Samuel Silva, in Público on-line
A pandemia teve pouco efeito nos níveis de incumprimento de pagamento por parte dos alunos. A diminuição das prestações de serviço e o adiamento de projectos internacionais explicam a redução nas verbas recebidas pelas universidades e politécnico.
As universidades e institutos politécnicos perderam 81 milhões de euros em receitas próprias face ao que tinham previsto em 2020. A pandemia levou a uma diminuição das prestações de serviços a empresas e outras organizações e também a um adiamento de projectos de investigação internacionais, o que explica em grande medida este resultado. Já a receita com propinas manteve níveis de cobrança semelhantes aos registados no ano anterior, o que parece afastar um efeito significativo da crise económica sobre o sector.
As instituições de ensino superior tinham uma previsão inicial de receitas próprias de quase 577 milhões de euros no ano passado e receberam pouco mais de 496 milhões de euros. Os dados constam do Relatório de Execução Orçamental do sector, relativo a 2020, que foi agora publicado pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES). Segundo o mesmo documento, a cobrança de receitas próprias foi de 86% face ao previsto, o que significa uma diminuição de 8% em relação ao ano anterior.
“Há uma redução derivada da prestação de serviços a empresas e outras organizações”, contextualiza o presidente do Conselho Superior dos Institutos Superiores Politécnicos, Pedro Dominguinhos. Essa quebra afectou tanto a atracção de novos projectos como a execução de tarefas que já estavam planeadas, acrescenta.
Este reflexo fica a dever-se aos constrangimentos que a pandemia provocou na actividade económica e da generalidade das organizações. Também houve uma quebra nas receitas com projectos de investigação financiados por fundos internacionais. Por causa das restrições provocadas pelo combate à covid-19, houve iniciativas previstas para 2020 que foram adiadas para este ano. “Como não houve execução física, não pudemos pedir as transferências das verbas respectivas”, explica Dominguinhos.
Já as propinas têm um impacto residual na diminuição da cobrança de receitas próprias. Temia-se que a crise económica motivada pela pandemia fizesse aumentar o número de estudantes a entrar em situações de incumprimento, mas os dados recolhidos pelo PÚBLICO junto das instituições de ensino superior parecem afastar esse cenário.
Incumprimento dos alunos inferior a 10%
“Não podemos considerar que tenha havido aumento das taxas de incumprimento, para além de pequenas alterações de ano para ano, que são normais”, valoriza o presidente do Instituto Politécnico de Bragança, Orlando Rodrigues. A avaliação é transversal a todas as instituições contactadas, com taxas de incumprimento no pagamento das propinas que são inferiores a 10%.
Mesmo instituições, como o Politécnico de Setúbal, que reportam um aumento no número de alunos que não pagaram as propinas, têm indicadores relativamente baixos – 5,3% de incumprimento, mais de 4 pontos percentuais do que no ano anterior.
A análise feita compara as taxas de incumprimento nos pagamentos dos alunos, tendo em conta que o valor das propinas diminuiu no último ano. As contas das instituições de ensino superior tinham uma previsão de quebra de receitas na ordem dos 43 milhões de euros, esperados em resultado da diminuição do valor das propinas nos Orçamentos do Estado para 2019 e 2020. O impacto dessa medida foi compensado por um aumento das transferências do Estado para as universidades e politécnicos, que totalizou 47 milhões de euros.
“Não houve uma quebra tão grande quanto isso” no cumprimento do pagamento das propinas, avalia o reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira. Naquela instituição foram criados “vários mecanismos de ajuda” para alunos em dificuldades económicas e que “foram menos procurados do que o esperado”. O PÚBLICO questionou também as instituições de ensino superior sobre os níveis de abandono verificados no ano passado. Os números recolhidos apontam para uma estabilidade face ao ano anterior.
Na semana passada, numa audição parlamentar, o ministro da Ciência e Ensino Superior foi também questionado pela deputada do PCP Ana Mesquita sobre os os impactos da crise económica ao nível do abandono escolar, tendo garantido que à DGES só chegaram dois casos de pedidos de auxílio de emergência devido a dificuldades económicas neste ano lectivo e que o recurso à linha de empréstimos para estudantes sofreu uma diminuição em 2020. “Seguramente, devido à resposta que foi dada pela acção social”, referiu, lembrando as alterações ao regime de acesso a bolsas de estudo, que permitiu abranger mais alunos.