Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Para obedecer a novas regras de privacidade, várias empresas prestadoras de serviços de comunicação online desactivaram ferramentas usadas para escrutinar material partilhado em busca de conteúdo abusivo.
O alerta vem de várias instituições que trabalham com crianças e jovens. A Miúdos Seguros na Net, o Instituto de Apoio à Criança e a associação AjudAjudar pedem à Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia que se esforce para que se chegue depressa a um acordo de Derrogação Temporária da Directiva da Privacidade Electrónica, para que assim sejam reactivadas ferramentas que eram usadas na busca de conteúdos abusivos.
Com as novas disposições introduzidas no Código Europeu das Comunicações Electrónicas, no dia 21 de Dezembro de 2020 várias empresas prestadoras de serviços de comunicação online desactivaram ferramentas usadas para escrutinar material partilhado em busca de conteúdo abusivo. Foi o caso do Facebook e do Instagram.
O efeito é evidente. O Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos registou uma quebra de 46% no número de sinalizações relacionadas com a União Europeia. Isto comparando as anteriores com as três semanas posteriores à entrada em vigor das novas regras.
Para as três entidades de defesa dos direitos da criança que agora lançaram este apelo à Presidência Portuguesa, essa quebra “dá uma indicação de quantas crianças estão a ser colocadas em risco”. “Deve ser possível construir um relógio com uma contagem decrescente, mostrando aproximadamente quantos itens de abuso sexual de crianças não estão a ser reportados por dia.”
Não é que o problema tenha passado despercebido. A Comissão Europeia apresentou em Setembro uma proposta que incluía uma suspensão temporária de parte das disposições legais. Essa posição chegou a ser aceite pelo Conselho de Ministros. Em Dezembro, o Parlamento aprovou uma posição distinta. E até agora não houve acordo.
A pandemia de covid-19 torna o assunto mais premente. Quer as crianças e jovens, quer os predadores sexuais passam mais horas na Net. O relatório publicado pela Europol em Novembro indica um incremento quer na produção, quer na detecção de pornografia de menores.
Em Portugal, as sinalizações estavam a crescer e dispararam durante a crise pandémica. “Em 2017 e 2018 andávamos nas quatro centenas e meia e em 2019 tivemos um aumento significativo para as nove centenas e em 2020 passámos para os dois milhares”, declarou Carlos Farinha, director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária.
A Miúdos Seguros na Net, o Instituto de Apoio à Criança e a associação AjudAjudar estão longe de estar sozinhas. Ainda esta sexta-feira, um apelo idêntico foi lançado pelos eurodeputados David Lega, Caterina Chinnici, Hilde Vautmans, todos co-presidentes do Intergrupo sobre os Direitos da Criança.
Os eurodeputados reiteram “a importância dessas ferramentas “para detectar, denunciar e remover material de abuso sexual infantil.” “À medida que o tempo passa sem que se chegue a um acordo sobre a Derrogação Temporária, os abusadores sexuais continuam a seduzir, aliciar, explorar sexualmente crianças e a comercializar imagens sexualmente abusivas de crianças online de forma totalmente impune”, lê-se no documento emitido pelos membros daquele órgão que avalia o impacto do trabalho legislativo nas crianças.