Inês Garrido dos Santos, in Nit.pt
Estar farto da pandemia pode ter várias explicações e não é o mesmo que ter uma depressão.Cansaço, falta de energia ou pouca vontade de fazer seja o que for. Tem-se sentido assim? Saiba que não está sozinho. Milhares de pessoas passam por isto todos os dias. E a culpa pode ser da pandemia, mas não tem nada que ver com o vírus propriamente dito.
Claro que estar infetado com Covid-19 ou ter passado por esse processo cansa e pode fazer os sintomas persistirem durante várias semanas, mas não é exatamente disso que falamos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), à “desmotivação para seguir comportamentos de proteção, que emerge ao longo do tempo e é afetada por um número de emoções, experiências e perceções”, chama-se fadiga pandémica.
Este conceito está associado a uma reação natural e expectável à incerteza que vivemos a nível global e que, além de nos levar à desmotivação e falta esperança nos cuidados contra a Covid-19, pode também ser desencadeada ou conduzir a outros tipos de emoções. Para perceber melhor o conceito, como é que ele se aplica à sociedade portuguesa e o que podemos fazer para evitar este tipo de fadiga, a NiT falou com a psicóloga Mara Chora.
“Apesar de existir uma convergência geral para este sentimento, cada pessoa é afetada pela sua experiência pessoal, pelas suas emoções e pelas perceções que tem em relação à situação vivenciada e que podem estar relacionadas com vários aspetos, entre eles o estado de saúde (física e psicológica, diretamente ligado ou não à Covid-19), o suporte social que recebe de familiares, de amigos ou da comunidade, as restrições aplicadas à sua área de residência e os fatores socioeconómicos (como a perda de rendimentos, precariedade laboral ou habitacional, etc.)”, diz.
A fadiga pandémica poderá levar a que a perceção dos riscos vá diminuindo à medida a que a pandemia se prolonga por mais tempo, a que nos desleixemos nos cuidados como lavar as mãos ou usar máscara de proteção. Ainda assim, pode ser distinguida de outros problemas psicológicos como a depressão, na medida em que esta pode caracterizar-se por “um humor invulgarmente triste, irritável e/ou pela diminuição de interesse ou prazer nas atividades e tarefas diárias, durante um período relativamente prolongado e que causa sofrimento à pessoa ou dificuldades no seu funcionamento social”.
A depressão pode ainda ser acompanhada por outros sintomas como o aumento ou perda de apetite ou peso, problemas de falta ou excesso de sono, dificuldades de concentração, falta de energia, desvalorização própria ou sentimentos de culpa.
Quando falamos de ansiedade, a especialista explica que esta, quando em excesso, pode fazer-se notar quando “as perturbações de ansiedade implicam que a pessoa experiencie frequentemente estados de ansiedade e preocupação mais intensos e prolongados, do que aquilo que seria expectável no dia a dia, causando mal-estar, sofrimento e défice no funcionamento social e ocupacional”. Isto poderá levar a pessoa a ter comportamentos de evitamento ou de repetição de pensamentos como forma de tentar aliviar o mal-estar que sente.
No que diz respeito à tristeza, Mara Chora explica que esta é “um estado emocional que resulta da interação entre os sistemas cognitivo, afetivo, fisiológico e comportamental”. É uma resposta a um determinado acontecimento e, por isso, é “um estado passageiro e dirigido a algo específico”.
Uma vez que a fadiga pandémica é também ela uma consequência da pandemia que vivemos, ainda não é possível perceber que riscos é que esta pode trazer para cada um ou para a sociedade. Estamos a passar por tempos incertos em que não é possível prever com exatidão o que vai acontecer, vemos algumas liberdades serem restritas, pessoas a ficarem sem emprego, sem alguns familiares e uma crise socioeconómica que ainda virá. Ainda assim, a psicóloga alerta: “Também é certo que muitos de nós sairemos mais resilientes e com uma grande capacidade de adaptação”.
Em Portugal ainda não há estudos isolados que abordem apenas a questão da fadiga pandémica, mas é provável que possam sair em breve. No entanto, há outros dados que podem ajudar a compreender esta questão, principalmente ligados aos impactos da pandemia e do confinamento na saúde mental, questões de ansiedade ou características que nos tornam mais vulneráveis à fadiga no geral.
No estudo “O Que Pensam e o Que Sentem as Famílias em Isolamento Social”, do qual Mara Chora também fez parte, os resultados indicam que “pais e crianças apresentam níveis normativos de ansiedade, depressão e stress, ou seja, são valores expectáveis para as vivências e acontecimentos do dia a dia”, ainda assim, há um conjunto de pais e crianças que apresentam valores mais elevados e que estão relacionados, o que quer dizer que “pais mais ansiosos, deprimidos e stressados, têm filhos mais ansiosos”.
Para evitar os sintomas da fadiga pandémica ou com isso levar a outros problemas de saúde mental como depressão ou ansiedade, a psicóloga recomenda que se recorra a fontes de informação fidedignas e claras, evitando assim as fake news.
“Por muito realistas que possam parecer as correntes nos chats com teorias da conspiração ou dicas e truques para fintar o vírus, isso só provoca mais desinformação e não nos ajuda a combater eficazmente ou a prevenir o contágio.”
Por outro lado, quando a informação for excessiva e nos causar incómodo, a especialista recomenda que nos permitamos afastar um pouco, sem deixar de manter alguma atualização. Ou seja, não precisamos de ver todas as notícias que há, mas é necessário mantermo-nos informados.
Para ajudar a passar o tempo, convém encontrar atividades de que gostemos e não descurar os cuidados pessoais, “sejam eles momentos de relaxamento, fazer desporto, ler” ou outros. Conversar sobre aquilo que nos preocupa com pessoas da nossa confiança também é uma boa estratégia. Se necessário, não devemos duvidar em procurar ajuda de um profissional especializado.
“Apesar do estigma que continua a existir, não é motivo de vergonha reconhecermos que o momento atual pode estar a ser demasiado exigente.”