5.7.22

PRR pagou a empresas e famílias menos de 2% do que Portugal já recebeu

Victor Ferreira, in Público

Dos 3300 milhões de euros pagos por Bruxelas desde Agosto de 2021, as famílias receberam 51 milhões e as empresas quatro milhões. Sistema científico recebeu 100 mil euros.Há precisamente 12 meses e meio, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, dirigiu-se à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, com uma pergunta escalpelizada por comentadores até ao tutano.

Bruxelas tinha acabado de anunciar a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português. Ainda faltava um “sim” importante (o do Ecofin, que só viria em Julho), mas Costa mostrou ter pressa: “Já posso ir ao banco?”

Se agora as famílias ou empresários perguntassem o mesmo a Costa, não se sabe que resposta ouviriam. Isto porque desde Agosto de 2021, Portugal já recebeu de Bruxelas 3321 milhões de euros e, no entanto, só pagou a famílias e empresas, enquanto beneficiários finais, 51 milhões e quatro milhões de euros, respectivamente. A soma destas duas parcelas equivale a 1,83% do que o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) transferiu, num cheque de pré-financiamento e num primeiro desembolso semestral, para o Estado português.

Os dados de monitorização mais recentes, divulgados pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal (EMRP), têm uma semana. Foram publicados com data de 22 de Junho. É possível que sejam actualizados esta quinta-feira, dia em que aquela entidade gestora do PRR português e a Comissão Europeia levam a cabo, entre as 9h e as 16h, uma espécie de “estados gerais” do PRR, reunindo no Museu dos Coches, em Lisboa, membros do Governo, gestores de programas, nacionais e europeus, empresários e outras partes interessadas. Trata-se do primeiro “evento anual do PRR”, cujo objectivo é “criar uma plataforma horizontal para troca de pontos de vista” sobre a evolução do PRR”, como o descreveu Fernando Alfaiate, presidente da EMRP. Será “um momento [para] ouvir as diferentes opiniões, apresentar os desafios existentes e encontrar soluções conjuntas”.

Por agora, valem os dados de 22 de Junho. E estes mostram o seguinte: Portugal recebeu 3321 milhões de euros do MRR, pagou 611 milhões a beneficiários directos, tem 1170 milhões de euros “em trânsito em beneficiários intermediários” e pagou 108 milhões a beneficiários finais.

Os beneficiários directos são as entidades responsáveis pela execução de uma reforma ou de um investimento. Os intermediários são a entidade pública responsável por uma reforma ou investimento cuja execução dependa de entidades terceiras por si escolhidas. E os beneficiários finais são os que recebem o financiamento do PRR “directamente enquanto beneficiário directo ou através do apoio de um beneficiário intermediário”. É isto o que diz o diploma que estabelece o modelo de governação dos fundos do PRR. E como se vê, não é de compreensão imediata.

Mas os relatórios da EMRP permitem perceber onde anda o dinheiro pago ou à espera de ser entregue. Assim, quando se soma tudo o que já foi pago a beneficiários directos e finais, obtém-se o valor de 719 milhões de euros. Este montante corresponde a uma taxa de execução de 4,3% dos 16.600 milhões de euros que é o bolo total do PRR.

Esses 719 milhões dividem-se da seguinte forma: 611 milhões pagos a beneficiários directos (entidades responsáveis pela reforma ou investimento) e 108 milhões para beneficiários finais. Destes 108 milhões, 51 milhões foram para a dimensão da resiliência, outros 51 milhões foram para projectos de transição climática e apenas cinco milhões foram para a transição digital (a soma não corresponde ao valor do relatório por diferença de arredondamento).

Quanto aos destinatários dos pagamentos, o relatório evidencia que 55% dos 719 milhões já pagos ficaram em entidades do Estado. Assim, a maior fatia, 217 milhões, foi para os bolsos de empresas públicas e a segunda maior fatia, de 211 milhões, foi para as escolas. A terceira maior foi para os cofres de entidades públicas: receberam 179 milhões de euros.

Seguem-se então os pagamentos mais pequenos feitos no último ano: os já mencionados 51 milhões para famílias; 35 milhões para autarquias e áreas metropolitanas; 22 milhões para instituições do ensino superior; quatro milhões para empresas, tal como já foi referido; 300 mil euros para entidades da economia solidária e social; e 100 mil euros para entidades do sistema científico e tecnológico.

Estes números parecem dar razão aos apelos sucessivos para uma execução mais rápida do PRR. O Presidente da República tem insistido nessa tecla, o Governo já reconheceu que há atrasos e esta semana até o presidente da Caixa Geral de Depósitos defendeu que o país tem de “acelerar a entrega de verbas às empresas”.


“A questão mais importante neste momento é [o PRR] materializar-se. A quantidade de dinheiro nas empresas ainda é muito, muito diminuta, ainda temos toda uma fase de projectos por aprovar”, disse Paulo Macedo, na segunda-feira, segundo declarações citadas pela agência Lusa.

Difícil comparar

O relatório da EMRP também mostra que, na semana passada, estavam lançados concursos públicos no valor de 660 milhões e que a dotação dos avisos abertos (160) ascendia a 8915 milhões de euros. Havia registo de 120.681 candidaturas, das quais cerca de um terço (42.330) estavam aprovadas. Os montantes aprovados para beneficiários directos e finais ascendiam, por seu lado, a 5335 milhões de euros (32% da dotação total).

No entanto, no fim de contas, os beneficiários finais só receberam 108 milhões de euros, como já se referiu e a parte que coube a famílias e empresas é menos de 2% do dinheiro que já entrou no país. É muito? É pouco? É melhor ou pior do que o cenário noutros Estados-membros? São perguntas que dariam contexto, mas às quais é difícil de responder.

Seja qual for o país, não é fácil perceber onde pára o dinheiro. Entre a habitual nomenclatura dos programas criados por eurocratas e as subtilezas processuais da arquitectura sempre intrincada desses mesmos programas europeus, é fácil perder o fio à meada. E a proposta de uma plataforma comum europeia com informação centralizada sobre os financiamentos foi rejeitada pelos governos, recorda o eurodeputado José Manuel Fernandes (PSD), que é um dos parlamentares eleitos por Portugal que acompanha o MRR.

“O Conselho não aceitou. Saberíamos quem estaria a receber e que montantes. Por isso ficou apenas uma declaração conjunta da Comissão e do Parlamento, como adenda ao regulamento aprovado” para o MRR, lembra Fernandes ao PÚBLICO.

Bruxelas criou entretanto um painel de bordo (o RRF Scorecard), mas este diz respeito ao cumprimento dos marcos e metas e não à execução financeira. Como os pagamentos são nacionais, o que o executivo comunitário regista é o valor que transfere para cada governo e não o que cada governo efectivamente paga.

Portugal recebeu o primeiro cheque, de 2200 milhões de euros, em Agosto, a título de pré-financiamento. E a 9 de Maio deste ano recebeu mais 1162 milhões de euros, entre subvenções e empréstimos, pelo cumprimento das primeiras metas semestrais.

Para receber a totalidade do PRR, Portugal tem de cumprir ou atingir 341 marcos e metas. À data do relatório de 22 de Junho, a execução era de 11%, ou seja, 38 marcos e metas. “Durante o próximo trimestre, serão executados mais 20 marcos e metas e será submetido o segundo pedido de desembolso à Comissão Europeia. Passaremos, assim, a ter uma execução de 17% do PRR, com 58 marcos e metas”, escreveu Fernando Alfaiate, líder da EMRP.