficando nessa casa até Janeiro de 2019. Durante um ano inteiro, permaneceu nos 165 mil.
Em Janeiro de 2020, o CSI chegava a 165.073 pessoas. Em Fevereiro, quando já só se falava em covid-19, recuou para 164.799. E foi baixando, devagarinho, até chegar aos 161.314 em Dezembro de 2020.
Estes dados contrariam a expectativa de que esta prestação chegaria a mais idosos, tirando-os da pobreza. Nas últimas eleições legislativas, o PS prometeu recuperar o papel original do CSI, puxando o valor de referência para cima do limiar da pobreza (6014 euros em 2019). Essa promessa está por cumprir, embora conste nos princípios da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza em preparação. Introduziu outras medidas que aumentam o universo, como a eliminação do impacto do rendimento dos filhos no 2º e no 3º escalão de rendimento (manteve-se no 4º).
Há mais mulheres (116 mil) do que homens (49 mil) a receber CSI. Tiveram carreiras contributivas curtas ou mínimas, uma vez que não conta o trabalho doméstico e prestação de cuidados informais a crianças, deficientes de todas as idades e idosos.